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Crítica | O Escândalo (1950)

por Luiz Santiago
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Embora Kurosawa tenha trabalhado temas sociais e críticas a diversas instituições ou atitudes humanas em toda a sua carreira, podemos dizer que a sua safra de filmes predominantemente sociais termina em 1950, com o lançamento de O Escândalo. Mesmo que o diretor tenha dirigido obras como Céu e InfernoHomem Mau Dorme Bem e Ralé nos anos posteriores, sabemos que o foco principal da sua carreira após Rashomon (1950) foi o trabalho com os filmes chambara, filmes de samurai ou histórias ambientadas no Japão medieval, em sua maior parte; ao contrário desse primeiro momento, onde temos uma atenção quase única do mestre japonês para acontecimentos que marcaram a sociedade japonesa depois da Segunda Guerra.

Em O Escândalo, Kurosawa expõe e critica a atitude da imprensa japonesa em divulgar notícias falsas em troca de altas vendas e polêmicas quentes. Jornais pequenos e sensacionalistas estão no topo da lista do diretor, que indaga sobre a utilidade desse tipo de atitude editorial e mostra muito claramente as péssimas consequências para os difamados, que precisam provar que são inocentes. Percebemos o clamor de Kurosawa para que a imprensa continue sendo livre, mas que tenha o compromisso com a verdade, uma vez que assume uma postura aberta de serviço social. Nesse ponto, O Escândalo se torna tão potente quanto Cão Danado (1949), porque nos traz algo aparentemente simples e dele retira uma problemática pertinente e atemporal — hoje, muitíssimo mais eficiente que na época em que o filme foi realizado.

Na história, um pintor oferece carona para uma cantora até o hotel onde se hospedariam. Eles se conheceram por acaso e, como iam para a mesma direção, acabaram chegando juntos ao local. A cantora é assediada por fotógrafos da revista Amour, uma publicação pequena que não se preocupa muito com o tipo de notícia ou mentira que veicula. Como a dupla de paparazzi não consegue fotografar a artista, ficam rondando as dependências do prédio e flagram um momento casual em que o pintor faz uma visita ao apartamento da cantora e mostra a ela uma região pantanosa ao longe. Isso é o bastante para que o editor da revista faça uma edição especial sobre o caso dos novos amantes do mundo das artes e o pontapé inicial para o que será desenrolado durante todo o filme.

Paralela a essa história e aos conceitos que podemos retirar dela, temos a incursão de uma personagem coadjuvante muito especial, o advogado Hiruta, interpretado por Takashi Shimura. Kurosawa e Kikushima procuram não trabalhar apenas um conceito específico no roteiro, mostrando também as implicações paralelas de qualquer atitude humana. O advogado Hiruta é um homem pobre e tem uma filha tuberculosa, além de uma forte queda por bebida, o que o torna fraco para subornos e pressões. Desta vez, na segunda parceria juntos (a primeira foi em Cão Danado), os roteiristas apontam uma questão moral a uma realidade dura de vida, trazendo à tona conceitos como roubo, honestidade, bondade e corrupção.

Ao mixar esses dois grandes eventos, um moral e um ético, Kurosawa entrega um filme cujo significado foi ganhando cada vez mais força com o passar dos anos. Infelizmente o filme foi praticamente esquecido porque saiu no mesmo ano que Rashomon, obra que acabou ganhando um inesperado (e merecido) destaque, encobrindo totalmente a existência de O Escândalo. Uma das muitas maravilhas do filme é a excelência da equipe técnica, especialmente a fotografia de Toshio Ubukata, que repetiria a dose em O Idiota (1951); e a direção de arte de Tatsuo Hamada, um dos icônicos artistas do cinema japonês e muito presente nos filmes de Yasujiro Ozu.

Já havíamos comentado que Cão Danado aponta para um amadurecimento técnico e formal de Kurosawa (embora ainda não fosse a sua versão final, trata-se inquestionavelmente de um filme maduro do diretor). Em O Escândalo, vemos uma segurança plena do Mestre em trabalhar várias frentes narrativas, em dirigir diferentes gerações de atores e em dar ao longa um significado bastante emotivo, independente do tema que está sendo exposto. Talvez pela grandiosidade das obras seguintes e não apenas de Rashomon, esse filme tenha sido posto de lado e até considerado um “filme menor” de Kurosawa. Mas a força dos sentimentos trabalhados e a coragem do cineasta em escancarar crises morais e éticas nas instituições japonesas desmentem isso e fazem de O Escândalo um incontestável grande filme.

O Escândalo (Shûbun) — Japão, 1950
Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Ryûzô Kikushima, Akira Kurosawa
Elenco: Toshirô Mifune, Shirley Yamaguchi, Yôko Katsuragi, Noriko Sengoku, Eitarô Ozawa, Takashi Shimura, Shin’ichi Himori, Ichirô Shimizu, Fumiko Okamura, Masao Shimizu, Tanie Kitabayashi, Sugisaku Aoyama, Kokuten Kôdô, Kichijirô Ueda, Bokuzen Hidari
Duração: 104 min.

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