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Crítica | A Pequena Sereia (1989)

por Ritter Fan
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Os anos 70 e 80 foram massacrantes para a Disney como um todo e especialmente para seus longas-metragens de animação. Entre 1967 e 1977, os únicos dois grandes sucessos da produtora nessa área foram Mogli – O Menino Lobo e Bernardo e Bianca e, depois desse último, ela somente acertaria novamente com A Pequena Sereia, 12 anos depois, filme que veio a reboque do festejado Uma Cilada para Roger Rabbit, um ano antes.

Foi A Pequena Sereia que trouxe a chamada Renascença da Casa do Camundongo, gerando mega-sucessos como A Bela e a Fera, que concorreu ao Oscar de Melhor Filme, a primeira vez que uma animação conseguiu esse feito, e, claro, O Rei Leão. E essa revitalização continua até hoje, com diversos outros exemplos da empresa que simplesmente inventou o longa de animação na década de 30, apesar do preconceito reinante à época de Branca de Neve e os Sete Anões, abrindo caminho para diversos outros gênios da animação ao redor do mundo se empolgarem com o processo.

Esse pequeno contexto histórico é importante para compreendermos o quão essencial A Pequena Sereia foi para a Disney e para o cinema de animação. Sem essa demonstração de que o gênero ainda tinha fôlego, é muito provável que nosso presente fosse muito diferente, bem mais pobre, com menos cores e vitalidade.

Mas, mesmo que a fita não fosse importante historicamente, ela, por si só, merece os maiores aplausos, pois é um dos grande exemplos da animação moderna pré-computação gráfica. Ron Clements e John Musker, que já haviam trabalhado juntos nos ótimos, mas infelizmente esquecidos O Caldeirão Mágico (1985) e As Peripécias do Ratinho Detetive (1986) para a Disney, acertaram em cheio em seu cuidadoso trabalho de adaptação e atualização do famoso conto de Hans Christian Andersen, mantendo a classe do material fonte e, claro, sua relevância narrativa.

Ariel (voz de Jodi Benson) é uma princesa sereia fascinada pelo mundo dos humanos, mas seu pai, o Rei Tritão (Kenneth Mars), proíbe que os seres do fundo do mar tenham contato com os da terra. A jovem se sente prisioneira de um pai tirânico (como todos os jovens alguma vez já se sentiram ou se sentirão) e, depois que salva o príncipe humano Eric (Christopher Daniel Barnes) de um naufrágio, apaixonando-se por ele, é seduzida pelas promessas da vilanesca Úrsula (Pat Carroll), caindo em uma armadilha montada pela bruxa para derrubar Tritão do trono.

A história é bastante linear, mas muito bem estruturada. Nada parece forçado ou arrastado. Ariel, que vive recolhendo e colecionando objetos dos humanos no fundo do mar com seu amigo Linguado, é a jovem sonhadora que, deparando-se com o perigo, resvala no amor de sua vida. Esse magnetismo imediato é manobrado pela bruxa, clássica encarnação do diabo, para desespero de Sebastian (Samuel E. Wright), o siri jamaicano conselheiro do rei e babá a contra-gosto da menina. Suas aventuras no mar e na terra representam, com beleza e propriedade, a busca de aventuras e o amadurecimento de uma jovem, pontilhado de inesquecíveis números musicais Alan Menken e Howard Ashman.

Se já é difícil esquecer de Ariel, com seus olhos enormes brilhantes, que almejam abraçar o mundo com voracidade, o que dizer de seus coadjuvantes, com especial destaque para Sebastian e o trabalho de voz imbatível de Samuel E. Wright. Afinal, fica ao encargo de Wright as melhores canções de Menken e Ashman, como Under the Sea e Kiss the Girl, que invariavelmente tomam de assalto os sentidos e impedem qualquer tentativa de não cantarolar as letras. Em termos de design de personagens, a fita é só triunfo atrás de triunfo, mesclando elementos clássicos como a cidade submarina do rei Tritão, desenhada com toda a pompa e circunstância, passando pelos personagens em si, como a inesquecível Úrsula, que combina o estilo “cantora de blues” com um polvo e suas duas moreias, Flotsam e Jetsam, cada uma com um olho tipo farol, que nos faz lembrar dos crocodilos de Bernardo e Bianca. Tudo é pensado para encantar – e sim, assustar um pouquinho os bem pequenos – e para tirar a obra do lugar-comum.

A animação, toda manual, no “estilo clássico”, recebeu investimentos altíssimos da produtora, algo que não era feito há décadas, com diversas unidades, inclusive nos parques, sendo utilizadas no trabalho. Além disso, como era comum na época em que Walt Disney era vivo, mas que foi abandonado depois, A Pequena Sereia contou com a filmagem de atores e atrizes como material de referência para os desenhos, em uma espécie de “captura de performance” sem computadores. A produção foi a aposta all in da Disney para reviver seu moribundo departamento de animação de longas, estratégia que se pagou e gerou e continua gerando gigantescos dividendos.

Infelizmente, porém, esse longa foi o último da produtora a realmente fazer uso total dos métodos antigos de animação em células, pois, logo em seguida, em Bernardo e Bianca da Terra dos Cangurus, as cores passaram a ser feitas com ajuda do computador. E, ainda depois, A Bela e a Fera terminou de escancarar as portas digitais com o sensacional uso do CGI na sequência do baile.

A Pequena Sereia é um clássico dos clássicos que, mesmo que não tivesse importância comparável a Branca de Neve e os Sete Anões para a História da Animação (pelo menos em termos de demonstração prática do potencial financeiro da técnica), já mereceria seu lugar no panteão das melhores obras do gênero da Disney. Considerando o que empresa produzira antes e produziria depois, esse não é um feito muito fácil de se alcançar.

*Crítica originalmente publicada em 15 de novembro de 2014.

A Pequena Sereia (The Little Mermaid, EUA – 1989)
Direção: Ron Clements, John Musker
Roteiro: Ron Clements, John Musker (baseado em conto de Hans Christian Andersen)
Elenco (vozes originais): Jodi Benson, Christopher Daniel Barnes, Pat Carroll, Jason Marin, Samuel E. Wright, Paddi Edwards, Kenneth Mars, Pat Carroll, Edie McClurg, Ben Wright
Duração: 83 min.

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