Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | A Liga Extraordinária – Século: 1969 (Vol. 3 – Parte Dois)

Crítica | A Liga Extraordinária – Século: 1969 (Vol. 3 – Parte Dois)

por Ritter Fan
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Não se pode dizer que Alan Moore não tenta coisas novas, mesmo dentro de uma fórmula que ele mesmo criou e repetiu algumas vezes. A Liga Extraordinária, uma de suas mais sensacionais criações, lutou contra Moriarty e contra uma invasão marciana e, os sobreviventes, mais especificamente Mina Murray e Allan Quatermain, tiveram diversas aventuras posteriores, mas todas em prosa, não em quadrinhos, com um pequeno “desvio” em Black Dossier, uma genial obra que desafia definições. No efetivo terceiro volume da série, Moore partiu para redefinir o conceito do grupo, em uma história que, como o nome muito claramente indica, se passa ao longo de um século.

Mas Moore não faz o óbvio. Ao contrário, ele faz, talvez, o que é mais difícil, pois ele separou a narrativa em três capítulos de pouco menos de 100 páginas, com cada capítulo passado em um ano específico, o primeiro deles sendo 1910, quando ele aproveita para nos apresentar a Janni Dakkar, a filha do Capitão Nemo em meio à caçada de Murray e Quatermain (além de novos membros da Liga) e a Oliver Haddo, um mago que deseja trazer o Anticristo para a Terra. Mesmo a parte um de Século não estando no mesmo patamar das obras anteriores, trata-se de um conceito interessante. E a coisa fica ainda mais intrigante quando lemos a parte dois, 1969, que, claro, dá um salto temporal de 59 anos desde o final da Parte Um.

Como sustentar uma história assim? Bem, para começar, Alan Moore não escreve para iniciantes em quadrinhos. Há que se ter paciência e um certo grau de erudição ou vontade de pesquisar as dezenas de referências que ele bombardeia em diálogos para lá de complicados. Com isso, assim, não esperem uma fluidez entre as Partes Um e Dois. Décadas se passaram e Murray e Quatermain, além de Orlando (todos imortais), voltam para Londres depois de longa ausência na ilha de Janni, agora uma senhora com filha e neto. O que aconteceu entre uma aventura e outra? Moore não explica. Seus personagens fazem referência a acontecimentos aqui e ali, mas como parte de conversas normais, nada expositivas, como se nós, leitores, fôssemos, apenas, observadores que caem de para-quedas no meio de uma aventura. Pode parecer estranho, mas funciona. Moore consegue aguçar a curiosidade do leitor com uma linguagem críptica, mas acessível que nos faz mergulhar nos acontecimentos e procurar material de leitura nos textos em prosa que Moore nos oferece em Black Dossier, em 1910 e, agora, em 1969 (cuja leitura é essencial, vale lembrar, portanto, nada de preguiça!).

Além disso, apesar da Londres de seu universo ser diferente da Londres que conhecemos (houve invasão marciana, controle do Big Brother e diversos outros eventos referenciados ao longo da série), todas as características dos anos 60 que aprendemos a esperar estão lá, até como reforço do clichê. Há muito sexo, muitas drogas e muito rock ‘n roll, mas sempre organicamente inseridos, sem que os eventos pareçam forçados.

E, diferentemente de 1910, onde a ação é esparsa, quase inexistente e o foco se perde nos novos personagens, em 1969 a investigação de Murray, Quatermain e Orlando é bem feita e há  suficiente ação que nos leva a um clímax próprio, muito bem bolado em um concerto de rock no Hyde Park (cujo nome, claro, veio de Mr. Hyde, companheiro original de Mina e Allan em A Liga Extraordinária vols. 1 e 2) que envolve projeções astrais de Murray e de Haddo em um combante lisérgico perfeitamente encaixado na estrutura da narrativa. Além disso, é interessante ver a forma como Mina – agora com mais ou menos 90 anos – lida com a imortalidade, tentando sempre parecer jovem, com o uso de roupas provocantes e vocabulários moderno, para o horror de Orlando e de Quatermain, que são mais tradicionais (se é se pode chamar os dois disso).

E o melhor é que foco permanece o tempo todo na trinca, especialmente em Mina, apesar das aparições sensacionais do gângster Vince Dakin (do filme O Vilão, em que o personagem é vivido por Richard Burton), do assassino Jack Carter  (do filme Carter –  O Vingador, em que o personagem é vivido por Michael Caine) e do agente secreto Jerry Cornelius, de uma série de romances detetivescos escrita por Michael Moorcock. Ah, e como poderia esquecer? Um certo “você sabe quem” também dá as caras, com grande destaque, e nós finalmente aprendemos a origem “verdadeira” de sua vilania! Vale especial nota, também, o desenho de Kevin O’Neill trazendo Jack Carter à vida exatamente igual a Michael Caine, além dos demais carregarem semelhanças interessantes com os originais literários e cinematográficos.

Aliás, falando na arte, O’Neill continua seu ótimo trabalho de inserir, visualmente, as pistas históricas que nos acostumamos a esperar na série de Moore. Há desde menções explícitas aos volumes anteriores, até easter eggs espalhados a cada página, um deles – repetido várias vezes – envolvendo um grupo de super-heróis que Mina tentara reunir em 1964 e que se parece não sem querer com Watchmen. Mas o artista tem menos espaço para ousar em 1969. O texto de Moore não permite isso, pois é carregado e sem grandes arroubos de ação, o que acaba restringindo O’Neill a splash pages ou algum trabalho diferente com seus quadros apenas nos momentos lisérgicos de Mina. Nada que atrapalhe o resultado final, mas senti falta de algo diferente, inesperado.

Século: 1969 é uma segunda parte que funciona muito bem, ultrapassando a primeira em muito. Moore parece ter achado o foco de seu ambicioso projeto e nos deixa curiosos para o desfecho.

A Liga Extraordinária – Século: 1969 (The League of Extraordinary Gentlemen – Century: 1969)
Roteiro: Alan Moore
Arte: Kevin O’Neill
Cores: Benedict Dimagmaliw
Letras: Bill Oakley
Publicação original: Top Shelf Productions (EUA) e Knockabout Comics (Reino Unido), em junho de 2011 (uma edição)
Publicação no Brasil: Devir, 2011
Páginas: 96 (edição brasileira)

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