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Crítica | A Casa de Pequenos Cubinhos

por Marcelo Sobrinho
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Quase dez anos depois do lançamento do curta-metragem japonês A Casa de Pequenos Cubinhos, a singela animação ainda parece pegar o espectador de surpresa com sua rara capacidade de dizer tanto em tão pouco tempo. Fato esse que não se repente antes que muitos anos se passem. A obra de Kunio Katō levou o Oscar de Melhor Animação no ano de 2009 e se tornou um clássico instantâneo tanto no formato curta-metragem quanto no gênero de animação. Motivos para isso não faltam, de fato. Com traços simples mas cuidadosos, tonalidades que variam do amarelo ao verde (separando o passado e o presente) e uma trilha sonora minimalista e extremamente delicada, a obra do animador japonês consegue se comunicar com o mundo contemporâneo com uma desenvoltura admirável. Katō é econômico e nos pede apenas 13 minutos para transmitir uma mensagem que ecoará na cabeça do público por muitas horas.

Tão simples quanto sua forma, seu enredo trata de um velhinho que se dedica a empilhar tijolos para tornar sua casa cada dia mais alta, a fim de fugir das águas do mar, que teimam em subir mais e mais. Um dia, ao se desequilibrar dentro de um barco, o personagem solitário deixa  acidentalmente seu cachimbo cair e o objeto vai direto para o fundo, isto é, para o andar mais baixo da casa submersa. Devidamente vestido com um equipamento de mergulho, ele submergirá em busca do utensílio que lhe é tão caro. Ao esculpir uma alegoria tão clara, o filme conquista de saída o espectador por trabalhar temas tão universais – a passagem do tempo, a construção de uma biografia e o limite inevitável ao escapismo e à alienação. O cachimbo perdido nas profundezas do mar funciona como o único vestígio de um passado que o protagonista nega e afasta de si. Penso que há aqui uma mensagem evidente – cedo ou tarde, a memória reclamará seu lugar.

A caracterização do protagonista também não é gratuita. Corpulento, de rosto cansado e acentuada corcunda, o velho homem parece carregar em sua face todas as cicatrizes e em seus ombros todo o peso do mundo. Por mais que ele tente, sua condição de fugitivo de si mesmo não se sustenta mais – metáfora que surge em seus pés tão pequenos e finos. Ele mergulha e, a cada andar revisitado de sua casa, uma nova lembrança é evocada. Uma foto em família, o casamento da filha, um passeio entre namorados e, por fim, um jantar especial. Tudo retorna. Emerge. Volta a soar o que estava emudecido. A alegoria se completa quando ele encontra a taça do jantar e revive o brinde. É nesse ponto que está a grande chave para compreender A Casa de Pequenos Cubinhos. Após a descida ao interior de si mesmo, ocorre a grande mudança. O velho cachimbo, companheiro dos dias mais pesados e morosos, dá lugar à taça de vinho – objeto que representa não o afastamento entre o personagem e a sua história, mas sim a reconciliação entre ambos.

Essa narrativa tão simples encantou tanto as plateias mundo afora porque vai, com enorme leveza e sensibilidade, ao fulcro de uma questão muito problemática da contemporaneidade. Em dias em que o sofrimento se tornou proibido e chega a despertar vergonha em quem sofre, parece natural tentar fugir das tristezas que doem e das saudades que ainda afligem. Tempos que medicam a existência e que não suportam a dor como constituinte necessário dela tornam todos nós muito parecidos com o velho homem da casa de pequenos cubinhos. É curioso pensar que o século que transformou a dor em um tabu é o mesmo que tornou a depressão epidêmica. E é exatamente este o grande poder e o grande encanto do curta-metragem japonês – nos devolver um pouco da consciência de que, quanto mais fugimos da existência, mais ela nos invade. Tal como as águas do mar, que vão submergindo tudo até que nada reste ou que se faça o necessário mergulho.

A Casa de Pequenos Cubinhos (Tsumiki No Ie) – Japão, 2008
Direção: Kunio Katō
Roteiro: Kunio Katō, Kenya Hirata
Narração: Nasami Nagasawa
Duração: 13 minutos

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