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Crítica | A Pista (La Jetée)

por Luiz Santiago
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Holocausto nuclear, viagem no tempo, uma sequência onírica inspirada em Um Corpo de Cai, de Alfred Hitchcock — a cena da sequoia — e paradoxo temporal são ingredientes básicos dessa fotomontagem (ou fotorromance) de Chris Marker, um dos grandes marcos da Nouvelle Vague e que inspirou, anos depois, Terry Gilliam a conceber Os 12 Macacos.

A obra nos conta a história de um homem homem que vive como prisioneiro no subterrâneo de Paris, após a III Guerra Mundial. Por ter uma forte memória do passado, ele é usado como cobaia pelos cientistas para protagonizar alguns experimentos de viagem no tempo, a fim de que esta sociedade consiga encontrar meios de sobreviver tragédia. Indo primeiro para o passado e depois para o futuro, o homem irá se dar conta de que a imagem que jamais saíra de sua cabeça, durante todo esse tempo, era de fato um dos grandes momentos de sua vida, mas não o que ele imaginava.

Poucas vezes o cinema conseguiu trabalhar um paradoxo temporal de maneira tão boa e tão objetiva em um filme de curta duração como Marker fez em A Pista / La Jetée. E tudo fica ainda mais impressionante quando percebemos que são trabalhados três tempos e espaços; um conceito que liga esses três lugares dentro de uma única função, que é a busca de recursos para sobrevivência da sociedade do “presente”, ao menos em uma leitura literal; e uma forma orgânica de fazer o viajante no tempo ultrapassar a linha da objetividade materialista e adentrar à esfera sociopolítica (voltando-se contra a ordem que recebeu de não mais viajar para o passado) e ao campo da memória, elemento central, mas infelizmente esquecido, que pulsa na obra do começo ao fim.

Percebam que quando La Jetée foi lançado, Alain Resnais, um amigo e importante influência estética para Chris Marker, já havia realizado dois de seus mais importantes filmes, onde o entrelaçamento da História com a Memória tornaram-se marcos no cinema, a saber, Hiroshima, Meu Amor e Ano Passado em Marienbad. A influência desses dois filmes em La Jetée pode ser sentida na colocação do indivíduo que transita entre algo parecido com liberdade mas que é extremamente complexo porque na verdade trata-se de um sentimento misto de responsabilidade (amor ou qualquer outro sentimento versus dever) localizado em um formato complexo de tempo. Aparentemente tudo pode ser feito mas implicações ocultas movem o(s) protagonista(s) para caminhos pouco indicados por quem assiste. Do outro lado da tela, nós somos os juízes morais dos personagens, julgando suas atitudes e o que deveriam fazer em cada um dos tempos visitados, ou, em último caso, no único espaço-tempo disponível.

Talvez um espectador que não esteja acostumado com filmes experimentais fique assustado com a perspectiva de ver um filme de meia hora apenas com fotografias estáticas e um único take de uma mulher piscando os olhos. Mas aí é que está um dos grandes atrativos de La Jetée. Através de sua forma estática, o diretor conseguiu criar uma forte sensação de movimento através das imagens, nos passando sentimentos como dor e angústia do prisioneiro ao longo dos experimentos de viagem no tempo ou mesmo a impressão mais leve de movimento dos personagens, intensificada na reta final da obra, na cena do aeroporto de Orly.

O desfecho de La Jetée nos mostra alguém em uma busca por algo que estava lá o tempo todo, definição elevada às máximas consequências no filme. O espectador fica remoendo sobre o sentido temporal e metafísico do acontecimento e a obra nos deixa exatamente onde nos arrebatou, em uma pista de aeroporto, em um outro tempo — um tempo de paz — quando ainda tínhamos uma visão de mundo muito mais inocente. Ao longo do filme, nós amadurecemos.

A Pista (La Jetée) — França, 1962
Direção: Chris Marker
Roteiro: Chris Marker
Elenco: Jean Négroni, Hélène Chatelain, Davos Hanich, Jacques Ledoux, André Heinrich, Jacques Branchu, Pierre Joffroy, Étienne Becker, Philbert von Lifchitz, Ligia Branice, Janine Klein, William Klein
Duração: 30 min.

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