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Crítica | A Morte no Jardim

por Luiz Santiago
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Exatamente como em Assim é a AuroraA Morte Neste Jardim (ou A Morte no Jardim, como também é conhecido aqui no Brasil) é um parênteses de produção na fase mexicana de Buñuel, quando ele teve produção e elenco franceses para realizar dois filmes. Essa situação voltaria a se repetir em 1959, com Os Ambiciosos, último filme com capital francês que o diretor guiaria antes de sua mudança definitiva para a França, no final dos anos 1960.

Baseado no romance de José-André LacourA Morte é uma pérola quase desconhecida de Luis Buñuel, um desfile de gêneros cinematográficos e interessantíssimo trabalho com personagens das mais diversas motivações psicológicas, todos ligados por uma espécie de destino trágico e forçados a dividir experiências como privação de pão, caminhada desesperada por uma floresta tropical, loucura e cansaço. Lembra-nos muito a ligação simbólica dos protagonistas na cena final de Assim é a Aurora, com a diferença de que aqui o resultado final é dramaticamente diferente.

O filme se passa na Guiana Francesa e inicia a trama com um grupo de mineradores terminando o primeiro turno de trabalho, indo para o almoço. Um comunicado feito pela polícia local é o causador da discórdia que se segue: a partir da manhã seguinte, a região de exploração será reservada ao governo e qualquer material que ali permanecer após a data-limite para retirada será confiscado. Isso basta para que um afã de motim tome conta dos trabalhadores e se inicie a onda da violência contra a polícia.

O tema da injustiça social foi trabalhado praticamente em toda a filmografia de Buñuel, desde o início de sua fase mexicana, em Gran Casino (1947), quando vemos a crítica do diretor ao monopólio petrolífero local entregue aos alemães. No ramo social, o mestre traria a injustiça e o poder da burguesia sobre os pobres em O Bruto, mas filmes como Os Esquecidos e Nazarin também não falharam em apontar as mazelas sociais e os terríveis resultados do enfrentamento entre poder e povo.

Pouco tempo depois de mostrada a briga dos mineradores com a polícia, vemos um viajante chegar. Shark é o elemento que faltava à trama para trazer a lembrança do western ao filme. A fotografia de cores quentes, o problema histórico-social lançado e as relações humanas ensaiadas legitimam a comparação e fazem com que a obra, desde os seus primeiros minutos, tenha como plano de fundo uma aparência de conquista de território e direitos dos indivíduos, uma espécie de faroeste mais próximo do término de seu apogeu em segunda fase de ouro (anos 50-60), onde o mito era o tema principal e a mistura da memória feliz + a memória dolorosa (boa e má consciência do cowboy) definiam os roteiros.

De fato, há essa composição dramática na película. Por um lado vemos Castin trazer à tona os bons tempos de sua terra natal, a França próspera da infância, e prever para o futuro uma vida de felicidade e abundância, com um restaurante e um segundo casamento, construídos com os diamantes encontrados na mina. A memória dolorosa pode ser reconhecida principalmente em Shark e Djin, que contrapõem conceitos éticos de boa e má consciência, esta última também encontrada no padre Lizzard, que age como um fantoche da lei, sendo uma espécie de pacificador da população à sua revolta contra os que lhe tiravam o emprego — ou seja, a postura anti-cristã dos religiosos que dão as mãos aos exploradores e as costas aos explorados.

Todos esses personagens irão se encontrar na metade do filme e empreenderão uma longa caminhada pela floresta tropical da Guiana até a fronteira com o Brasil. O trajeto, suas dificuldades e o modo como são arquitetadas nos lembram detalhadamente Uma Aventura na África (1951), de John Huston, semelhança que se estende não só na fase de caminhada pela selva mas pelo “prólogo”, que aparentemente oporia os personagens. Em ambas as fitas, porém, fatores diversos acabam juntando os personagens principais em suas empreitadas. Buñuel consegue erguer uma trama tensa, com pontos diversos de ápice narrativo – cada personagem tem um, com intensidade e valores diferentes – culminando com a incerteza feliz do barco perdido na paisagem e aparente resolução dos problemas. Assim como veio, a tempestade se vai.

É de se lamentar que A Morte Neste Jardim seja um filme tão pouco conhecido ou admirado pelo público do diretor de Calanda. A película traz atuações maravilhosas (com destaque para a fantástica Simone Signoret), bela fotografia, imagens inesquecíveis (a cena da cobra sendo devorada por formigas é daquelas que grudam na mente, lembrando-nos o burro morto por abelhas em Terra Sem Pão) e críticas ferrenhas à igreja e às Forças Armadas. É um western-selvagem-social de Buñuel, um filme que foge da composição geral das obras do diretor, mas não deixa de trazer toda a sua essência iconoclasta e ácida para quem merece.

  • Crítica originalmente publicada em 2 de junho de 2013. Revisada para republicação em 27/06/2020, em comemoração aos 120 anos de nascimento do diretor e da elaboração da versão definitiva de seu Especial aqui no Plano Crítico.

A Morte Neste Jardim (La Mort en ce Jardin) – França, México, 1956
Direção: Luis Buñuel
Roteiro: Luis Alcoriza, Luis Buñuel, Raymond Queneau, Gabriel Arout (baseado no romance de José-André Lacour)
Elenco: Simone Signoret, Charles Vanel, Georges Marchal, Michel Piccoli, Tito Junco, Raúl Ramírez, Luis Aceves Castañeda, Jorge Martínez de Hoyos, Alberto Pedret
Duração: 104 minutos

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