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Crítica | A Sentinela e Outros Contos Que Inspiraram 2001 – Uma Odisseia no Espaço, de Arthur C. Clarke

por Ritter Fan
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Um dos mais importantes filmes de ficção científica já feitos, 2001 – Uma Odisseia no Espaço foi o resultado de um profundo trabalho colaborativo entre o cineasta Stanley Kubrick e o futurista e autor Arthur C. Clarke. Foi a partir do filme – e durante sua produção – que Clarke escreveu a versão literária da obra, que tem sua própria pegada significativamente menos filosófica e viajante do que a produção cinematográfica.

Mas o ponto de partida, aquilo que realmente chamou a atenção de Kubrick e que tornou a parceria com Clarke extremamente frutífera foi, como muitos sabem, o conto A Sentinela, que Clarke escrevera ainda em 1948. O que menos pessoas conhecem é que diversos outros contos de Clarke também foram utilizados tanto por ele quanto por Kubrick para darem vida à obra-prima que chegaria aos cinemas em 1968.

O presente artigo compila as críticas de cada um dos contos de Arthur C. Clarke que inspiraram 2001 – Uma Odisseia No Espaço, conforme pesquisas feitas em diversas fontes, incluindo, notadamente, 2001: Uma Odisseia no Espaço – Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke e a Criação de uma Obra-Prima, de Michael Benson (publicado, no Brasil, pela editora Todavia). Diante da brevidade de vários deles e da escolha de se indicar o que exatamente de cada conto foi utilizado no filme, mesmo que indiretamente, foi inevitável abordar spoilers tanto dos escritos de Clarke quanto da obra cinematográfica (que, se você não viu, tome tenência e assista já!!!). Além disso, apesar de haver um conto anterior a A Sentinela, decidi começar por este, que é o mais importante e, depois, abordei os demais cronologicamente.

A Sentinela

Escrito em 1948 para um concurso da BBC que Clarke não ganhou, o conto A Sentinela só chegou a ser publicado pela primeira em 1951, sob o título Sentinela da Eternidade, na revista pulp sci-fi americana 10 Story Fantasy, notabilizando-se a partir de 1968 como a principal fonte de inspiração para 2001 – Uma Odisseia no Espaço. Mas, na verdade, A Sentinela é mais do que “apenas” a inspiração para esse marco cinematográfico de Stanley Kubrick, já que os fundamentos da história, de certa forma, tornaram-se também os fundamentos da bibliografia de Clarke a partir daquele ponto, com elementos reconhecíveis em obras como O Fim da Infância e a série Rama.

O conto é simples em termos narrativos, mas profundamente desafiador em termos de conteúdo, pois ele planta o fascinante conceito (ou, melhor dizendo, um dos fascinantes conceitos) por trás do monólito de 2001: uma espécie de farol alienígena que anuncia que a raça humana chegou a determinado ponto na escada evolutiva. Na breve história, um astronauta, que é também o narrador, detecta algo estranho no cume de uma montanha lunar e parte para investigar, descobrindo uma estrutura piramidal cercada por um campo de força impenetrável e que transmite um sinal para o espaço.

Tudo é contado com um senso de fascinação e de dúvida, pois o objeto, de mineral polido, não ganha explicações científicas exatas. Longe disso, na verdade. Clarke não se preocupa com detalhes dessa natureza e joga com o mistério, mantendo o narrador como alguém que faz especulações e não afirmações. Portanto, a natureza de sinalizador de evolução da raça humana é, apenas, um hipótese que permanece em aberto ao final, mas que faz completo sentido dentro do contexto apresentado.

A Sentinela pode ser lido e compreendido de maneira estanque, com um começo, meio e fim satisfatórios se o leitor aceitar as dúvidas postas, ou como o embrião para algo muito maior. Seja como for, é uma leitura fluida, intrigante, por vezes inadvertidamente engraçada considerando o que hoje conhecemos da exploração lunar e que nos faz pensar fortemente sobre nossa insignificância diante do Cosmos. Um grande exemplo de texto que reafirma a teoria de que menos normalmente é mais.

Títulos originais: The Sentinel ou Sentinel of Eternity
Título alternativo em português: Sentinela da Eternidade
Data de publicação: 1951 (escrito em 1948)
Local original de publicação: 10 Story Fantasy

Grupo de Salvamento

Escrito em 1946, portanto antes de A Sentinela, Grupo de Salvamento é o primeiro trabalho de Clarke que utiliza o conceito de vida extraterrestre interferindo em outros planetas. No caso, somos apresentados à tripulação na nave S 9000 (claramente a inspiração para o nome do supercomputador HAL 9000), formada por alienígenas de diversos planetas diferentes tentando salvar pelo menos alguns habitantes do planeta Terra, faltando apenas quatro horas para que o sol entre em estado de supernova e destrua tudo.

