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Crítica | A Lista de Schindler

por Fernando Campos
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SPOILERS!

É surpreendente que um dos filmes mais melancólicos sobre a 2ª Guerra Mundial tenha vindo de Steven Spielberg. Conhecido por seu otimismo e gosto por momentos catárticos, Spielberg também proporciona cenas de chorar em A Lista de Schindler, mas, dessa vez, de tristeza. O filme representa o amadurecimento do realizador, que chega ao seu auge aqui. Se Spielberg errou ao adotar uma linguagem romântica para a história dramática de A Cor Púrpura, o diretor não nos poupa de nada em A Lista de Schindler, apresentando uma obra melancólica, dura e triste.

O longa apresenta Oskar Schindler (Liam Neeson), um sujeito oportunista, sedutor e comerciante no mercado negro que se relacionava muito bem com o regime nazista. Ele viu na mão de obra judia uma solução barata para lucrar com negócios durante a guerra e conseguiu ajuda do Partido Nazista para isso. Contudo, o que poderia parecer uma atitude de um homem vil, transformou-se em um dos maiores casos de amor à vida, uma vez que o alemão abdicou de toda sua fortuna para salvar a vida de mais de mil judeus com a ajuda do judeu Itzhak Stern (Ben Kingsley).

Quem conhece o básico de história sabe que os nazistas foram derrotados na 2ª Guerra Mundial e, como a própria sinopse evidencia, perceberá que Oskar Schindler salvou vários judeus do holocausto. Portanto, diante do sucesso do protagonista e da derrota alemã na guerra, por que A Lista de Schindler torna-se melancólico? A resposta é: Spielberg transforma sua história em uma representação de todo o sofrimento que os judeus tiveram naquele período. Não à toa, a primeira cena do longa, ainda colorida, traz um pequeno grupo de judeus, que não fazem parte da trama, orando. Ali, o diretor deixa claro como não pretende apenas abordar arcos de personagens, mas de todo um povo.

Portanto, é necessário destacar o excelente roteiro escrito por Steven Zaillian, pontuando com precisão todas as fases passadas por judeus na guerra. No início, o grupo sofre apenas com as humilhações e obrigatoriedade de identificação; depois, são saqueados e expulsos de seus lares; no fim, agonizam com o trabalho escravo e holocausto. Tudo isso é apresentado com detalhes pelo roteiro, com direito a longas sequências, como a dos soldados da SS invadindo o gueto judeu, fazendo-nos presenciar as calamidades ocorridas com aquelas pessoas.

Aliás, é admirável a coragem de Spielberg em jogar o público naquele contexto, adotando a câmera na mão em alguns momentos e uma linguagem levemente documental. Ao colocar o espectador no papel de prisioneiros dos nazistas, o diretor nos faz sentir toda a dor daqueles personagens. Inclusive, aqui, Spielberg mostra porque foi chamado de mestre do suspense em Tubarão, construindo cenas simplesmente agonizantes, como a que  traz Göth falhando ao atirar em um idoso, com destaque para o excelente design de som que aumenta o ruído da arma para potencializar a tensão da cena.

Falando na parte técnica, Spielberg teve uma escolha genial ao adotar o preto e branco em sua película, mostrando como não há cor alguma em uma período extremamente cruel, criando uma atmosfera melancólica e pesada. Apesar disso, a fotografia não se limita pela ausência de cores, pelo contrário, o trabalho de iluminação é impecável ao mostrar a essência de cada personagem, como, por exemplo, manter os olhos de Schindler frequentemente iluminados ou cobrir os rostos dos nazistas com sombras. Já os enquadramentos permanecem abertos nos campos de concentração para destacar a escala de judeus presos, enquanto os close-ups são guardados para partes mais dramáticas, convidando-nos a mergulhar nos personagens em seus momentos de maior vulnerabilidade. Ademais, o diretor é perfeito ao intercalar escuridão, como a chegada do trem de prisioneiros em Auschwitz, com partes mais claras, como a fachada da fábrica de Oskar, deixando evidente o tom de cada local.

Entretanto, se sentimos na pele o terror vivido pelos judeus na guerra, é também porque Spielberg não hesita em representar a violência dos campos de concentração e o sadismo dos soldados alemães. Pela primeira vez em sua carreira, o diretor deixou de lado a visão romântica para adotar o realismo, por isso, nos deparamos com assassinatos de crianças, homicídios por puro prazer e até queima de corpos, evidenciando o horror nazista. Inclusive, quando o realizador não adota a violência, ele impressiona pela criação de sequências psicologicamente perturbadoras, como, por exemplo, o assédio de Göth a sua empregada ou o banho das mulheres em Auschwitz (este, o momento mais inspirado da carreira de Spielberg). Além disso, graças à impressionante direção de arte, maquiagem e figurinos, tudo o que é visto ali convence e transmite realismo, criando no público um impacto real.

