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Crítica | A Lenda da Mulher-Maravilha: Capítulos 1 a 9

por Luiz Santiago
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Embora a capa da primeira edição desta minissérie seja de março de 2016, sua publicação digital começou no mês de janeiro, estabelecendo, então, o seguinte padrão: cada lançamento das edições digitais contariam com três capítulos de 25 páginas, com histórias em formato que privilegiariam a leitura em e-readers, algo bem parecido com o projeto Infinite Comics da Marvel. Ao todo, a minissérie contou com 9 edições, todas compostas por três capítulos. A presente crítica aborda as revistas #1 a 3, portanto, o nove capítulos iniciais da saga.

Esta versão da Lenda da Mulher-Maravilha recebe a tag de Volume 2, pois segue uma já realizada publicação com o mesmo título, na DC Comics, lançada entre maio e setembro de 1986, com roteiro de Kurt Busiek e arte de Trina Robbins. Assim como esta versão, a saga oitentista se passava em um Universo paralelo, na Terra-2, mais especificamente. No presente caso, a localização é mais aberta, a história está oficialmente classificada como um “Elseworld“, ou seja, fora da continuidade da DC, em algum lugar do Multiverso ou mesmo na nossa Terra, em outra ocasião hipotética/possível. Já os pontos de referência tomados da mitologia da personagem em A Origem da Mulher-Maravilha ou na recontagem de Deuses e Mortais e Sangue, são apenas o princípio narrativo para identificação do leitor, junto com o estabelecimento da protagonista neste Universo, mas autora faz questão de seguir caminhos bastante diferentes ao narrar os primeiros anos de Diana na Ilha Paraíso.

diana e hipolita plano critico

Hipólita e Diana: um relacionamento delicado.

Para quem já leu A Verdadeira Amazona, lançada no mesmo ano que esta minissérie, certamente haverá a sensação de voltar ao Universo da infância de Diana com modificações muito fortes, capazes de nos fazer rever a personagem em diversos aspectos. Todavia, diferente do trabalho de Jill Thompson, Liz não estende seu roteiro para recriar todo o período de crescimento da princesa, colocando o lado de “criança rebelde e mal-educada” em evidência. O conflito aqui é de outra ordem. Diana é uma garota obediente, devotada aos deuses e à mãe. Mas existem coisas que a empurram para um caminho heroico, fora da Ilha, como uma força do destino. Ao passo que a vemos estudar coisas típicas de uma princesa Amazona, notamos que ela também sente a necessidade de aprender inglês e mandarim; que ela tem interesse pelo “mundo do patriarcado” — diferente da maioria das habitantes de Themyscira, que demonstram um comportamento misândrico; e que ela resolve aprender a lutar, contra a vontade da mãe, porque sente que “a Ilha está doente” e que algo muito ruim está crescendo, consumindo o lugar, e que o Paraíso precisará alguém para defendê-lo.

Cheia de nuances, a minissérie cresce. Renae De Liz não deixa de adicionar coisas novas e de maneira bem rápida para o leitor, estipulando a interferência dos deuses como parte bem menor na vida das Amazonas do que aquela que vemos nos Vol.1, Vol.2, Vol.3, Vol.4 e Vol.5 das publicações solo e principais da Mulher-Maravilha. A imortalidade é um dom cedido pelos deuses apenas a algumas habitantes do Paraíso e a forma de “reposição populacional” é pensada de maneira muito criativa pela autora, tendo nessa escolha um conflito ético imediato ao fazer com que Diana seja uma garota mortal e sem poderes, pelo menos até este momento da saga. Há indicações claras de que ela é escolhida pelos deuses ou manifesta uma força muito especial, mas ainda nada divino veio à tona para a personagem, o que nos faz olhar para a jovem — durante esses capítulos, entre a infância e a juventude — como alguém vulnerável, bem mais próximo de nós, lembrando-nos desta mesma ausência de poderes nos arcos A Nova Mulher-Maravilha e brevemente em Quem é a Mulher-Maravilha?.

steve trevor e diana plano critico

Um Steve Trevor à la Robinson Crusoé, cômico e extremamente cativante.

