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Crítica | A Dama na Água

por Rafael W. Oliveira
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Nunca foi fácil aceitar os filmes de M. Night Shyamalan, assim como nunca foi fácil defender este A Dama na Água desde os apedrejamentos impiedosos que a obra recebe desde seu lançamento. Confesso, fui um dos que se sentiu desgostoso com a adaptação da história de ninar do diretor à primeira vista (meu próprio texto sobre A Vila aqui no site é de uma época em que a experiência ainda não me descia), era um filme esquisito, incompreensível, de escolhas, moldado por um roteiro de escolhas duvidosas e saídas fáceis. Ao menos foi o que pareceu há mais de 10 anos atrás. Mas o tempo passou, a poeira baixou, a mente mudou, e será que A Dama na Água se fixou nessa primeira impressão negativa deixada pela recusa de Shyamalan em não responder aos seus detratores?

Pois sim, A Dama na Água é um filme-resposta, não há como negar. Um contra-ataque de um cineasta com ego inflado, inquieto tal qual seus filmes, experimentações que se recusam a permanecer na linha cômoda de sua proposta. Ora, e como não afirmar isso sobre A Dama na Água quando o próprio cineasta pega para si o personagem da mudança, da inspiração e da esperança? Auto-importâncias à parte, tais atitudes ao menos revelam um autor que a cada projeto, surge diante de nós cheio de uma vontade e ousadia tão raras no cinema contemporâneo que, de fato, a última coisa que podemos chamar Shyamalan é de covarde.

Partindo novamente de um microcosmo tal qual já havia feito em Sinais (a fazenda) e A Vila (o vilarejo), o filme nos ambienta num condomínio, onde conhecemos Cleveland Heep (Paul Giamatti, estupendo), zelador do local que trata e recebe os inquilinos sempre com extrema educação e respeito, mas reserva para si um semblante melancólico, triste, ressaltado por seus ombros curvados e sua gagueira incontrolável. Certa noite, Cleveland se depara com Story (Bryce Dallas Howard, encantadora), que se auto-intitula uma narf, uma espécie de ninfa do mar, e diz estar ali para uma missão que irá resgatar a fé e a esperança da humanidade, mas pra isso, precisa enfrentar algumas criaturas de seu mundo que a perseguem.

Apaixonado por seus personagens comuns inseridos em um clima fantástico, A Dama na Água talvez seja a obra de Shyamalan onde a necessidade do encantamento seja mais necessária e indispensável. Repare na gama de estereótipos (propositais) que o diretor acumula ao longo de sua narrativa: não há hesitação daqueles rostos em querer acreditar, em aceitar e abraçar a presença lúdica de Story, num depósito de esperanças aparentemente bobo de que, a partir daquela convivência isolada no condomínio (isolada pois, apesar da convivência num mesmo espaço, todos parecem viver dentro de universos particulares dentro de cada apartamento), algo melhor para o mundo poderá surgir. A Dama na Água exige, mais que qualquer outro filme de Shyamalan, a presença da aceitação, da crença e da fé. E sem precisar se explicitar como no desfecho de Sinais, A Dama na Água consegue ser o filme mais religioso de Shyamalan.

Sim, o indiano exige muito de seu espectador desta vez, e talvez por isso a aceitação à obra tenha sido tão negativa. Não há concessões na proposta, Shy se encontra tão mergulhado na própria ambientação quanto seus personagens na presença de Story. Claro, isso acarreta problemas para um filme que parece não revisado em seu humor, fora de tom em alguns momentos, ou na insistente banalização/ridicularização de um personagem crítico de cinema (Bob Balaban) que, sim, rende alguns dos melhores momentos (“Por quê as pessoas gostam tanto de declarar seu amor na chuva?”), mas mais uma vez, denota um cineasta preocupado em excesso com uma resposta à altura para quem lhe detrata. No fim das contas, A Dama na Água não precisaria disso.

Mas é fascinante a confirmação que o filme nos traz de que, antes de ser um diretor de gênero (o que levou os afobadinhos a definirem o indiano como “o novo Hitchcock” lá com O Sexto Sentido, e desde então esperam pelo mesmo filme a cada lançamento), é um diretor de temáticas: o fantasmagórico em O Sexto Sentido, a humanização dos super-heróis em Corpo Fechado (ouso dizer que, junto com Bryan Singer em X-Men, Shy inaugurou no mesmo ano a onda de realismo nos filmes de herói que nos perseguem até hoje), na ficção científica como estudo da crença em Sinais, e na desmitificação de lendas e mitos em A Vila. Mas em A Dama na Água, o diretor foge dessas transgressões e filma sua fábula pelo que ela é, uma fábula. E daí o estranhamento inicial, pois se a aceitação proposta por Shyamalan desde o início não for comprada pelo espectador, tudo poderá se tornar enfadonho, esquisito, abusivo (a asiática que vai revelando detalhes da história aos poucos) e, no fim das contas, ridículo.

E nisso, as argumentações vão de que A Dama na Água ou depende de percepções ou é apenas mal incompreendido. Talvez por isso, o filme ainda renda tantos debates mesmo após tantos anos (o que já lhe garantiu uma boa leva de defensores desde então), e não é pouca coisa, uma vez que Shyamalan exige mais do que nunca de seu público, não mastiga seu clima para que sua obra seja melhor aceita, e para quem se rende, A Dama na Água entrega uma experiência recompensadora em beleza, significados, personagens fortes e um senso de coragem o qual não há como negar para o indiano. Este é, de fato, um filme de M. Night Shyamalan.

A Dama na Água (Lady in the Water) — EUA, 2006
Direção:
 M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan
Elenco: Paul Giamatti, Bryce Dallas Howard, Jeffrey Wright, Bob Balaban, Sarita Choudhury, Cindy Cheung, M. Night Shyamalan, Freddy Rodríguez
Duração: 110 min.

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