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Crítica | 13 Reasons Why – 1ª Temporada

por Guilherme Coral
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estrelas 2,5

  • Contém spoilers.

Nos últimos anos, temos observado uma louvável política de conscientização em relação à depressão e outras doenças psicológicas. Embora o caminho pela frente para que todos enxerguem essa questão com clareza ainda seja longo, existe uma maior liberdade para expressar o que sentimos ou “simplesmente” o que não sentimos em momento algum. Evidente que isso é fruto das taxas alarmantes de suicídio de jovens e não somente adolescentes, por mais que esse seja um dos mais difíceis períodos que percorremos, muitas vezes, definidor de todo o nosso futuro. Contudo, essa tomada de consciência (muito tardia) não significa que tudo esteja bem, muito pelo contrário – a política existe, mas o “vai passar”, “é só uma fase” e coisas do tipo continuam no vocabulário da grande maioria das pessoas, abafando o grito, muitas vezes silencioso, de quem tenta, de sua própria forma, pedir ajuda.

13 Reasons Why aborda justamente esse assunto, trabalhando com temas como a falta de empatia, o bullying, a misoginia e a violência sexual como impactos na vida de alguém, mostrando como a mais (aparentemente) inofensiva brincadeira e o mais repugnante dos atos pode desencadear o ápice do isolamento, capaz de nos fazer sentir completamente sozinhos no mundo a tal ponto que nada mais importa. Dito isso, a série original da Netflix configura-se como mais uma forma de fazer todos enxergarem, de pensarem em como suas atitudes podem destruir os outros das maneiras mais íntimas possíveis. É um seriado feito para que todos vejam e não para quem sofre com tais problemas ou similares, visto que conta, sim, com gatilhos, que podem nos levar para um lugar mais escuro. A intenção de explicitar tais sensações, porém, está misturada não somente a problemas estruturais da própria narrativa, como a posicionamentos problemáticos da equipe de roteiristas, que segue por uma via maniqueísta focada na culpabilização.

A trama acompanha Clay Jensen (Dylan Minnette), um adolescente ainda no ensino médio, cuja amiga, Hannah Baker (Katherine Langford), acabara de se suicidar. Inesperadamente, ele recebe, poucos dias após o ocorrido, uma série de fitas cassetes contendo gravações da menina, revelando, em suas próprias palavras, os treze motivos que a levaram a tirar sua própria vida. Cada uma dessas fitas traz os nomes dos responsáveis a levá-la por esse caminho, relatando com clareza as situações traumáticas pelas quais a garota passou. Clay entra, então, em uma jornada angustiante repleta de revelações enquanto sofre com as dores de sua amiga e com o fato de ele próprio estar em uma dessas gravações, sem saber o porquê.

Em razão do contexto em que tais fitas foram gravadas, podemos entender a postura de Hannah em relação àqueles que contribuíram para seu desmoronamento: ela estava profundamente destruída e encontrou uma forma de colocar tudo isso para fora em fitas. O grande problema está na forma como os roteiros lidam com essa questão, colocando a culpa diretamente nesses indivíduos, transformando essa em uma história de vingança que passa a ideia errada para o espectador. Atos como o bullying, violência sexual e outros obviamente precisam ser trazidos à tona, o silêncio não mais deve ser tolerado, mas crucificar um grupo de pessoas quando o problema está em toda a sociedade não é o caminho a ser seguido. Aqueles que cometem tais ações devem, sim, ser penalizados e precisam compreender o quão terríveis são seus atos, mas não por meio da tortura psicológica, ideia que a série insiste em transmitir – afinal, assim, o ciclo de violência, desentendimento e isolamento é apenas perpetuado.

Isso se agrava ainda mais quando levamos em consideração os próprios problemas pessoais pelos quais muitos dos personagens secundários passam. Um deles, por exemplo, tem uma mãe viciada em drogas que é completamente dominada pelos seus namorados, jamais defendendo seu próprio filho – como condenar uma vítima dessa situação sem levar em conta o que ele próprio passa? Pior: como colocar como um dos treze motivos uma amiga que se afastou quando outro dos treze é justamente o fato dessa mesma ter sido estuprada e seu namorado não fez nada? Todos aqui mostrados são vítimas de diferentes formas de violência, algumas mais discretas que outras. 13 Reasons Why, contudo, coloca Hannah como o ponto mais importante da vida dessas pessoas, fazendo-as parecer como simples monstros quando a realidade é muito mais profunda e problemática. Algumas vezes escutamos, claro, um dos personagens falando sobre como a escolha de acabar com sua própria vida foi unicamente a de Baker, mas constantemente somos lembrados que todos são culpados por isso, o que não deixa de ser verdade. No entanto, será que era preciso, também, destruir tais pessoas? Evidente que aqui não incluo o estuprador, pois essa questão é ainda mais difícil de ser lidada, considerando que as instituições buscam jogar esses atos para baixo dos panos – a necessidade de se expor alguém assim é uma realidade extrema e infelizmente presente em nossas vidas estigmatizadas pelo sofrimento que vem junto da impunidade.

