Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | A Idade do Ouro

Crítica | A Idade do Ouro

por Ritter Fan
2,3K views

Com Um Cão Andaluz, Luis Buñuel e Salvador Dalí foram recebidos de braços abertos no mundo muito particular dos surrealistas. Capturando a atenção do investidor e entusiasta do movimento Visconde de Noailles, que tinha como hábito presentear a esposa com um filme por ano (fantástico, não?), a dupla conseguiu dinheiro para sua próxima empreitada: A Idade do Ouro (1930).

No entanto, os então amigos começaram a se desentender com o roteiro. As sequências que surgiram de um acordo entre eles, trancados em um quarto para escolher tudo aquilo que não poderia ser explicado para formar Um Cão Andaluz, não fluíram sem rusgas na segunda vez. E, para piorar, Dalí apaixonou-se por Gala Éluard, mulher que Buñuel detestava, o que os levou à separação final, que nunca mais seria remendada. Apesar de tudo, o nome de Dalí continuou nos créditos da versão final do filme.

A Idade do Ouro é a continuação espiritual de Um Cão Andaluz. A mesma estrutura de sequências aparentemente sem explicações é vista na tela, começando com trechos de um filme tipo National Geographic sobre os hábitos dos escorpiões. Dentre os vários hábitos curiosos que descobrimos, aprendemos que a cauda dos bichos é dividida em cinco segmentos e o que se segue nos próximos 60 minutos são cinco segmentos dessa “cauda” unidos tematicamente por críticas à religião e à burguesia.

E vocês repararão que usei a expressão “tematicamente”, pois, com 60 minutos de duração, seria próximo do impossível ou enfadonho demais reunir imagens inexplicáveis uma atrás da outra. A coesão mínima de uma narrativa foi meio que forçada pela duração. Afinal de contas, mesmo Um Cão Andaluz, com apenas 16 minutos, já nos permite divagar sobre o significado do que está na tela, mesmo que o objetivo dos roteiristas tenha sido outro.

Assim, vemos bispos pendurados em um desfiladeiro na praia transformando-se em esqueletos, campesinos aleijados usando armas como muletas e uma longa sequência de uma festa burguesa em que vemos um casal tentando consumar seu amor, mas sendo constantemente interrompido por diversas distrações, durante as quais acabamos aprendendo muito sobre eles e o que vemos não é agradável e sim extremamente crítico.

Tudo converge para a já icônica cena em que a mulher, lânguida de desejo, literalmente faz sexo oral com o dedão de uma estátua de mármore e com o último segmento, inspirado na obra 120 Dias de Sodoma, do Marquês de Sade. Antecedendo esse segmento, vemos intertítulos explicando que, em um remoto castelo, homens e mulheres participam de uma orgia depravada por 120 dias. E então, emergindo da porta do castelo vemos o Duque de Blangis e, surpresa surpresa, ele é a cara de Jesus Cristo!

Não é de se espantar que a reação ao filme não tenha sido das melhores fora do círculo dos surrealistas. Tamanha foi a indignação dos extremistas que cinemas foram sabotados e o filme foi levado de volta para análise dos órgãos de censura na França e ele foi banido. O próprio Visconde de Noailles recolheu as cópias e as manteve sob seu poder, sem distribuí-las por 40 anos.

Mas A Idade do Ouro sobreviveu em circuitos limitados a museus como o Museu de Arte Moderna em Nova Iorque e em exibições privadas aqui e ali, até que, na década de 70, alcançou novamente e para sempre o circuito comercial — e nós, agora, podemos nos deliciar com as bizarrices de um dos maiores diretores que já viveu.

  • Crítica originalmente publicada em 13 de janeiro de 2013. Revisada para republicação em 29/02/2020, em comemoração aos 120 anos de nascimento do diretor e da elaboração da versão definitiva de seu Especial aqui no Plano Crítico.

A Idade do Ouro (L’âge d’or) — França, 1930
Direção: Luis Buñuel
Roteiro: Luis Buñuel, Salvador Dalí
Elenco: Gaston Modot, Lya Lys, Caridad de Laberdesque, Max Ernst, Artigas, Lionel Salem, Germaine Noizet, Duchange, Bonaventura Ibáñez
Duração: 60 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais