Home QuadrinhosArco Crítica | A Origem da Sociedade da Justiça da América (All-Star Comics #3, 1940)

Crítica | A Origem da Sociedade da Justiça da América (All-Star Comics #3, 1940)

por Luiz Santiago
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Sessenta e duas páginas de pura chatice“. Esta foi a frase que pulou na minha mente assim que terminei de ler a absurdamente truncada história de origem da Sociedade da Justiça da América na revista All-Star Comics #3, publicada em novembro de 1940, com data de capa de um mês depois. Na época, a editora que hoje conhecemos por DC Comics era, na verdade, duas: National e All-American Comics. Em uma notável união de esforços, as duas casas criaram uma revista que tinha por objetivo unir os mais famosos heróis e vilões de suas páginas em um único lugar. Os EUA ainda não estavam lutando na Segunda Guerra Mundial, mas o medo marcava a sociedade americana e isso acabava se refletindo, direta ou indiretamente, nas HQs.

Escrita por Gardner Fox e desenhada por Everett E. Hibbard, O Primeiro Encontro da Sociedade da Justiça da América é, na verdade, uma antologia de aventuras dos membros do grupo e não da SJA. Levando em consideração a importância histórica da Sociedade, o ideal de “equipes de heróis” que ela criou e até mesmo as excelentes aventuras que teriam no futuro, inclusive pelas mãos de Gardner Fox nos especiais do grupo junto à Liga da Justiça, é difícil acreditar que o início de tudo tenha sido tão pouco interessante e sem uma única atuação dos heróis como um grupo.

Mas eram outros tempos. A Era de Ouro tinha começado há pouco mais de dois anos, na Action Comics #1, com a criação do colosso que foi (e é!) o Superman. A indústria dos quadrinhos dava os seus primeiros passos firmes, o formato das publicações se (re)definia aos poucos e a criatividade de escritores e desenhistas envolvidos no processo estendia-se para todos os lados. A sintaxe da 9ª Arte ganhava novas camadas — temos até algumas quebras da quarta parede e boas referências metalinguísticas aqui! — à medida que as vendas do material publicado explodia nas bancas. Uma mídia de massas “inocente” em tempos de Segunda Guerra Mundial. Com isso em mente, é possível compreender o por quê da estrutura narrativa de publicações da época e o por quê parecem tão absurdas para o olhar de um leitor do nosso século.

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O jantar dos estranhos (da esquerda para a direita): Átomo, Sandman, Espectro, Flash, Gavião Negro, Senhor Destino, Lanterna Verde e Homem-Hora.

Mas isso não significa que todas as histórias da época capengavam. Basta ler a origem do já citado Superman em 1938, do Batman (1939), e de outros personagens, como Flash, Átomo, Senhor Destino (todos de 1940), Mulher-Maravilha (1941) e por aí vai. Claro que não são obras-primas, mas são pelos menos boas histórias. O que talvez impeça o leitor de se conectar mais com esta aventura é o fato de o cerne da revista acontecer em um jantar onde os heróis convidados para fazer parte contam suas aventuras mais badaladas dos últimos tempos. E é isso. Esta é a origem da SJA. Um jantar com confetes pessoais, egos inflados e o absurdo e completamente insuportável Johnny Trovoada servindo de “guia-mascote” na trama, fazendo bobagens, comentários sem sentido e muitas caras e bocas. Para quem (como eu) implica com Snapper Carr, na Liga da Justiça da Era de Prata, ler as frases hur-dur de John Thunder faz o moço dos anos 60 parecer uma mescla de Shakespeare com Ryan Goslin, em retórica e simpatia.

A história já começa com Johnny reclamando de não ter sido convidado para o jantar (pois é Joãozinho Trovãozão, ninguém gosta de você) ou fazer parte da Sociedade da Justiça. Assim mesmo, sem quê nem porquê. Fica óbvio que o rapaz é uma especie de “conhecido honorário” dos heróis (e sim, ele tem um poder, o Relâmpago — um “raio de estimação” que dá a ele todos os seus desejos durante uma hora depois que diz a palavra “cei-u” — corruptela de “say you” –, termo que aqui no Brasil já foi batizado de “hogar” e “di-sai“), mas não há nenhuma informação de como ele ficou sabendo do jantar, como conheceu os outros heróis e como a Sociedade da Justiça ganhou o nome de Sociedade da Justiça. O fato é que Joãozinho deseja ir para a reunião e aí aparece o Senhor Destino e o leva para o hotel onde o encontro aconteceria. Ainda na primeira página aparecem Sandman, que acabara de colocar todas as pessoas do hotel para dormir e Flash. Na página seguinte há a chegada dos outros heróis e então começam as trapalhadas de Joãozinho desejando que não haja o banquete (?) e depois pedindo para que cada um dos heróis conte uma história.

A partir daí, a impressão é que deixamos a revista da SJA de lado e pegamos várias revistas individuais dos heróis presentes no jantar, todos contando histórias insossas de seu passado (as do Gavião Negro e do Espectro são as mais charmosas, mas não necessariamente boas). Cada trama liga-se de maneira mais ou menos orgânica à história seguinte, mas isso não é o bastante para dar uma unidade à revista e nem explica a formação do grupo ou mostra qualquer ação em conjunto desses heróis. Ainda é válido dizer que  Átomo faz referência ao trio Batman, Robin e Superman, mas é dito que apesar de terem sido convidados, eles precisaram ficar em serviço, dando conta dos lugares desprotegidos, já que os outros heróis estão, em outras palavras, em um banquete chique conversando sobre suas aventuras.

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A primeira página da história: os lamentos de Johnny Trovoada e a chega ao hotel onde a SJA se encontraria para jantar e conversar.

Ao longo desse caminho temos duas interrupções. A primeira, um pouco infame e inteiramente desnecessária, da Tornado Vermelho (Ma Hunkel) e a segunda, mais ou menos aceitável, de um carteiro, que traz uma mensagem para o grupo, um telegrama do chefe do F.B.I. convocando a SJA até Washington, pois eles tinham uma missão importante para cumprir. E a narrativa termina exatamente aí, com o Flash confirmando a participação de todos na convocação vinda do alto escalão do governo, que apresentaria o problema a ser resolvido na primeira aventura do grupo, chamada “Pela América e Pela Democracia!“, publicada em fevereiro (data de capa de abril) do ano seguinte, na All-Star Comics #4. Nesta primeira trama, porém, nada de combate ao crime, nada de guerras secretas, nada de espírito de equipe ou união de forças para vencer o mal. Apenas muita conversa em um grande jantar. Assim começou a história dos Super-Grupos nos quadrinhos.

All-Star Comics Vol. 1 #3 (The First Meeting of the Justice Society of America) — EUA, dezembro de 1940
Roteiro: Gardner Fox
Editora: DC Comics
Arte: Everett E. Hibbard
Capas: Everett E. Hibbard
Editoria: Sheldon Mayer
Páginas: 62 páginas

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