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Crítica | A Última Noite de Bóris Grushenko

por Leonardo Campos
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Integrante da chamada primeira fase do cinema de Woody Allen, A Última Noite de Boris Krushengo é uma comédia que apresenta o cineasta, mais uma vez como ator e roteirista de seu processo, a gravitar num universo nada comedido de reflexões filosóficas, referências literárias clássicas, humor histriônico e muita, mas muita neurose, elementos que formam os pilares do estilo adotado pelo realizador nos anos 1970, retomado algumas vezes em produções posteriores. Na produção, o amor e a morte se tornam tópicos duais do afiado texto, representado pelos diálogos do bufão Boris Krushengo (Allen), um homem russo que durante determinado momento do século XIX, aguarda a sua sentença de morte pelas mãos dos franceses, além de supostamente fazer parte de uma conspiração contra ninguém menos que Napoleão Bonaparte.

Durante os momentos em que aguarda a sua sentença, rememora a sua vida, da infância ao dia em que se alistou, tendo em vista defender o seu país das invasões napoleônicas. Acompanhado pela cuidadosa direção de fotografia assinada por Ghislain Cloquet, responsável por um painel de enquadramentos deslumbrantes, o verborrágico protagonista põe em cena as suas memórias, inseguranças e desejos por meio de seu desempenho dramático histriônico, complementado pela presença de Sonja (Diane Keaton), uma mulher forte e de postura filosófica, constantemente interessada em desfrutar os prazeres do sexo. Ela é interesse amoro de Krushengo, mas demonstra inclinações para Ivan (Henry Czarniak), irmão do homem que a deseja verdadeiramente. O problema é que ele sequer volta os seus olhos para moça, focado em outras aventuras para a sua vida sexual e sentimental, conflito adicional para o filme já carregado de questões filosóficas abordadas por meio do humor do cineasta, debochado, mas consciente.

A conscientização, por sua vez, não está apenas na exposição de punhados de filosofia e literatura nos diálogos, lugares e nomes de personagens. Woody Allen flerta com temas sérios por meio da piada, estratégia de problematização dos temas a que se propôs incitar ao longo dos 85 minutos de A Última Noite de Boris Krushengo. Ele fala de morte, sofrimento, vida, sobrevivência, descrença no divino, com narrações questionadoras e reflexivas, tais como “a raça humana não está condenada a um crime que não cometeu?” e “como entrei nessa confusão, eu jamais vou saber, é inacreditável, ser executado por um crime que eu não cometi”. São sementes que germinam em seus filmes posteriores, seja pelo viés do drama ou da comédia.

Pacífico, o protagonista interpretado por Allen atravessa uma narrativa fortemente amparada pela metalinguagem, recurso não utilizado de maneira aleatória, mas fincada nas bases de quem possui muito conhecimento literário e cinematográfico para flertar com luxo. Com uma história imersa no contexto de Guerra e Paz, romance de Tolstói, o filme também dialoga com os Irmãos Karamazov, obra constante na filmografia do cineasta, aqui citado brevemente e também referenciado pelo sobrenome do protagonista. Grushenka é o nome da personagem feminina de maior destaque no livro de Dostoievski, escritor que também é referenciado com sua obra-prima Crime e Castigo, seja por emulações de algumas ideias, transformadas em ação nos diálogos e resoluções de conflitos, bem como em citações, presentes em algumas passagens do filme.

Ainda no terreno metalinguístico, o realizador traz Bergman para as suas cenas, em especial, o famoso plano com os perfis sobrepostos em Persona (me recuso, mas sou obrigado a revelar o título de distribuição brasileira, bizarrice intitulada Quando Duas Mulheres Pecam), além da divertida homenagem ao assombroso espectro da morte, apresentado ao lado de Boris de maneira esfarrapada, sem a construção atmosférica apreensiva de O Sétimo Selo. Os cômicos Irmãos Marx e alguns trechos dos filmes de Eisenstein são parte do processo de intertextualidade nesta comédia lançada em 1975 e estabelecedora de mais um pilar na forte estrutura de Woody Allen no sistema de produção dos anos seguintes.

Ademais, na seara estética, A Última Noite de Boris Krushengo é um avanço do cineasta no domínio da linguagem cinematográfica e da gestão de equipe técnica e elenco. A direção de fotografia, citada anteriormente, cumpre bem as suas funções também na seara da iluminação, setor que valoriza ainda mais a direção de arte de Willy Holt e os figurinos de Gladys De Segonzac. Como de praxe, Woody Allen prefere trilhas já existentes, tendo como foco para o filme em questão, algumas músicas compostas por Prokofiev para dois clássicos soviéticos de Eisenstein. Antes do encerramento, importante ressaltar a força dos coadjuvantes, todos necessários e bem desenhados no design dramático de Allen, em especial, o desempenho de James Tolkan como o desajustado Napoleão Bonaparte, um ícone histórico que integra esta cômica e, talvez trágica (?), saga de Boris Krushengo.

A Última Noite de Bóris Grushenko (Love and Death, EUA, França, 1975)
Direção:
Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Diane Keaton, Georges Adet, Frank Adu, Edmond Ardisson, Féodor Atkine, Albert Augier, Lloyd Batista
Duração: 85 minutos.

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