O próprio protagonista, Clay, é um indivíduo que foi submetido a um extenso sofrimento ao longo dos treze capítulos do seriado e ele, aos olhos de Hannah, é inocente! O personagem que acabara de perder dois amigos é quase levado ao suicídio em virtude dessa tortura. Em termos estruturais, sua situação não melhora, visto que ele funciona apenas como um artifício do roteiro, que nos leva a essa viagem pelo passado e presente, tendo sua individualidade suprimida como um representante da menina. O texto não consegue trabalhar sua personalidade a fundo, marcando alguns pontos de seu lado sombrio e os esquecendo mais tarde.

É claro que a ideia, aqui, era mostrar que nem todos são pessoas terríveis e Jensen certamente funciona como uma figura com quem muitos de nós conseguimos nos identificar. Mas vejam como seu sofrimento em relação à perda não é tão bem explorado, Ele sente raiva, sim, mas o roteiro praticamente se esquece que ele perdera um grande amigo pouco tempo antes de Baker tirar sua vida. O isolamento do garoto é uma constante desde o início da série, mesmo nos flashbacks e isso não é trazido à tona, fazendo sua vida girar em torno das fitas, quando, evidentemente, ele já sofria muito antes disso. Mesmo seus “sonhos acordados” (mais para pesadelos) são tratados com desleixo, quando claramente afetam mais e mais a vida do protagonista. Felizmente, a excelente atuação de Dylan Minnette faz muito mais pelo personagem do que o próprio texto, minimizando alguns dos problemas.

Esse ponto é ainda mais prejudicado pelo prolongamento desnecessário da trama, algo presente em outras produções originais da Netflix. Mais de uma vez sentimos como se trechos tivessem sido incluídos em cada episódio somente para que os 13 capítulos fossem garantidos, como as incontáveis vezes que Clay para de ouvir as fitas, chegando até, em certo momento, a desistir da missão completamente, ignorando sua própria curiosidade e o medo de descobrir o porquê dele próprio ser mencionado nas gravações. De fato, o roteiro faz uso dessas “conveniências” constantemente, trocando o foco inúmeras vezes a fim de aumentar o suspense, procurando fazer o espectador se sentir mais engajado para descobrir o que cada um fez do que com a construção da queda de Hannah em si, que deveria ser, junto das dores de outros personagens, o foco da série. Temos, portanto, a sensação de que o objetivo é apontar o culpado por trás do crime e não o crime em si.

Essa pura “enrolação” é diminuída nos episódios finais, que demonstram uma agilidade muito maior, ainda que tragam seus próprios problemas, como o vilão de James Bond confessando suas ações. Por outro lado, temos, nesses momentos finais, um retrato verdadeiro de como a depressão toma conta da vida de alguém, como as sofridas memórias ganham mais força até que não sintamos mais nada. Observamos, portanto, como toda a série poderia ter sido construída, preocupando-se mais em conscientizar do que em apontar dedos. Mais uma vez devo dizer que, nessa reta final, os gatilhos demonstram-se de forma mais evidente. Portanto, se isso trouxer algo ao espectador, fazendo-o reviver dolorosas memórias, é melhor, no mínimo, ter alguém do lado ou sequer assistir o seriado. Como eu disse, ele é feito para quem precisa entender e não para quem já vive isso todos os dias.

A intenção de 13 Reasons Why de trabalhar essas difíceis e extremamente relevantes temáticas é algo cada vez mais necessário em nossas vidas, mas as escolhas tomadas pelos roteiros dos episódios trabalham contra esse enfoque, transformando tudo em uma forma de culpabilizar e não de gerar empatia. Mais do que nunca precisamos deixar qualquer tipo de violência de lado, simplesmente não podemos almejar o sofrimento dos outros, não só porque desconhecemos seus próprios problemas pessoais, como porque sabemos o que o sentimento de isolamento gera em nós. A conscientização é necessária, mas não deve ser acompanhada de uma propagação da dor.

13 Reasons Why – 1ª Temporada — EUA, 2017
Criado por:
 Brian Yorkey
Direção: Tom McCarthy, Helen Shaver, Kyle Patrick Alvarez, Gregg Araki, Carl Franklin, Jessica Yu
Roteiro: Brian Yorkey, Diana Son, Thomas Higgins, Julia Bicknell, Nic Sheff, Elizabeth Benjamin, Kirk Moore, Hayley Tyler, Nathan Louis Jackson, Elizabeth Benjamin
Elenco: Dylan Minnette, Katherine Langford, Christian Navarro, Michael Sadler, Justin Prentice, Devin Druid,  Jillian Nordby, Miles Heizer
Duração: 13 episódios de aprox. 1h cada.

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