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Crítica | A Mais Bela

por Luiz Santiago
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Talvez se eu tivesse visto A Mais Bela (1944) na ordem cronológica dos filmes de Akira Kurosawa, a impressão negativa que tive do filme não teria sido tão forte. O problema aqui está em toda uma filmografia já visitada, uma filmografia pontuada de obras no mínimo boas, o que estampa ainda mais o contraste de qualidade entre este segundo filme do Mestre japonês e todos os outros que ele ainda iria dirigir.

A história é bastante simples e foi escrita sob encomenda para servir de propaganda de guerra. Estando o Japão sob severo ataque dos Estados Unidos e do Reino Unido, ficava evidente o futuro trágico do Exército nipônico, porque a Segunda Guerra já tomava um outro rumo em idos de 1944. Com esse plano de fundo, não é de se espantar que um filme de propaganda deixasse clara a necessidade de destruição do inimigo. O roteiro, evidentemente, deveria dar suporte a esse discurso, mesmo que a história não fosse necessariamente um drama político de guerra.

Em A Mais Bela, Kurosawa escreveu uma história de luta de bastidores e teve como foco a importância do operariado feminino. O drama acontece em uma fábrica de lentes para equipamentos militares e, já no início, percebemos que o longa irá acompanhar a “ordem de produção extraordinária”, um pedido de aumento notável (100% para os homens e 50% para as mulheres) na fabricação de lentes. Tudo isso em um período de quatro meses. Após o protesto das garotas da fábrica, os chefes de seção aumentam a produção feminina para 70%, e já nesse discurso percebemos as entrelinhas da luta nos bastidores e do sacrifício civil para melhor servir aos militares que estavam no front.

As filmagens acontecem em sua maior parte no interior da fábrica e nas dependências em torno dela, como o dormitório das operárias, a sala de música e a quadra de esportes. Ao passo que acompanhamos o comprometimento engajado das garotas, vemos as motivações pessoais por trás desse trabalho, e mais uma vez a ideia de sacrifício vem à tona, na pessoa das trabalhadoras doentes, que mesmo sob esta condição insistem em labutar; ou como no caso da chefe das operárias, que passa toda uma madrugada revisando lentes.

O que espanta o espectador acostumado com os outros filmes do diretor, é que em A Mais Bela, o apelo dramático para as operárias ganha contornos patéticos, porque é visível que este não era o objetivo da película, só estavam lá para encorpar a narrativa de propaganda de guerra. Como nesse tipo de produção as motivações pessoais devem dar suporte ao engajamento político, as emoções e as escolhas das trabalhadores parecem completamente forçadas e deslocadas da trama. A tentativa de Kurosawa em fazer com que as intenções pareçam orgânicas no roteiro, fracassam, e só na reta final da obra temos um desprendimento emotivo, o único ponto em que percebemos um toque não mecânico do diretor.

Imagino que para um humanista como Kurosawa, dirigir e escrever um filme como A Mais Bela tenha sido algo bastante difícil. Como compensação, porém, o diretor conseguiu fazer algumas pequenas reflexões sobre a tradição familiar e a postura das jovens em relação à sua terra natal. O pensamento de uma delas sobre a terra onde nasceu e a reprodução de uma bela paisagem enevoada e com crianças brincando mostram uma postura sentimental legítima, algo além dos deveres para com a pátria e com a empresa, talvez o único momento realmente emotivo da fita, porque seu motor é puramente pessoal e legítimo.

A Mais Bela é o filme mais fraco de Akira Kurosawa, uma propaganda de guerra cuja utilidade é apenas histórica e cujo valor cinematográfico reside em apenas algumas sequências, a verdadeira salvação da fita. Se me permitissem esquecer por completo a imagem de alguma obra de um diretor que vejo como impecável, não resta dúvidas de que esta seria a minha primeira opção.

A Mais Bela (Ichiban utsukushiku) – Japão, 1944
Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Akira Kurosawa
Elenco: Takashi Shimura, Sôji Kiyokawa, Ichirô Sugai, Takako Irie, Yôko Yaguchi, Sayuri Tanima, Sachiko Ozaki, Shizuko Nishigaki, Asako Suzuki, Haruko Toyama, Aiko Masu, Kazuko Hitomi
Duração: 85 min.

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