Home FilmesCríticas Crítica | A Grande Jogada (2017)

Crítica | A Grande Jogada (2017)

por Gabriel Carvalho
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Inspirando-se no livro auto-biográfico de Molly Bloom, Molly’s Game: From Hollywood’s Elite to Wall Street’s Billionaire Boys Club, My High-Stakes Adventure in the World of Underground Poker, que narra o envolvimento da autora, e antiga esquiadora profissional, em um mundo alternativo de jogos de pôquer, frequentado pelas mais influentes celebridades internacionais, responsável por movimentar bilhões de dólares, Aaron Sorkin definitivamente teve em mãos uma história poderosa a ser adaptada para as telas. A Grande Jogada, aliás, é a estreia do famoso e consagrado roteirista no cargo de direção, uma tentativa ousada de provar-se ao mundo como apto a ter o tato geral por trás de uma obra cinematográfica, e não “apenas” influenciá-la no texto. Deve ser configurado como indubitável o fato da técnica do cineasta, no que se refere ao argumento, já ser muito mais aperfeiçoada que a técnica do mesmo por trás das câmeras, uma novidade em sua carreira que, felizmente, dá a sensação que essa não será a primeira vez que ouviremos falar de Sorkin assinando um filme como diretor. Ademais, o longa é claramente um projeto que sabe pegar o melhor de um profissional e destacá-lo frente a outras características ainda não tão bem requintadas pelo tempo. Ao mover seu filme todo como se fosse uma espécie de confissão da chamada Princesa do Pôquer, interpretada por Jessica Chastain, Sorkin faz com que as palavras se sobressaiam muito mais do que as imagens, sendo isso uma faca de dois gumes, consideravelmente menos afiada para o lado positivo do que para o lado negativo, mas ainda assim, realçante de uma direção mais conformista, imprecisa, do que o que se é salientado pelo roteiro propriamente dito, deveras superior.

Todavia, a atriz Jessica Chastain tem ao seu lado uma narrativa, alongada por mais de duas horas, que pede muito da sua capacidade de contar histórias verbalmente. Assim transmitindo o texto com o toque de superioridade e inocência necessário, o storytelling prossegue de modo muito adequado, conciliando um passado de erros, contado pela voz de Chastain, com o dia-a-dia anterior ao julgamento da mulher – este segundo, movimentado por conversas da ré com o advogado Charlie Jaffey (Idris Elba). Ambos os atores têm diálogos afiados e as chances de explorar suas capacidades interpretativas, individualmente e coletivamente, em determinados momentos cirurgicamente designados – é o caso também de Kevin Costner, intérprete do pai de Molly, que tem um papel inesperadamente mais central e importante na história do que se era esperado de seu personagem. Aaron Sorkin, porém, fica preso a uma estética ora convencional ora equivocada, mesmo que a forma de contar histórias fuja um pouco da convencionalidade. A trilha sonora, portanto, é genérica e o visual dos jogos, invocando um caráter digital a nos fazer tentar compreender mais o que se está acontecendo em cena, acaba sendo muito mais didático do que deveria ser. Sendo assim, a edição do filme, extremamente dinâmica durante tais sequências, é prejudicada por uma montagem tão rápida que torna-se confusa, a beira do ininteligível. Aqueles espectadores familiarizados com o pôquer certamente terão uma experiência mais gratificante e instigante, devido o fato de compreenderem as cartas na mesa, embora, ainda assim, a narração de Chastain, comprometedora do que está por vir, deixa muitas dessas partes caírem na isenção de tensão, algo que deveria ter sido melhor coordenado por Sorkin. É necessário deixar claro que as problemáticas aqui apontadas não afetam tão fortemente o filme quanto aconteceria em outros casos; sobrepondo o roteiro acima de tudo, ele dilui-se com mais facilidade na cabeça do público.

Mas com uma duração além do necessário, fica perceptível uma repetição situacional que pouco nos diz cinematograficamente. O que acontece com Molly, tanto em Nova Iorque quanto em Los Angeles, é proporcionalmente díspar, mas semelhante no intrínseco, causando a sensação de que não sabemos até onde a correnteza vai nos levar dali em diante, mas definitivamente temos ciência de qual será o percurso. O bom do todo, representativo de um filme falho no caminho, o qual abusa de nossa paciência friamente, é que, no final das contas, quando o longa-metragem nos pede para comprar algumas atitudes e certos reencontros, Sorkin entrega ao público produtos envolventes, os quais, substancialmente, pesam muito mais a favor do trabalho geral. O estudo de personagem, construído excepcionalmente bem pelo cineasta, traduz para as telas uma mulher muito forte que, se não venceu na vida como acontece na maior parte das histórias edificantes e empoderadoras, certamente moveu seu destino, até no questionável, com uma moralidade, garra e determinação estranhas em cenários casuais, mas compreensíveis nesse contexto; características estas oriundas de um background complexo até para si mesma. Bloom, assim como o Jogador X (Michael Cera em um casting operante devido a própria natureza surreal de se ver o ator em um papel do tipo), teve dezenas de homens aos seus pés, meros apostadores e viciados, que se renderam àquela que foi, mesmo sem jogar uma única carta, a maior jogadora em cena, coordenadora de centenas de eventos que se provaram como parte de um caminho perigoso até para os mais impetuosos dos envolvidos. Mesmo indo de fracasso em fracasso, Molly Bloom nunca esteve perto de ser uma fracassada.

A Grande Jogada (Molly’s Game) – EUA, 2017
Direção: Aaron Sorkin
Roteiro: Aaron Sorkin
Elenco: Jessica Chastain, Idris Elba, Kevin Costner, Michael Cera, Brian d’Arcy James, Chris O’Dowd, J. C. MacKenzie, Bill Camp, Graham Greene, Jeremy Strong, Matthew D. Matteo, Joe Keery, Natalie Krill, Claire Rankin, Madison McKinley, Angela Gots, Khalid Klein, Victor Serfaty, Jon Bass
Duração: 140 min.

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