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Crítica | A Colina Escarlate

por Rafael W. Oliveira
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Se há algo que dignifica o cineasta Guillermo Del Toro como um ator de marca maior em meio aos cenários pretensiosos de Hollywood, é primeira e principalmente sua habilidade em imprimir sua própria identidade em grandes projetos de estúdio, veículos populares que, em maior ou menor proporção, sempre são infestados pelo “jeitinho Del Toro” de narrar uma história. Sem isto, títulos como Blade 2, os dois Hellboy ou até mesmo o fabulesco O Labirinto do Fauno jamais teriam alcançado o êxito que obtiveram, e isto se deve muito a forma peculiar com que o diretor mexicano enxerga suas histórias e personagens… ou melhor, criaturas.

Pois sim, como um amante da dubiedade entre o que é belo e bizarro, nada mais justo que uma trama de fantasmas como a de A Colina Escarlate caísse nos colos do diretor, que ao lado de Matthew Robbins (com que já havia trabalhado em Mutação), assina o script, que busca seus ecos em cima das escolas literárias de horror gótico como Mary Shelley ao lado do romantismo renegado de Jane Austen, referências estas muito claras pela personagem de Mia Wasikowska, Edith, que após a morte do pai, Carter Cushing (Jim Beaver), conhece e se casa com o aristocrata Thomas Shape (Tom Hiddleston, o Loki de Os Vingadores), um homem de negócios que viaja aos EUA em busca de uma máquina específica que lhe ajudará a extrair a argila vermelha que circunda sua propriedade, uma mansão para onde o casal se muda após sua união. Edith e Thomas dividem sua convivência com a irmã do magnata, a sombria Lucille (Jessica Chastain, de A Hora Mais Escura), e não demora para que Edith se veja envolvida pelo passado fantasmagórico e horrorífico dos irmãos.

Com um potencial de revisitação aos primórdios do horror nas mãos de alguém como Del Toro, que de tão versátil na área do cinema fantástico também deu vida ao irmão inteligente de Transformers, o divertidíssimo Círculo de Fogo, é de se espantar que o estudo das imagens do diretor sobre toda a concepção gótica dos cenários, figurinos e ambientação seja tão asséptica. Há um notável conflito entre a visão de Del Toro e as típicas imposições de estúdio que exigem o maior número de concessões possíveis para que o público se satisfaça, e nisto A Colina Escarlate é afetado em seu equilíbrio sobre tentar ser um romance gótico ou um melodrama de terror. Peca nos dois sentidos.

Mas algo a ser muito admirado nos filmes de Del Toro, e que novamente se repete aqui, é a coesão entre o olhar de sua câmera e o deslumbre promovido pela direção de arte, figurino e maquiagem, aqui essenciais para que a narrativa se estabeleça como quer. A mansão dos Shape, em especial, concebida pelo designer de produção Thomas E. Sanders, que a transforma em um monumento colossal, opressor, imponente e misterioso, algo ressaltado pela constante presença da chuva, o ambiente externo coberto de neve (num belíssimo contraste com a argila vermelha) e, claro, a fotografia mergulhada em luzes azuladas e cinzentas de Dan Laustsen, toda em tons esmaecidos. E nestes cenários escuros, os figurinos que variam entre o vermelho, o preto e o dourado acentuam pontualmente os mistérios e a violência iminente que cercam a mansão.

Porém, nem só de exuberância técnica sobrevive um filme, e diante de sua mão pesada que cede a convenções bobas do roteiro e deixa em explícito o que jamais pede pra ser desta forma, A Colina Escarlate é rapidamente minado. Del Toro e Robbins parecem não acreditar nas próprias palavras de sua protagonista, que também escritora, define seus contos como histórias com fantasmas, e não sobre fantasmas, algo contrariado pelo desenrolar nada sutil do roteiro, que resolve seus plots antes do que deveria (a correria final é um exemplo de como o filme quer chegar rápido demais aos seus finalmentes), e todas as cenas colocam os tais fantasmas em cenas, artificializados por efeitos digitais que quebram por completo a imersão mágica e apelam para jump scares que, nas mãos de Del Toro, se tornam artifícios inconcebíveis. Isto, por sinal, também desvaloriza o trabalho de movimento do sempre impressionante Doug Jones (o Andy Serkis de Del Toro), cujo esforço some diante da digitalização farsesca das aparições.

E se os personagens conseguem, ao menos, ser bem delineados pelo roteiro, lhe faltam intérpretes que igualmente encontrem o tom do que lhes é exigido. Wasikowska, apesar de não tão inexpressiva quanto no filme que lhe lançou ao estrelato, o infame Alice no País das Maravilhas de Tim Burton, segue como uma atriz de presença passiva demais para uma personagem muito acima destas aceitações, o que lhe irregulariza na pele de Edith. Tom Hiddleston, ator que Hollywood frequentemente insiste em vender como galã (algo miseravelmente falho), falha na química com Wasikowska e constrói uma figura cujo romantismo e tristeza são engolidos pelo fator detestável de suas ações. E Chastain, talvez no ponto mais equivocado de sua carreira, se entrega a uma caricatura que ultrapassa os limites do bom equilíbrio, algo o qual o equivocado clímax insiste em deixar claro com seus plots esquematizados.

Com tantos problemas primários e equívocos quase inexplicáveis vindo de um nome como Del Toro (que no fim das contas, acaba sendo o menor culpado por aqui), não há estilo que salve A Colina Escarlate do fraco resultado, e por mais impressionante visualmente que seja, lhe falta cuidado, compreensão e uma lapidação mais imaginativa sobre este potencial conto com fantasmas.

A Colina Escarlate (Crimson Peak) – Canadá/EUA, 2015
Direção: Guillermo Del Toro
Roteiro: Guillermo Del Toro, Matthew Robins
Elenco: Mia Wasikowska, Tom Hiddleston, Jessica Chastain, Charlie Hunnam, Jim Beaver, Burn Gorman, Leslie Hope, Jonathan Hyde, Bruce Gray, Emily Coutts, Doug Jones
Duração: 119 min.

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