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Crítica | Adeus Christopher Robin

por Gabriel Carvalho
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“Você está escrevendo um livro? Eu achei que estávamos apenas nos divertindo.

Nós estamos escrevendo um livro e nos divertindo.”

Adeus Christopher Robin tinha o enorme potencial de ser uma das obras mais poderosas a desconstruir uma mentalidade ingênua do seu público sobre os bastidores destrutivos da fama, encarados como uma conquista profissional, mas, por outro lado, revelando-se como possíveis alienadores da vida pessoal. O filme, mesmo sem ter conseguido alcançar o sucesso esperado, realmente tem uma capacidade argumentativa forte nesse quesito, porém, diferentemente de sustentar-se por si só, essa produção britânica, lançada diretamente em vídeo no Brasil, consegue seu grande aliado em uma outra obra, tematicamente relacionada, que chegou ao mundo um ano depois: Christopher Robin – Um Reencontro Inesquecível. A comparação é inevitável, porque, de certa forma, temos dois Christopher Robin, em versões diferenciadas, com discursos completamente destoantes. Uma obra é sobre reencontro, de uma criança com a sua infância, enquanto a outra obra é sobre despedida, de uma criança da sua infância. Adeus Christopher Robin é um longa-metragem biográfico, buscando a verdade na vida pessoal de A. A. Milne (Domnhall Gleeson), criador de Christopher Robin (Will Tilston), o garoto das aventuras compartilhadas com o Ursinho Pooh e companhia, inspirado no seu próprio filho, marcado eternamente por compartilhar o mesmo nome com o icônico personagem da literatura.

O poder de comparação é imediato. A. A. Milne é raramente chamado dessa forma no longa-metragem, assim como Christopher Robin, sendo apelidados, respectivamente, de Blue e Billy Moon. Simon Curtis quer nos distanciar de qualquer visão infantil sobre o mundo criado pelo autor, sendo este um trabalho de desconstrução, enquanto o de Christopher Robin – Um Reencontro Inesquecível era de reconstrução. O desgosto do garoto pelo ursinho das histórias do seu pai, encarado como um outro personagem que não a sua própria pelúcia, especial por ser apenas seu, é um baque ao espectador, apaixonado por Pooh e companhia. Curtis quer o seu público, até um certo ponto, desprezando essa criação, dada uma individualidade mentirosa, de crianças correndo atrás de um produto impessoal, simplesmente capitalista, visto o imenso contraste entre o bicho de pelúcia na mão de uma criação e as centenas de caixas de reproduções do, agora denominado, Winnie the Pooh, o Ursinho Pooh. A infância de Billy Moon é desfeita dessa maneira, com as suas memórias tornando-se as mesmas de milhares de outras crianças, indiferentes a elas, também indo de encontro, posteriormente, ao grande mal da adolescência. Como passar despercebido no mundo quando seu nome é Christopher Robin, não muito tempo depois de seu pai alcançar o estrelato, colocando, todavia, todo o peso da fama em seus ombros, tornando Christopher Robin mais popular que A. A. Milne?

A grande infelicidade do longa-metragem é, logo no início, ele se auto-sabotar, indicando por onde a narrativa irá caminhar, preparando certo terreno precipitadamente. Os indícios de pessimismo são bastante claros, embora a obra busque uma redenção, interessada no realismo, não no reencontro inesquecível, otimista e esperançoso, desinteressante para Simon Curtis. Quando o filme já apresenta uma trajetória definida no seu início, consideravelmente óbvia, a obra parece ser desonesta em sua decisão de subverter esta ordem, mais para frente, embora não careça, por isso, de um impacto na ideia. A história vai além da análise sobre infância, desenvolvendo seu corpo muito mais nas relações paternas e maternas. O pai, incorporado pela atuação certeira de Gleeson, sabendo ser ausente, falho como uma figura paterna, mas sem desmoronar-se empaticamente com o público, enxergando-o muito mais com tristeza, percebendo as contradições do ambiente em que vive, das contas que precisa pagar, do que com repulsa, é um homem da Primeira Guerra. Christopher Robin será um homem da Segunda Guerra, um espaço para poder ser qualquer um – um nome em um uniforme. Estamos diante de duas pessoas que sofrerão pelas mãos de algo incontrolável, mas que sofrem muito mais por aquilo que poderia ter sido controlado. Adeus Christopher Robin consegue, muitíssimo bem, nos mostrar pai e filho divertindo-se como nunca antes e como nunca depois.

