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Crítica | À Sombra de Uma Mulher

por Luiz Santiago
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SPOILERS!

Das muitas dificuldades que sempre trabalhou nos relacionamentos de seus personagens, a traição é sempre a que mais nuances Philippe Garrel costuma dar. Algumas vezes, como ocorre neste À Sombra de Uma Mulher (2015), este tratamento é bastante afetado por particularidades que não oferecem nada ou muito pouco para o filme a longo prazo, constituindo um problema de ligação entre os atos que sempre cobra o seu preço ao final da película. Claro que estas peculiaridades ajudam a construir o caráter de um determinado personagem, mas isso tem pouco impacto real, porque o diretor costuma a trabalhar com pares dramáticos, desenvolvendo-se paralelamente, de modo que percepções muito pontuais assim, isoladas, se perdem no decorrer da obra. Isto é o que podemos ver na visão de Pierre (Stanislas Merhar) para o que é a traição.

Pierre é um documentarista que trabalha ao lado de sua esposa Manon (Clotilde Courau), que faz a montagem das produções. O relacionamento parece feliz, apesar de haver um certo afastamento de Pierre e relação à mulher. Sua frieza e/ou dificuldade de mostrar sentimentos incomoda Manon, mas num primeiro momento isso não é um real problema para os dois. A vida cotidiana, os projetos cinematográficos, a tentativa de fazer um filme de sucesso e as pequenas brigas tomam o tempo da dupla de maneira simples. A rotina não é opressiva, nem atraente. Apenas a rotina. Nesse espaço cinza é que vemos se desenvolver a personalidade do casal, que ouvimos alguns de seus sonhos e uma porção de suas indignações. A porta então é aberta para o pivô do conflito: a traição.

Até o momento em que o ato acontece, a direção de Philippe Garrel é bastante contida. A intenção primária de mostrar os personagens com cuidado exigiu um tipo de composição de quadros e até ritmo de montagem diferente daquele que o filme ganhará no ato final, embora a mudança não seja brusca. Com as verdades trazidas à tona a partir da traição — até então não existiam conflitos intensos em cena, e é este evento que forma os verdadeiros conflitos –, nós nos preocupamos muito mais com o que pensam e sentem os personagens. Elisabeth (Lena Paugam) ganha destaque no momento certo, aos poucos colocando Pierre em uma encruzilhada de sentimentos e escolha, situação que fará as opiniões machistas do personagem virem à tona. Neste ponto é que o roteiro começa a ser afetado pelas particularidades que citei no parágrafo de abertura. Esse tipo de posição muito íntima, com ares de discussão sociológica ou talvez filosófica, não combina com o filme. É algo exclusivo para o personagem de Pierre, que é extremamente passivo e indiferente ao mundo, o que faz com que essa visão torta ligada à “moralidade da traição” seja ainda mais incômoda e solta no filme.

Na reta final, a obra volta a ganhar fôlego; a direção volta a ser elegante e a trilha sonora ganha um belo significado romântico. Os diálogos são muito precisos no encerramento, jogando com as incertezas, vontades não ditas e ego do casal. O último momento, com a revelação sobre o falso soldado da Resistência Francesa, na Segunda Guerra Mundial, e a verdade sentimental do casal separado cria um momento bastante doce, coroado com um dos abraços mais gostosos de se ver na tela. À Sombra de Uma Mulher fala sobre companheirismo, sobre amor e sobre a dificuldade que algumas pessoas têm de demonstrar sentimentos ou reconhecer que alguém lhe faz bem. O filme não trabalha isso como um vício e nem elenca personagens ultra emotivos para falar sobre o tema. A reflexão ganha fôlego pelo realismo simples e tocante com que os laços humanos são mostrados. Mesmo que tropece parcialmente no desenvolvimento, no fim, o resultado é acalentador.

À Sombra de Uma Mulher (L’ombre des femmes) — França, Suíça, 2015
Direção: Philippe Garrel
Roteiro: Jean-Claude Carrière, Caroline Deruas-Garrel, Arlette Langmann, Philippe Garrel
Elenco: Clotilde Courau, Stanislas Merhar, Lena Paugam, Vimala Pons, Antoinette Moya, Jean Pommier, Thérèse Quentin, Mounir Margoum, Claude Desmecht, Christian Cousquer, Michel Charrel, Louis Garrel, Suzanne Szerman, Jean Masini, Robert Potsztein
Duração: 73 min.

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