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Crítica | A Tartaruga Vermelha

por Handerson Ornelas
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Desde quando você ouve aquele velho ditado “uma imagem vale mais que mil palavras”? Pois tal afirmação chega muito próxima de encapsular a mais nova animação do Estúdio Ghibli, extremamente aclamada em Cannes e que chega ao Brasil por meio do Anima Mundi. Embora carregue o título pesado de nova produção do famoso estúdio de animação japonês, trata-se, na verdade, uma co-produção com o estúdio francês Why Not Productions e a distribuidora Wild Bunch. Tal fato não rebaixa em nada A Tartaruga Vermelha. Muito pelo contrário, une as forças de duas potências da animação (Japão e França) afim de criar uma obra que carrega características suficientes para ser um marco do gênero.

Há uma aura grandiosa e peculiar por trás do longa. A começar pelo logo do Estúdio Ghibli surgindo em vermelho (é costumeiramente azul), os créditos iniciais mostrados em uma fonte bastante simples e um estranho silêncio. Somos apresentados a um personagem náufrago que se vê preso em uma ilha após uma séria tempestade. Desesperado, ele tenta escapar de lá várias vezes, mas uma misteriosa tartaruga vermelha surge em seu caminho.

O filme chama atenção por inúmeros fatores, mas um é central: não há sequer uma linha de diálogo, sequer uma frase. Tudo é trabalhado por intermédio de um roteiro sutil, inteligente e emocionante. Ao invés de falas, o visual é o ponto principal aqui, servindo de guia para o roteiro junto do silêncio e do pontual uso da trilha sonora. Os recursos utilizados para se contar a história são do mais alto nível artístico, dando uma aula de como a música ou o silêncio podem ser importantes na compreensão de uma cena, de como tão pouco é necessário para demonstrar a troca de informações e sentimentos entre personagens. Olhando esse aspecto o nome de Isao Takahata (Túmulo dos Vagalumes) como produtor artístico salta aos olhos principalmente sabendo sua íntima relação com a música nos filmes em que trabalha.

Se muito já é elogiado a respeito da beleza nas animações do selo Ghibli, fica difícil definir A Tartaruga Vermelha através de adjetivos já que se trata de possivelmente uma das mais belas animações já feitas. E grande parte desse mérito reside na produção francesa que eleva ao máximo toda a riqueza ambientalista característica dos filmes de Hayao Miyazaki, fundindo os traços de animação belga/francesa aos fluidos movimentos japoneses. A paleta de cores aqui é belíssima, cada cena facilmente poderia ser emoldurada, seja seu infinito e imponente mar azul (sempre mostrado em larga escala, assim como outros detalhes da ilha) ou as noites acizentadas com seu céu estrelado, transmitindo uma tristeza contemplativa claramente proposital.

Seguindo o manual sempre assertivo do estúdio japonês, temos novamente o fator fantasia apresentado aqui, contado com requintes de fábula semelhante ao excelente O Conto da Princesa Kaguya, embora a isenção de diálogo passe um fator único e atemporal a obra. Afinal, o trabalho do diretor Michael Dudok de Wit (que embora seja estreante como diretor de longas, já trabalhou de animador em obras como Fantasia 2000 e Heavy Metal: Universo em Fantasia) se baseia em sutilezas de roteiro, no visual arrebatador e no inteligente uso da música para emocionar sem precisar recorrer a traduções, sem enfrentar a barreira da língua. Há uma delicada mensagem sobre família e relacionamentos que, embora para lá de batida dentro do estilo, é explorada de uma maneira que pode fazer até o cinéfilo mais durão chorar.

Após a aposentadoria de Miyazaki e, em seguida, o surgimento de tristes declarações de que o Estúdio Ghibli viria a fechar as portas ou ao menos diminuir a produtividade, assistir A Tartaruga Vermelha tem uma importância enorme para o fã de animação, como se presenciasse um milagre acontecendo. Trata-se de animação feita no seu mais alto nível artístico, algo inesquecível para aqueles atentos a ela.

A Tartaruga Vermelha (La Tortue rouge – 2016)
Direção: Michael Dudok de Wit
Roteiro: Michael Dudok de Wit, Pascale Ferran
Duração: 80 min.

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