Home QuadrinhosArco Crítica | Monstro do Pântano #51 – 56: De Terra a Terra (1986)

Crítica | Monstro do Pântano #51 – 56: De Terra a Terra (1986)

por Luiz Santiago
493 views

SPOILERS!

Seguindo diretamente os passos após o cataclismo Universal causado pelo despertar das Trevas durante a Crise nas Infinitas Terras, Alan Moore tinha uma tarefa complicada para manter A Saga do Monstro do Pântano em alta conta depois do que tinha acontecido. O autor já havia modificado a forma como o público enxergava o herói (isso desde Lição de Anatomia) e já havia mergulhado profundamente em nuances do gênero terror (de caráter A e B) começando em Auréola de Moscas e terminando em O Fim, quando todas as forças místicas e os iniciados em artes espirituais ou magia se reuniram para lutar contra a Grande Escuridão. A grande questão era: o que fazer a partir daí?

O leitor percebe que Alan Moore não demora muito tempo em conjecturas sobre os perigos que o Pantanoso pode ou não pode enfrentar. Sua coragem em arriscar coisas novas, sua abertura às sugestões da equipe de artistas e sua facilidade em criar enredos inteligentes às vezes com o mínimo possível de coisas permitiram ao roteirista embarcar em realidades muito diferentes a cada arco da revista e, o melhor de tudo, sem pular pontos importantes de coisas previamente em andamento na DC e sem fazer cortes bruscos de continuidade ou ignorando janelas abertas no passado para dar início a um novo momento. Aqui, a partir da edição #51 (Em Casa) notamos a sua orgânica saída do mundo espiritual para um outro cenário, algo inicialmente mais humano, com um pouco mais de fábula e progressivamente caminhando para a ficção científica + fantasia, gêneros que com todos os seus braços e possibilidades críticas, se tornariam fortes na saga a partir daqui.

plano critico monstro do pantano em gotham

Visitinha pouco amigável a Gotham City.

O princípio dessa mudança aconteceu junto à troca de artistas principais na revista. Os roteiros permaneceram nas mãos de Moore, mas a arte passou oficialmente de John Totleben e Steve Bissette para Rick Veitch e Alfredo Alcala. Com essa nova equipe oficial (importante dizer que a quebra não foi total. Bissette ainda faria as capas da revista por uns meses e Totleben trabalharia em pelo menos duas edições desse arco) e com pelo menos dois grandes projetos em andamento além do Monstro do Pântano (Watchmen e Miracleman/Marvelman), Alan Moore se viu em caminhos que o “forçavam para o bem” a experimentar tudo o que fosse novo e tudo do que ele pudesse tirar coias novas. Chegou a um ponto, na edição #54, As Flores do Romance, que o autor se viu afetado pela falta de tempo e ideias, trazendo dois personagens da fase de Martin Pasko e relacionando-os com a saga da agora “viúva” Abigail. Quando Veitch apontou alguns caminhos para Moore logo após a finalização do arco da Crise, o autor achou que seria interessante escrever com base em um gênero híbrido (fantasia científica) e pensou em como poderia colocar o Musguento nesse novo universo, o que não demorou muito.

O fim do encontro com o Desafiador e o Vingador Fantasma no início de Em Casa (#51) nos dá uma perfeita ideia de continuidade da saga anterior, que muito rapidamente — e de maneira plausível — se cruza com o drama de Abigail, que aqui passa por uma audiência pública e, em seu desespero, foge para Gotham City. Há apenas um incômodo aqui, o assumir da moça de cabelos brancos como mulher do Alec-Planta, o que me pareceu estranho não só no início, mas ao longo de todo o arco, em níveis diferentes. A colocação, admito, não é despropositada e por várias vezes é contextualizada pelo autor, que inclusive traz Matt Cable em citações ou alucinações para falar do coma e do divórcio, mas mesmo assim, eu ainda tive dificuldades para digerir o grande sentimento de posse do Monstro em relação a Abby. Minha reação só abraçou a coisa toda a partir de Consequências Naturais (#52), porque o roteiro não deixou brechas para dúvidas ou ausência de motivações para qualquer um em cena.

plano critico monstro do pantano natureza

Nunca irrite um avatar do Verde!