Voltando a elogiar o roteiro, o texto de Zaillian contribui na imersão do público ao apresentar pequenos blocos entre os prisioneiros, sejam homens ou mulheres. Ou seja, além de nos interessarmos pelos protagonistas, o filme ainda destaca o drama dos impotentes na trama, potencializando ainda mais o drama. Aliás, o roteirista opta pela estratégia de colocar pistas e recompensas, apresentando informações para resgatá-las futuramente, como o momento que uma judia conta para suas colegas como funciona uma câmara de gás e, no terceiro ato, todas elas quase passarem por isso em Auschwitz, resultando em um roteiro extremamente bem amarrado. Porém, A Lista de Schindler não é a obra-prima de Steven Spielberg apenas por representar os horrores da guerra, o filme possui arcos extremamente bem construídos.

No início, Oskar Schindler é apresentado como um homem elegante e simpático, mas ganancioso. Suas motivações iniciais são puramente financeiras, ou seja, como qualquer outro aspirante a grande empresário, o personagem busca explorar mão de obra barata para gerar riqueza. Inclusive, é admirável que o roteiro não coloque Oskar em um posto messiânico, apresentando seu lado mulherengo e objetivos individualistas para, apenas depois, destacar sua transformação iniciada com as atrocidades que vê. Aliás, se há um guia ético do longa, esse alguém é Stern, passando de um homem tímido para um sujeito que se arrisca por outros. Já Göth não só representa a maldade dos nazistas, como também é um personagem claramente perturbado psicologicamente, que parece não conseguir se livrar do próprio sadismo, destacando o tipo de gente que comandava um regime tão cruel.

Esses arcos dos personagens convencem não apenas pelo excelente texto, mas também porque o elenco está inspirado. Liam Neeson destaca a mudança de Schindler de maneira convincente, construindo um protagonista malandro e atraente desde o início, mas mudando o uso dessa habilidade com o tempo, indo do individualismo ao altruísmo, mudanças de sentimentos perfeitamente representadas. Já Ben Kingsley traz uma interpretação intimista, compondo Stern como um homem que guarda muito mais do que externaliza. Por fim, Ralph Fiennes, ainda no início de sua carreira, mostra seu dom para interpretar vilões, transformando Amon Göth em um ser repugnante, de postura estranha e assustadoramente cruel.

Spielberg, evidentemente, dirigiu bem seu elenco, mas, mais admirável que isso, é ver o diretor se reinventado. Consciente de que o público espera do diretor momentos leves, Spielberg até apresenta cenas romantizadas, como o momento que um senhor deficiente agradece Schindler pelo emprego, mas, logo após, subverte nossas expectativas, mostrando o assassinato do idoso. Com isso, o diretor deixa claro que aquele filme não é o que esperávamos e que qualquer sinal de sentimento presente ali pode ser eliminada com a opressão nazista. Outro momento marcante de subversão de expectativas é quando Oskar conversa com Göth para que este não seja um carrasco e ,quando parece que o nazista perdoará a todos, ele desiste da ideia e assassina um adolescente pelas costas, chocando por sua total falta de empatia. Aliás, até mesmo John Williams se reinventa aqui. O compositor ainda traz seus adorados instrumentos de sopro, como uma flauta, no entanto, Williams recorre mais ao piano e violino, casando com o tom melancólico da obra.

Para um filme tão triste, pode parecer que o terceiro ato é o respiro sentimental de Spielberg, exagerando em momentos catárticos. Porém, o desfecho casa perfeitamente com o restante. O fato de Schindler admitir que não é o herói vai de encontro com o objetivo do diretor de destacar a resistência dos judeus. Já o desespero do protagonista por não ter salvado mais uma vida evidencia o arrependimento pela vida fútil que levava, fechando seu arco com precisão. Por fim, a escolha por mostrar as gerações de judeus que vivem graças a Schindler combina com o tom documental do longa, fazendo-nos lembrar que aquela história é muito mais que uma obra de ficção, é extremamente real.

Certamente, a cena mais emblemática de A Lista de Schindler é a que apresenta uma garotinha de vermelho em meio ao preto e branco até que ela se esconde em um refúgio diante dos olhos assustados de Schindler. Além do momento servir como um gatilho para o protagonista, Spielberg destaca que o sentimento, doçura e amor do mundo precisou esconder-se diante de uma das maiores atrocidades cometidas na história da civilização humana. Não foi o diretor que tirou as cores do ocorrido, mas sim os autores da guerra, pintando nossa biografia com pesados tons escuros. Até mesmo o diretor mais otimista de todos os tempos desistiu do colorido diante de tal história.

A Lista de Schindler (Schindler’s List) – EUA, 1993
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Steven Zaillian
Elenco: Liam Neeson, Ben Kingsley, Ralph Fiennes, Caroline Goodall, Jonathan Sagall, Embeth Davidtz, Ezra Dagan, Malgoscha Gebel, Shmuel Levy, Mark Ivanir, Béatrice Macola, Andrzej Seweryn, Friedrich von Thum, Krzysztof Luft, Harry Nehring, Norbert Weisser, Adi Nitzan, Michael Schneider, Miri Fabian, Anna Mucha, Hans-Michael Rehberg
Duração: 195 min

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