O texto de Clarke é frenético, pois ele dá conta não só de descrever os mais diversos seres alienígenas de maneira muito original, sem fiar-se no bom e velho E.T. humanoide, como também da corrida contra o relógio para achar sobreviventes em um planeta literalmente em ebulição. No entanto, as brevíssimas quatro horas para o fim do planeta, curiosamente, tornam tudo muito rápido demais e desnecessariamente, retirando da história uma eventual riqueza que ela poderia ter enquanto os alienígenas estão por aqui.

No entanto, tudo serve o propósito de revelar, ao final, que os humanos evoluíram muito mais rapidamente do que as outras raças do universo, com os alienígenas descobrindo uma frota de naves terráqueas rudimentares viajando pelo espaço, com só as próximas gerações tendo chance de alcançar algum planeta. Mas o melhor é o final ambíguo que dá a entender ao mesmo tempo que os terráqueos terão enorme sucesso na galáxia e que dominarão a galáxia em uma interpretação mais “beligerante” e pessimista que fica no ar.

Título original: Rescue Party
Data de publicação: 1946
Local original de publicação: Astounding Science Fiction

Acidente Espacial

Um dos contos mais longos dentre os que inspiraram 2001 – Uma Odisseia no Espaço, Acidente Espacial narra a vida dos dois únicos tripulantes de uma nave que, faltando 30 dias para chegar a Vênus, seu destino, tem seu tanque de oxigênio perfurado por um meteorito, o que reduz a reserva para 20 dias. É a típica história de humanos em situações limítrofes que precisam tomar decisões drásticas para sobreviver.

Aqui, a questão é que o ar só permitiria que um dos tripulantes chegasse a seu destino. Como escolher quem morre e quem sobrevive e como fazer o que tem que ser feito? Clarke não tem pressa aqui e vai lentamente construindo tensão entre McNeil, o capitão, e Grant cujo ponto-de-vista é o principal. Mas o autor usa de artifícios interessantes para deixar o leitor na dúvida sobre o destino deles, mesmo considerando que boa parte da história é contada em um inteligente flashback depois que a decisão é tomada e Vênus é informada.

Apesar de a história em si não ter nenhuma ligação com 2001, é aqui que Clarke estabelece o formato do que seria a “nave espermatozoide da obra de Kubrick”. No conto, a nave acidentada é descrita como tendo o formato de um halter, o que lembra muito a Discovery One do filme.

Simples e humano, Acidente Espacial é surpreendentemente cinematográfico e impossível parar de ler sequer por um segundo. Ficção científica de primeira em um dos melhores contos de Clarke.

Títulos originais: Breaking Strain / Thirty Seconds, Thirty Days
Data de publicação: 1949
Local original de publicação: Thrilling Wonder Stories

Encontro Ao Amanhecer

Em Encontro ao Amanhecer, Clarke amplifica e detalha seu conceito de inteligência extraterrestre visitam planetas com o objetivo de desenvolver espécies que se mostram promissoras. No conto, ele lida com uma expedição de cientistas alienígenas de aparência humana que, com a ajuda de um robô, investigam uma tribo de hominídeos na Terra pré-histórica.

Do começo ao fim, a narrativa nos faz lembrar imediatamente do estupendo prólogo de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, ainda que, lá, o passo evolutivo seguinte da raça humana se dê em razão do monólito (a versão do filme para a Sentinela do primeiro conto), e não com humanos mais evoluídos. Toda a interação com os seres primitivos se dá por intermédio de um caçador curioso que aos poucos vai se acostumando com a presença do antropólogo que o estuda e seu sidekick robótico. O homem da caverna que vemos já está em estágio superior ao do filme, mas o efeito da presença de uma raça superior em intelecto é equivalente.

No entanto, esse é o típico conto que deixa o leitor tão envolvido na história que, quando ela acaba de maneira razoavelmente abrupta, fica aquela ponta de frustração. Mas, em retrospecto, considerando a estrutura da narrativa e seu recorte desse momento singelo da história da raça humana (ok, história fictícia, mas vai que os deuses eram mesmo astronautas?), o final faz pleno sentido, especialmente tendo 2001 lá no fundo da mente para complementar a leitura.

Títulos originais: Encounter in the Dawn / Encounter at Dawn
Títulos alternativos em português: Encontro ao Alvorecer / Expedição à Terra
Data de publicação: 1953
Local original de publicação: Amazing Stories

Respire Fundo

Respire Fundo é uma das partes de uma coletânea de seis pequenos contos interligados pelo narrador, um astronauta experiente contando “causos” sobre as primeiras estações espaciais da Terra. Em linhas gerais, o narrador poderia ser o mesmo personagem de Fora do Berço, em Órbita para Sempre…, conto criticado mais abaixo, mas isso não fica claro em momento algum e nem é necessário que fique.

Cada uma das historietas conta uma anedota espacial diferente relacionada com a vida de “empreiteiros” espaciais trabalhando na construção de uma estação espacial. Especificamente em Respire Fundo, a narrativa lida com o momento em que o dormitório da estação onde o narrador e outros estavam desprende-se e fica flutuando até ser resgatado posteriormente, sendo necessário que todos eles enfrentem o vácuo sem proteção alguma, o que é uma das inspirações para a morte de Frank Pool em 2001.

