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Crítica | A Solidão dos Números Primos

por Luiz Santiago
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estrelas 3

Não há nada mais incômodo do que problematizar a existência. Seja na filosofia, na psicanálise ou na religião, a existência humana ressente-se quando o seu invólucro de “normalidade” é rompido e uma série de incômodos pessoais são expostos a perguntas sem resposta. Temos esse exercício de forma muito instigante em A Solidão dos Números Primos (2010), filme baseado no romance homônimo de Paolo Giordano, indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2010.

A história de Alice e Mattia é contada de maneira não linear, embora o espectador não tenha dificuldades para entender que se trata de uma narrativa aberta e de múltiplos caminhos. Até a primeira metade do filme são mostradas cenas isoladas de ambos os protagonistas (quando pequenos e adolescentes) para enfim realizar o encontro entre os jovens que serão “números primos” dali em diante. Baseadas na dor e no existencialismo, os protagonistas encarnam a dificuldade das relações humanas, especialmente na aceitação do outro. A carência e o desejo são elementos paralelos à trama e alcançam um significado cada vez mais complexo ao passo que as personagens adquirem experiência de vida. A solidão, no entanto, impera sobre tudo e todos.

Entre a fantasia e a realidade, a trama se constrói sem pressa. Talvez essa abordagem compassada tenha colaborado para um esgotamento do próprio motivo dramático, embora o diretor consiga retomar a atenção sempre que o marasmo e os ângulos vazios sem motivo parecem não acabar. Um dos elementos técnicos usados para ajustar o ritmo interno é a trilha sonora, que contém desde um tema de Morricone para O Pássaro das Plumas de Cristal, até a icônica canção Bette Davis Eyes, de Kim Carnes. Do mesmo modo a fotografia de Fabio Cianchetti (Os Sonhadores) transforma em cor as diversas indicações de perturbação dos personagens, ao mesmo tempo em que cria muitos espaços dramáticos, sem fazê-los alheios à trama.

Apesar de tudo, o filme não consegue se manter em alta qualidade durante toda a projeção. As vertentes da história, que citei no início, aparecem como complicadores, porque são usadas apenas para “apresentar” a protagonista e depois desaparecem sem muitas ressalvas. Após algumas idas e vindas, o roteiro centra-se na história principal, que traz sequências explicativas do passado dos personagens. Dessas sequências, a única ruim e absurdamente muito longa é a que Alice, quando pequena, sofre um acidente que a deixará marcada por toda a vida.

O trabalho realizado a partir do lirismo sugerido no título consta até o final da obra, mas seu efeito sobre o espectador e mesmo o seu significado passam por diversas mudanças. Com o desacelerar do ritmo, a saída mais prática (e provavelmente a única, uma daquelas ingratas armadilhas do roteiro) foi promover um encontro entre os protagonistas, um encontro onde nada acontece e tudo é sutilmente sugerido. O filme não termina de forma abrupta, todavia, parece-nos que falta algo a ser dito, algo que não vem. Seja pela edição, pela competente direção e ótima história, o filme vale a pena ser visto. É importante, no entanto, que o espectador saiba que não vai encontrar nada completo, especialmente no desfecho.

Longe da emotividade trazida por Moretti em O Quarto do Filho ou da difícil relação humana que vemos em outros filmes italianos recentes como Prefiro o Barulho do Mar e As Chaves de Casa, A Solidão dos Números Primos sugere o afastamento, a indiferença, o silêncio compartilhado, a busca interior solitária e angustiante. Nesse ponto, a obra é boa: traz para a tela o motivo exato previsto no título. Em outros pontos, falta aquele ingrediente que é impossível definir, talvez porque ele esteja em nós mesmos ou talvez porque não era (?) para estar lá.

A Solidão dos Números Primos (La Solitudine Dei Numeri Primi) – Itália, Alemanha, França, , 2010
Direção:
Saverio Constanzo
Roteiro: Paolo Giordano, Saverio Constanzo (adaptação da obra de Paolo Giordano)
Elenco: Alba Rohrwacher, Luca Marinelli, Martina Albano, Arinna Nastro, Tommaso Neri, Vittorio Lomartire, Aurora Rufino, Isabella Rossellini
Duração: 118min.

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