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Crítica | A Bruxa (2015)

por Luiz Santiago
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Atenção: até os 4 últimos parágrafos da crítica não há nada que possa ser considerado spoiler, mas daí para frente há informações bastante específicas sobre algo do filme sem a citação das quais eu não poderia justificar o que comentei sobre o roteiro. Sugiro que não leiam sem antes ter viso o filme.

Oh, Lord

É entre muitos thou e thee que o roteiro de A Bruxa (2015), baseado em documentos históricos e relatos populares derivados da histeria de “caça às bruxas” que assolou os Estados Unidos (e a Europa) no século XVII, nos conta de forma muito peculiar um drama macabro que toma forma cerca 60 anos antes do infame e popularmente conhecido “julgamento das bruxas de Salém”.

Aqui, estamos na Nova Inglaterra (região do nordeste dos Estados Unidos), na década de 1630, e já no início do filme vemos uma família de camponeses ser expulsa da vila de produção agrária — uma plantation, mas não exatamente como as conhecemos geograficamente — em um julgamento breve e sem muitas intenções de punição extrema ou uso de força. O patriarca, William (Ralph Ineson), fala de castigo divino e do peso das mãos de Deus sobre o aldeões, mas o verdadeiro motivo de seu julgamento e a escolha para o exílio do local não são explorados no filme. Já nos primeiros minutos, vemos a família (pai, mãe e cinco filhos, dentre eles, um bebê) saírem do local e instalarem-se em uma floresta, de onde surge, imediatamente, o trabalho conceitual e estético do diretor Robert Eggers para o componente de terror da obra.

Que se deixe claro: A Bruxa é um um filme assustador. Mas não pelos motivos que normalmente os espectadores na “nova geração do terror” estão acostumados. Aqui, entramos no território de obras como Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos (1922), Dias de Ira (1943), A Hora do Lobo (1968), O Bebê de Rosemary (1968) ou The Babadook (2014). O horror em A Bruxa é histórico, cultural, psicológico; retira da raiz cristã o seu medo e reflexão sobre o mal, trazendo à tona o demônio sob disfarce, construindo, enquanto isso, uma atmosfera de medo, ignorância, apreensão e muito suspense até que as coisas enlouquecem, na meia hora final da projeção.

A fotografia esmaecida e em forte diálogo com as pinturas de Diego Velázquez e Francisco de Goya é um espetáculo à parte e, disparado, se coloca como o melhor elemento do filme; melhor que os excelentes figurinos (resultado de uma pesquisa histórica cuidadosa) e a precisa direção de arte, que soube trabalhar com o mínimo de itens nas externas e organizar muito bem a composição do que deveria aparecer nas tomadas, todas elas muito bem capturadas e dentro de um ritmo de quadro que dá a Robert Eggers os louros de diretor aplaudível, algo que não acontece quando olhamos para o seu roteiro, que é o que torna A Bruxa um filme bem menor do que as primeiras impressões internacionais nos deram entender, quando a fita estreou no Sundance Film Festival, em janeiro de 2015.

O que podemos chamar de “primeiro bloco” do filme se constrói em duas medidas narrativas, a primeira, como impulso psicológico para a plateia (nós esperamos o medo!) e a segunda, como inserção da família protagonista no cenário de onde o medo virá.

Percebam o bom jogo inicial do roteiro, que à medida que os minutos passam, vai desenrolando ladainhas — justificáveis até certo ponto — e muitas vezes sub-trabalhando o horror, tanto que, é unânime a opinião de que a grande surpresa, o medo e o mal, de fato, aparecem apenas no final do filme, tendo antes disso uma preparação de terreno, uma sugestão com algumas “migalhas ópticas” que nos deixam curiosos, chegando a nos encantar com o jogo de “quem é a bruxa nessa história toda?“, o que torna tudo ainda mais macabro com a revelação da forma maligna em uma das últimas cenas. Mas, em seus derradeiros minutos, o texto assume a personalidade de um Coven que simplesmente destrói o fator surpresa até então guardado e quase tudo o que poderia fazer sentido e permanecer em alta até ali, se esvai.

Não se deve tirar de A Bruxa o maravilhoso trabalho técnico, além de alguns elementos de terror criados ao longo da história, com destaque para a briga entre os irmãos, as acusações e a reta final, até o momento em que o Coven aparece. Todavia, a entrega absoluta ao embate entre mal versus bem e a dominação religiosa na construção desse “teatro de horrores” deu ao filme um desenvolvimento pontualmente tedioso, apesar de momentos de puro pavor e tortura psicológica.

O final, que poderia, em uma leitura um pouco mais apaixonada, trazer o perdão a tudo e elevar o filme a um dos de maiores destaques de sua geração, acaba traindo o próprio roteiro pelo clichê (elemento ausente na obra até aquele momento) e pela forma barata com que ele nos é exposto, subtraindo, inclusive, o teor de maldade e vitória das forças do mal com um tipo de enlevo particular para a personagem de Anya Taylor-Joy (Thomasin) que não se liga ao filme em sua linha de desenvolvimento. E ali ficamos: nus, em uma floresta onde a revelação final do mal se dá de uma forma que não compreendeu nenhum preparo prévio ou justificativa para isso.

Sobra para o espectador a excelente lembrança estética e o que lhe arrepiou a alma antes que o balde de água fria (vulgo levitações baratas) o acordasse para a chata realidade.

A Bruxa (The Witch) — EUA, Canadá, 2015
Direção: Robert Eggers
Roteiro: Robert Eggers
Elenco: Anya Taylor-Joy, Ralph Ineson, Kate Dickie, Harvey Scrimshaw, Lucas Dawson, Ellie Grainger, Julian Richings, Bathsheba Garnett, Sarah Stephens, Wahab Chaudhry
Duração: 90 min.

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