Considerando a época em que foi escrito, a narrativa é vívida e crível sobre os efeitos do vácuo e da radiação solar sobre o corpo humano, ainda que a história falhe em efetivamente criar tensão talvez pela velocidade meteórica com que tudo acontece. Mas, no conjunto dos seis contos, Respire Fundo é uma anedota que compõe muito bem o todo.

Títulos originais: Take a Deep Breath
Data de publicação: 1957
Local original de publicação: não localizado

Quem Está Aí?

Quem Esta Aí? é um conto sci-fi de terror em que a absoluta simplicidade impera. Nele, um astronauta em uma estação espacial tem que fazer um space walk em uma roupa que é descrita como um “cilindro” e começa a achar que a alma de um astronauta que morrera em condições parecidas está assombrando a roupa. A conexão com 2001 está justamente no astronauta sozinho no espaço e com a roupa que lembram os pods da Discovery One.

Lembrando um pouco a forma como Edgar Allan Poe descreve a paranoia, Clarke maneja bem a tensão, mas sem grandes ambições, sem por um segundo sequer sair de dentro da roupa espacial em uma narrativa em primeira pessoa. É quase que uma “anedota espacial” para ser contada em Mos Eisley entre um drinque e outro.

Título original: Who’s There?
Data de publicação: 1958
Local original de publicação: Amazing Stories

Fora do Berço, em Órbita para Sempre…

Um astronauta experiente e um dos pioneiros da exploração espacial nos conta a história da operação de uma base multinacional na lua, onde ele se encontra. Todo o texto é trabalhado para manter mistério sobre o final, que o senhor indica como sendo um grande evento para a História do Homem.

E, de fato, ao final, emocionado, ele ouve o choro do primeiro bebê nascido fora da Terra, a evidente inspiração para o bebê cósmico de 2001. Trata-se de um conto simples e emocional, com Clarke conseguindo realmente colocar nas palavras do velho astronauta a emoção de literalmente ver o próximo passo da humanidade diante de seus olhos.

Fora do Berço, em Órbita para Sempre… é curiosamente ambicioso e, ao mesmo tempo, tímido, diria até pessoal, como se fosse apenas a entrada em um diário do próprio Clarke. Funciona, mas somente porque o bebê espacial nos faz olhar para as estrelas.

Títulos originais: Out of the Cradle, Endlessly Orbiting… / Out of the Cradle
Data de publicação: 1959
Local original de publicação: não localizado

Ao Centro do Cometa

Em Ao Centro do Cometa é possível notar o germe da ideia de HAL 9000, o computador senciente de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, já que a trama gira em torno de uma falha no computador da nave Challenger que deixa uma expedição de investigação de um cometa passando “próximo” à Terra incapaz de voltar. Não há um computador inteligente que se recusa a seguir ordens, mas, apenas, uma falha monumental.

Na história, contada a partir do ponto de vista do jornalista de descendência japonesa George Pickett, a solução é milenar e sugerida por ele: o ábaco. Para tornar isso possível em um conto razoavelmente curto, Clarke não só mergulha em explicações do que é um ábaco e de como ele funciona, como é bem sucedido ao transportar isso para um ambiente tenso e sombrio em que todas as alternativas de salvação foram esgotadas. Claro que o autor usa atalhos e se permite alguns pulos de lógica, mas a história flui bem dentro de uma lógica crível pelo que ele estabelece em sua narrativa.

Ao Centro do Cometa homenageia a inteligência humana fazendo a alta tecnologica convergir com um instrumento primitivo. É quase que a representação escrita perfeita para a espetacular transição entre o osso e a nave espacial no filme de Kubrick.

Títulos originais: Into the Comet / Inside the Comet
Título alternativo em português: No Interior do Cometa
Data de publicação: 1960
Local original de publicação: Fantasy & Science Fiction

Antes do Éden

Antes do Éden inverte a lógica do conceito de raças alienígenas fazendo raças menos desenvolvidas subirem degraus evolucionários, com uma pegada bem mais pessimista. Aqui, os terráqueos são os alienígenas desenvolvidso que, em uma expedição para Vênus, descobrem pela primeira vez vida no planeta em forma de um planta que se movimenta muito rapidamente, alimentando-se do solo por onde “passa”.

A simplicidade da descrição da expedição ganha relevo e tensão com a incerteza do que é o tal ser que se move, parecendo que não vai a luga nenhum. Mas o tal pessimismo vem a galope, com Clarke fechando a narrativa dizendo que os humanos, ao pernoitarem, deixam dejetos que são absorvidos pela planeta e que catalisam a destruição da vida no planeta. O homem é o agente da destruição e não da evolução. É 2001 ao contrário, basicamente.

Títulos originais: Before Eden
Data de publicação: 1961
Local original de publicação: Amazing Stories

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