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Crítica | A Foice de Ouro (Asterix)

por Ritter Fan
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A Foice de Ouro, segundo volume de Asterix e originalmente publicado ainda de forma serializada na revista Pilote, tem duas características raras de se ver nos álbuns do pequeno gaulês: o título não tem “Asterix” no nome (e não, não é Asterix e a Foice de Ouro nem em francês, nem em português) e é um dos poucos volumes que, de certa forma, tem continuação no seguinte, ainda que não diretamente, apenas referencial, com Panoramix seguindo para a Conferência Anual dos Druidas Gauleses, na Floresta dos Carnutos, razão para a existência de A Foice de Ouro.

A trama do volume é bem objetiva, mas inteligente, com Asterix e Obelix se voluntariando para viajar até Lutécia (Paris, mais sobre isso em “curiosidades”, logo abaixo) para comprar uma nova foice de ouro para o druida Panoramix, já que apenas na “cidade grande” é que as melhores são feitas pelas mãos de Amerix. A viagem à pé nos faz passear um pouco pelo mapa do que um dia viria a ser a França, com passagem por Suindinum (novamente, vá lá em “curiosidades” para ver o que é isso) e alguns percalços. Mas o grosso mesmo da narrativa se dá na Lutécia, com o desaparecimento de Amerix (que Obelix revela ser um primo distante dele que nunca vira) e o surgimento de um “mercado de negro” de foices de ouro que inferniza a vida de nossos heróis.

René Goscinny aproveita a viagem para Lutécia para comentar sobre o progresso, algo que ele viria a fazer novamente, com muito mais ênfase, em O Domínio dos Deuses. Asterix passa por pontes sendo construídas pelos romanos reclamando que esse tipo de obra “atrapalha a paisagem” e reclama da “poluição” da cidade grande, com direito até a um pescador afirmando que não encontra mais peixes, só ânforas descartadas no Sena. Há boas alfinetadas nos parisienses também, com a pluralidade de povos vivendo na cidade e com um prefeito – Gracchus Asmaticus – preguiço e completamente aborrecido com tudo e com todos, com a cara mais blasé possível.

E as críticas ferinas de Goscinny continuam com o “mercado negro” de foices de ouro sendo usados para trabalhar a lei do mercado, a ineficiência dos órgãos públicos (imagino o que o autor escreveria se morasse aqui no Brasil…) e a impunidade em geral. E isso sem contar com as usuais brincadeiras com o latim, marca registrada da série. Em suma, é um texto agradável, simples, mas marcadamente mais complexo que em Asterix, o Gaulês. E, mesmo que ainda de maneira tímida, ele expande o universo dos personagens para além das fronteiras de sua pequena e invencível aldeia.

Os desenhos de Albert Uderzo amadureceram rapidamente desde o volume anterior. Ainda que pequenas alterações aqui e ali em alguns personagens ainda viessem a acontecer, a forma final de todos eles está presente em A Foice de Ouro, com Obelix mais volumoso (e participando pela primeira vez de uma aventura completa) e um Asterix menos esguio. Há também um trabalho detalhista com a reimaginação de Lutécia e de seus arredores.

A Foice de Ouro é um excelente segundo volume das aventuras de Asterix, que somente ganham corpo a partir de agora, com a dupla de autores sentindo-se mais seguro com o sucesso de seu trabalho e ampliando de verdade as narrativas. Vê-se, já,

Curiosidades:

– Lutécia, ou Lutèce em Francês, é a aldeia que um dia viria a ser Paris. Seu nome, do latim Lutetia, foi dado pelos romanos que, quando lá chegaram em seu movimento de expansão pela Europa, se depararam com uma vila de pescadores que, de tempos em tempos, com a cheia, era inundada pelas águas do rio Sena que deixavam tudo sujo de lama. Lutetia significa “lama” em latim. A primeira referência por escrito à aldeia se deu por Júlio César, em sua obra Comentários Sobre as Guerras Gaulesas. É irônico pensar que a Cidade Luz, na verdade, começou, literalmente, como a Cidade Lama.

– Suindinum, que aparece brevemente na história como cidade sede de um campeonato de corrida de carroças puxadas por bois que dura 24 horas é, claro, o que hoje é Le Mans e sua famosa corrida de automóveis, iniciada em 1923, conhecida por todos como As 24 Horas de Le Mans, objeto também de inesquecível filme com Steve McQueen, além de mais recentemente, o documentário The 24 Hour War e o longa Ford vs Ferrari.

– Gergóvia, citada como destino da fuga de Arverno, o dono de estalagem que se recusa a dizer onde está Amerix, tem, hoje em dia, esse mesmo nome, que é seu nome original – Gergovie. Nessa região, lutou-se a famosa Batalha da Gergóvia no ano 52 a.C. em que os Arvernos (tribo gaulesa da região que hoje é Auvergne, ou Alvérnia, em português), liderados pelo famoso líder Vercingetórix. Do lado romano, o comandante era o próprio Júlio César que sofreu uma de suas mais retumbantes derrotas bem ali (no mesmo ano, porém, ele derrotaria e capturaria o líder gaulês).

– Gracchus Asmaticus, o sempre aborrecido prefeito de Paris, foi desenhado com base no ator britânico Charles Laughton.

País(es): Gália (França), mais precisamente na aldeia de Asterix, entre a aldeia e Lutécia (Paris), com menção explícita ao Bois de Boulogne (hoje em Paris, mas, nessa época, completamente fora da cidade e uma floresta de verdade) e com passagem no Albergue do Bárbaro Arrependido e em Suindinum (Le Mans) e na estrada em direção a Gergóvia.

Personagens principais (além de Asterix e Obelix): Panoramix, Chatotorix, um centurião romano sem nome alocado na Lutécia, Arverno (dono de estalagem), Lentix (atravessador de foices de ouro), Penhorix (dono de bar e contrabandista de foices de ouro), Gracchus Asmasticus (prefeito de Lutécia) e Amerix (fabricante de foices de ouro e primo de Obelix).

  • Crítica originalmente publicada em 05 de novembro de 2014. Revisada e atualizada para republicação hoje, 01/04/2020, como parte da versão definitiva do Especial Asterix do Plano Crítico.

A Foice de Ouro (La Serpe d’Or, França/Bélgica – 1962)
Roteiro: René Goscinny
Arte: Albert Uderzo
Editora original: Pilote (serializada a partir de 11 de agosto de 1960, nos #42 a 74 da revista e lançada em formato encadernado em 1962)
Editoras no Brasil: Record (em formato encadernado)
Páginas: 50

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