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Crítica | A Hora da Zona Morta

por Ritter Fan
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estrelas 3,5

O ano de 1983 foi particularmente prolífico em termos de adaptações cinematográficas de obras de Stephen King, com três longas, dois deles dirigidos por queridos diretores, que, ao longo dos anos, ganharam sobrevida e tornaram-se pequenos clássicos: Cujo, A Hora da Zona Morta e Christine, o Carro Assassino. E, ainda mais curioso, os dois primeiros – produzidos por estúdios diferentes – foram baseados em romances que têm ligação, inclusive o compartilhamento de um personagem, o xerife Bannerman, vivido, em Cujo, por Sandy Ward e, em A Hora da Zona Morta, por Tom Skerritt.

Segundo filme de David Cronenberg naquele ano, o primeiro tendo sido o bizarro Videodrome: A Síndrome do Vídeo, A Hora da Zona Morta, lançado por aqui bem depois de sua estreia nos EUA e pegando a moda oitentista imbecil de se batizar filmes de terror com “A Hora” na frente, conta a história de Johnny Smith (Christopher Walken), um professor de literatura que, depois de um acidente que lhe deixa em coma por cinco anos, desenvolve poderes psíquicos. Esses poderes que, na verdade, são de difícil definição, pois ele vê tanto o passado, quanto o presente e o futuro ao tocar em uma pessoa, parecem ser conectados de alguma forma com a “morte” (e não necessariamente de quem ele toca) e, com isso, ele passa a vê-los como uma maldição, especialmente porque vieram a reboque da destruição de sua vida como antes ele a conhecia, notadamente o casamento de sua então namorada, Sarah (Brooke Adams), com outro homem.

Fazendo uso de ótimas e discretas elipses que mostram a paulatina recuperação de Johnny graças aos esforços do Doutor Sam Weizak (Herbert Lom), Cronenberg tenta humanizar seu protagonista, focando menos em suas visões e mais em sua tentativa de reconstruir o que perdeu ou, pelo menos, voltar a ter um semblante de vida normal. Nesse aspecto, a atuação de Walken impressiona, pois, se o vemos melhorar fisicamente com sequências que paulatinamente o fazem novamente locomover-se sem a ajuda de aparelhos ortopédicos, sua deterioração psicológica é ainda mais palpável. O vazio e a tristeza no olhar do ator, que Cronenberg faz questão de capturar com uma lente inclementemente próxima de seu rosto, transparecem com facilidade para o espectador, efetivamente transformando aquilo que primeiro vemos como uma dádiva, em uma efetiva maldição como o personagem muito claramente afirma que é.

A equipe que trabalhou diretamente com Walken, aplicando maquiagem (Shonagh Jabour) e alterando seu cabelo (Jenny Arbour) para refletir a passagem de tempo, mas, especialmente, o preço que Johnny paga pelas visões, merece especial destaque. Há um cuidado muito grande em mexer bem levemente nas feições do ator, milimetricamente esvaindo a vivacidade de seus traços e cores, algo que é acompanhado por um trabalho corporal dele que discretamente reflete esse peso, mesmo que ele oscile entre bons e maus momentos. A cada elipse, vemos um homem que parece caminhar apressadamente para seu fim, hesitantemente usando seu poder para salvar vidas no processo.

Essa hesitação, aliás, cria uma inquietante indefinição de gênero. Por vezes, parece que estamos assistindo a um suspense, mas, por outras, resvalamos em um thriller e, no final das contas, talvez cheguemos a um drama sobrenatural, possivelmente a forma mais correta de se enquadrar a obra, mesmo considerando que isso não seja lá muito importante. Considerando que é Stephen King o autor do romance que deu base ao filme, esperamos aquela pegada de horror que, verdade seja dita, jamais chega, ainda que a trilha sonora de Michael Kamen e o mistério criado por Cronenberg sugiram essa veia, mesmo que de leve.

O roteiro, escrito por Jeffrey Boam, em seu segundo trabalho para o cinema e que viria a escrever Viagem Insólita e e Garotos Perdidos, dentre outros, sofre em razão dessa indecisão ou talvez seja a causa dela. A estrutura narrativa é episódica, lidando primeiro com o acidente e a recuperação de Johnny e, depois, com a solução de casos desconexos e culminando com uma decisão radical da parte do protagonista ao entender exatamente o potencial de seus poderes. Essa natureza episódica cria um não muito saudável grau de estranhamento e afastamento do espectador da trama, que recomeça a cada novo grande “capítulo”, impedindo o investimento necessário em determinada linha narrativa que acaba abruptamente, sem que haja uma organicidade e uma fluidez.

A montagem de Ronald Sanders, parceiro de Cronenberg desde Escuderia do Poder, de 1975, apesar de lidar magnificamente bem com as elipses dentro de cada “episódio”, acaba pecando ao quebrar o filme em grandes pedaços razoavelmente desconexos. No entanto, é difícil culpá-lo por esse resultado, já que é o roteiro – e possivelmente o material fonte de King – que trafega de maneira debilitada ao longo de pinceladas gerais sobre um homem tentando adaptar-se à sua nova condição.

A Hora da Zona Morta, no final de sua projeção, acaba contando várias histórias, a última delas – com participação de Martin Sheen – de longe a mais interessante, mas, curiosamente, uma que ganha pouco tempo de desenvolvimento, o que acaba acelerando e atropelando excessivamente o passo narrativo e tirando um pouco o brilho do que ela poderia ter sido se fosse introduzida antes na fita. Mesmo assim, Cronenberg, muito graças ao trabalho de Walken, entrega um filme que deixa entrever seu grande potencial, sem nunca efetivamente realizá-lo em sua plenitude.

A Hora da Zona Morta (The Dead Zone, EUA – 1983)
Direção: David Cronenberg
Roteiro: Jeffrey Boam (baseado no romance A Zona Morta, de Stephen King)
Elenco: Christopher Walken, Brooke Adams, Tom Skerritt, Herbert Lom, Anthony Zerbe, Colleen Dewhurst, Martin Sheen, Nicholas Campbell, Sean Sullivan, Jackie Burroughs, Géza Kovács, Roberta Weiss
Duração: 103 min.

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