A ótima interpretação de Domnhall Gleeson, porém, é evidenciada ainda mais quando em conjunto com a ótima interpretação de Margot Robbie, no papel de Daphne Milne. A figura do chefe de família é desmantelada, indo a esse caminho do arquétipo do pai ausente, mesmo presente, dando margem para uma mulher que tem as rédeas do controle familiar, para o bem e para o mal, nas mãos. De uma possível depressão pós-parto, Daphne é uma mãe intransigente, que, provavelmente, ama seu filho, mas nunca soube amá-lo tanto quanto uma outra mulher o amou, a babá Olive (Kelly McDonald), neste mundo onde o melhor amigo de uma criança não é um ursinho de pelúcia, mas uma funcionária paga pela família. Da relação inicialmente impessoal, nasce uma grande relação pessoal, o exato oposto que acontece com Christopher Robin e seus bichos de pelúcia, cada vez mais distantes do garoto. A personagem, no final das contas, toma um papel de antagonista, o que, por outro lado, a desumaniza. A depressão pós-parto não é realmente bem trabalhada, mas também seria difícil conseguir entrar em um caminho menos maniqueísta quando as aparências são assim. Os grandes conflitos do filme são originados de sua presença, enquanto as consequências negativas para Billy Moon, quando relacionadas a Milne, voltam-se muito mais a uma ingenuidade, negligência, do que a uma malícia, interessada em segundas intenções.

O drama biográfico, apesar de conseguir trabalhar bem os efeitos da Primeira Guerra Mundial no protagonista, dando margem a sua ótica pacifista, evidente nas tentativas de lançar um livro sobre a paz, com o intuito de conseguir prevenir o mundo  – de modo falho – de um outro evento desse porte, acaba sendo muito mais desgostoso com a obra de A. A. Milne do que deveria, por esquecer de investigar uma outra ótica do personagem de Gleeson, buscando levar aquela felicidade de seu filho, imaginação e criatividade, para todo o mundo. O filme entra em desacordo nessa pontuação quando reconcilia pai e filho de modo mais simplista, atravessando a juventude de Billy Moon de uma maneira muito ríspida, sem atenção. Quando Robin, agora interpretado por Alex Lawther, reconta momentos que presenciou na guerra, sendo um, comovente caso mostrado em cena, envolvendo o Ursinho Pooh, o texto torna-se expositivo, quando poderia impactar de outras formas, mostrando a jornada vivida, levando personagem de um ponto para outro, mais verdadeiramente. Adeus Christopher Robin tem sua carga emocional, invariavelmente. A história é sobre pai e filho, atemporalmente próximos na última cena, porque apenas foram próximos em um único momento do passado. Daquela efemeridade que a obra, bem sacana, sabe trazer à tona uma última vez, sentimentalista, obviamente, mas nos fazendo acreditar, no final das contas, mais do que Um Reencontro Inesquecível.

Adeus Christopher Robin (Goodbye Christopher Robin) – Reino Unido, 2017
Direção:
 Simon Curtis
Roteiro: Frank Cottrell Boyce, Simon Vaughan
Elenco: Kelly Macdonald, Margot Robbie, Domnhall Gleeson, Will Tilston, Alex Lawther, Stephen Campbell Moore, Richard McCabe, Geradine Sommerville, Mossie Smith, Vicki Pepperdine
Duração: 107 min

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