A passagem do tempo nesta minissérie ganha pontos não só pela cadência bem pensada do roteiro — os diálogos até podem ser dispensáveis ou carregados demais um momento ou outro, porém, nada grave –, mas também pelas excelentes escolhas artísticas de Liz e Ray Dillon. Como eu disse no início, a arte aqui tem como princípio a leitura em e-readers, então podem ser vistas tanto em páginas inteiras com divisão básica de dois painéis; ou em painéis separados e grandiosos, exemplos que vocês podem comprovar nas escolhas das imagens acima e abaixo deste parágrafo. A diagramação das páginas é igualmente bem estruturada, não havendo desperdício de moldes, como as margens, que só aparecem “cortadas” quando há a necessidade de destacar personagens ou o cenários, normalmente dando a sensação de grandeza ou pequenez dos envolvidos, dependendo do contexto. Alguns leitores podem reclamar das feições dos personagens, que pendem para o cartoon fofo, o que até pode ser verdade, mas não é algo com impacto negativo na história, pois não deixamos de ver ameaças ou seriedade no que é exposto no texto só porque os traços de tamanho médio e a finalização digital se juntam a um filtro e saturação de cores claramente irreais. A intenção aqui não é exatamente ser realista. É uma lenda. Com deuses e criaturas mágicas. Este tipo de arte quase “infantil”, portanto, faz todo sentido.

Pela forma de apresentação dos personagens, torcemos para que alguns pontos canônicos das histórias da Mulher-Maravilha apareçam, já que a passagem entre os capítulos obedece um cliffhanger que, de alguma forma, toma o cânone (ou uma versão dele) como mola para a edição seguinte. Claro, que não estamos falando de algo como a série O Que Aconteceria Se…, por exemplo, mas de timing de acontecimentos entre dois Universos, para as mesmas personagens, só que com alterações muito consideráveis, sem obedecer a deixas de continuidade. Neste caso, elas vão desde o estabelecimento das Amazonas na Ilha Paraíso (Hércules e Teseu são citados, mas não tomam espaço do texto) até o torneio que fará Diana a campeã das Amazonas — em meio a um delicado cenário político, com as irmãs-Sacerdotisas de Hipólita tentando dar um golpe de Estado — e autorizada a decidir o destino de Steve, bem como levá-lo de volta para o mundo dos homens. Toda a preparação de Diana para uma tragédia anunciada que acompanhamos nos Capítulos 1 a 6, começa a se fazer necessária a partir dos Capítulos 7 a 9. Ou pelos menos uma parte dessa tragédia, que é a deixa para a fase seguinte da jovem, após o “acidente” no mar e a salvação pela mão de Poseidon.

laço da verdade diana hipolitca plano critico

Hipólita: a rainha-guerreira com seus “troféus mágicos” de batalhas e buscas pelo mundo. Um presente dado à filha mortal e sem poderes.

Fazer a revisão de uma história de origem é complicado, principalmente para grande heróis e heroínas dos quadrinhos, mas o resultado é tremendamente exitante se feito obedecendo a essência do original e ousando nas mudanças. Uma coisa que tem se tornado cada vez mais frequente — não só nas revisões, vale ressaltar — é a exploração do lado mais humano, frágil, impulsivo e às vezes mal desses heróis, coisas que vemos em parte nos nove capítulos desta lenda. Da chegada das mulheres a Themyscira até a chegada de Diana aos Estados Unidos (notem o ideal de ciclo e jornada do herói), temos a narrativa de uma garota que cresce entre parentes imortais, luxo, ação de criaturas mágicas sobre sua vida e um senso de dever e vontade de ser forte e defender sua nação que a faz merecedora de qualquer cosia do deuses, pelo menos aos nossos olhos.

Esta “primeira fase” d’A Lenda da Mulher-Maravilha é um primor. Uma história que muda o que conhecemos sobre a maior e uma das melhores heroínas dos quadrinhos e que, mesmo assim, consegue ser relevante e ainda convidar à reflexão do leitor sobre paixões, preconceitos e lealdade. Coisas que sabemos ser parte do mundo da Mulher-Maravilha e do nosso, seja em uma versão lendária, seja no dia a dia de deuses, semi-deuses e mortais.

A Lenda da Mulher-Maravilha Vol.2: Capítulos 1 a 9 (The Legend of Wonder Woman Vol.2 — #1 – 3) — EUA, março a maio de 2016
Roteiro: Renae De Liz
Arte: Renae De Liz
Arte-final: Ray Dillon
Cores: Ray Dillon
Letras: Ray Dillon
Capas: Renae De Liz, Ray Dillon
Editoria: Kristy Quinn

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