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Crítica | A Pedra de Paciência

por Luiz Santiago
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A libertação de um gênero se junta à guerra de um povo em A Pedra de Paciência, segundo longa-metragem do escritor, diretor e figurinista afegão Atiq Rahimi. O cineasta, que já havia assinado dois documentários em média-metragem nos anos de 2001 e 2002, dirigiu o primeiro longa, Terra e Cinzas, em 2004, sendo muito bem recebido internacionalmente. Em A Pedra de Paciência, ele retoma muitos motivos de seu primeiro filme, tais como a guerra, a abordagem sutil da história oral e o impacto que o mundo externo tem na vida de uma família ou uma pessoa em particular.

O escritor e diretor – que neste filme adapta ao lado de Jean-Claude Carrière a trama de um livro seu – toma com ponto de partida a opressiva condição feminina nos países islâmicos fundamentalistas, adicionando a guerra como plano de fundo e montando um cenário familiar opressivo (em todos os sentidos) no início da fita mas que vai ganhando asas no decorrer do texto, não sem uma sensível perda de qualidade na história.

O primeiro ponto interessante do enredo é a ocultação dos nomes. Temos em cena a esposa, o ex-combatente da Jihad (agora em estado vegetativo), a tia prostituta, as filhas, o comandante, o soldado virgem e gago. Tal abordagem impessoal, que normalmente desagrada alguns espectadores por parecer fria demais, tem um significado preciso na trama: ela nos dá a ideia de que essas pessoas são modelos sociais e, como tais, podem ser encontradas em qualquer lugar de um mundo em guerra, em qualquer ponto do Afeganistão ou seus vizinhos beligerantes.

A (quase) ausência de trilha sonora pavimenta melhor esse caminho, chamando atenção para os diálogos postos em diferentes camadas, presenteando-nos com um inteligente exercício de montagem da trama (especialmente no plano interno) e edição e mixagem de som. Assim, o diretor consegue fazer flashbacks orgânicos em praticamente toda a extensão da fita, ligando-os de maneira simples ao presente – investindo na ampliação de significados – e fazendo esse presente evoluir e se adensar sem saltos abruptos de tempo ou exageros no roteiro.

O curioso é que ele falha justamente quando se entrega a esse lado da força, deixando correr mais solto o sentimentalismo e inserido-o como um ponto de interrogação para o público — este, um lado positivo do questão. A cena final passa a ser um misto de miragem, vontade e realidade, um momento importante para o filme, é claro, porque marca a liberdade da protagonista, mas da forma como é realizada, amarra-lhe, mesmo que com cordas mais frouxas, a um outro tipo de prisão.

Ou talvez, em um olhar mais condescendente para o texto, possamos assumir o questionamento da liberdade como algo isolado em si e nos façamos a pergunta angular: é realmente possível ser livre? A “pedra de paciência”, elemento da mitologia persa, cumpre o seu papel na construção dos simbolismos do filme e marca bem o final, a despeito da estranhíssima forma que o cineasta escolheu para plasmar a chegada da suposta liberdade que ela traria.

Com um elenco afiado – todos os atores representam de forma notável seus papeis –, uma fotografia de paleta enxuta mas muito bonita, cheia de tonalidades opacas, transitando entre tons quentes (especialmente o amarelo) e tons térreos, e uma proposta de reflexão impressionante para uma obra afegã, A Pedra da Paciência é uma jornada pelo desespero, um filme que por si só já é uma confissão e que, mesmo falhando na forma como se dá por terminado – culpa da entrega sentimental desnecessária – cumpre o seu papel em nos fazer pensar sobre os benefícios e impasses que uma longa espera pode trazer.

A Pedra de Paciência (Syngué sabour, pierre de patience) – Afeganistão, França, Alemanha, Rieno Unido, 2012
Direção:
Atiq Rahimi
Roteiro: Atiq Rahimi, Jean-Claude Carrière (baseado no romance de Atiq Rahimi).
Elenco: Golshifteh Farahani, Hamid Djavadan, Hassina Burgan, Massi Mrowat, Mohamed Al Maghraoui, Malak Djaham Khazal, Faiz Fazli, Hatim Seddiki
Duração: 102 min.

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