Veitch e Alcala não se furtam em explorar a grandeza do material que tinham em mãos e exploram os recantos de Gotham sob os mais diversos ângulos (a cidade e o máximo sentimento de claustrofobia consomem o leitor), tornando inclusive maravilhosas as lembranças do Parlamento das Árvores e mostrando que a natureza do Pantanoso pode se incendiar e gerar muita destruição. Tatjana Wood entra no jogo de contrastes e opõe luzes e sombras, cores frias e cores quentes dentro de quadros que são um verdadeiro deleite para os olhos, tanto em fluidez da leitura, organização dos desenhos + texto (a diagramação sempre foi algo digno de elogios nesta fase) e criatividade da elaboração da arte.

Então vem o primeiro grande clássico do arco, a edição #53, O Jardim das Delícias Terrenas, inteiramente ambientada em Gotham City e onde Alan Moore e John Totleben mostram o que são capazes de fazer ao reunir um personagem “B” (Monstro do Pântano) e um personagem “A” (Batman) em um cenário conhecido e com figuras igualmente famosas como Gordon, Coringa e Duas-Caras além de coadjuvantes como Bullock e Homem Florônico.

Aqui há muito da organização narrativa de realidade e de mídia expostas com louvor em Batman – O Cavaleiro das Trevas e que Moore lança mão para fazer uma narração coerente com o cenário, através das próprias vítimas. Pela arte, percebemos uma dominação máxima de Gotham e dos artifícios naturais que o Monstro do Pântano pode trazer à tona para punir alguém. Seu controle de toda a flora (dos nossos intestinos até coisas feitas diretamente de madeira) e sua capacidade de criar estruturas naturais grandiosas são retratadas com maestria por Totleben, que consegue fazer a cidade do Morcego verdejar e silenciar-se, rendida aos pés da Natureza. É algo de se arrepiar.

plano critico meu paraíso azul

Meu Paraíso Azul, uma obra-prima dos quadrinhos.

Depois de A Flores do Romance (#54), edição-ponte sobre a qual já comentamos brevemente, chegamos à reta final desse bloco de histórias, onde Abby se questiona sobre sua vida e tenta aceitar a morte de seu amado vegetal. De Terra a Terra (#55) é um inteligente solilóquio intercalado pelas cenas do velório ilustre do Pantanoso em Gotham e que mostra diferentes problemas, vidas e mortes. Veitch, Alcala e Totleben (apenas em algumas páginas) nos fazem chegar e se afastar do espaço como observadores em luto e há quase uma passagem indireta pelos temas que o roteiro de Moore nos apresentou no início: repressão sexual, fragilidade das leis, julgamento moral precipitado e, a palavra que volta à tona no final desta edição, esperança.

Na clássica Meu Paraíso Azul (#56), um ensaio doloroso sobre as muitas formas de solidão e o que ela pode causar em qualquer ser consciente e racional, Tatjana Wood se destaca ao nos apresentar inúmeras possibilidades do uso da cor azul em uma história. O roteiro fala sobre esse abandono e desligamento total de um mundo nativo e, pela primeira vez, indica que o rumo da saga, a partir da edição seguinte, será ligada a um aparato cósmico, como se ampliasse a imensidão azul na qual o Monstro do Pântano revive e faz algo viver. Poucas vezes uma série mensal de uma editora mainstream nos trouxe tanta felicidade e complexidade em uma única publicação. Alan Moore, mais uma vez, conseguiu eternizar um roteiro.

A Saga do Monstro do Pântano – Livro 5 (Monstro do Pântano #51 a 56) — Swamp Thing #51 – 56 — EUA
Roteiro: Alan Moore
Arte: Rick Veitch (#51, 52, 54 a 56), John Totleben (#53)
Arte-final: Alfredo Alcala (#51, 52, 54 a 56), John Totleben (#53, 55)
Cores: Tatjana Wood
Letras: John Costanza
Capas: Steve Bissette
Editoria: Karen Berger
Data original de publicação: agosto de 1986 a janeiro de 1987
Publicação deste volume (no Brasil): A Saga do Monstro do Pântano – Livro 5 (agosto, 2015)
172 páginas (encadernado)

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais