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Crítica | Adeus, Lênin!

por Fernando Campos
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A queda do muro de Berlim foi um dos acontecimentos mais marcantes do século XX, sendo amplamente noticiado na época e fato que está presente em qualquer livro de História. Porém, muitas vezes, as pessoas focam muito no simbolismo do muro caindo e esquecem de abordar o impacto que isso teve na população da Alemanha Oriental, que até então vivia sobre um regime socialista e do dia para a noite estava em um país de governabilidade diferente. O filme Adeus, Lênin! retrata justamente esse momento histórico, mas não esquece de dar destaque para a história daquela população.

A obra, dirigida por Wolfgang Becker, conta a história de Alexander (Daniel Brühl), que vai às ruas para protestar contra o governo, misturando-se com manifestantes que sua mãe (Kathrin Sass) condena. Ao ver o filho na manifestação, ela sofre um ataque cardíaco, deixando-a em coma no hospital durante oito meses, tempo suficiente para que não assista à queda do muro de Berlim e a implantação do sistema capitalista no país. Quando afinal desperta, Alexander quer preservá-la do choque e a leva para o apartamento da família, cuidadosamente preservado como se a RDA ainda existisse.

Devido ao título Adeus, Lênin! muitos podem pensar que o filme é uma crítica ferrenha ao socialismo, porém não é isso que ocorre, muito pelo contrário. O roteiro, escrito por Becker e Bernd Lichtenberg, dá destaque à censura que ocorria na Alemanha Oriental, como na cena onde pessoas são presas apenas por estarem em uma passeata, mas também aborda a falsa liberdade que o capitalismo proporciona, exemplificado no momento que Alexander é expulso de uma empresa de refrigerantes apenas por estar filmando a fachada do local, além de ser colocado para fora de um banco após tentar reivindicar seus direitos. Essa continuidade na falta de liberdade é retratada de forma brilhante por Becker, quando saem dos prédios as longas faixas vermelhas do Partido Socialista para dar lugar à extensos banners de mesma cor com a frase “Beba Coca-Cola”, um retrato do imperialismo norte-americano.

Aliás, o longa não apenas retrata a liberdade como sendo algo, às vezes, falso no capitalismo, mas também a capacidade das pessoas em criar felicidades ilusórias nesse sistema, como, por exemplo, a irmã de Alexander, que abandona o curso universitário para ser atendente em uma rede de fast-food, sentindo-se contente por isso devido ao fato de lidar com dinheiro nesse emprego, algo que não fazia antes, sem lembrar que o dinheiro não fica com ela, mas sim com o patrão. O filme ainda mostra que, apesar da euforia inicial, o fim da Alemanha Oriental trouxe mazelas para parte da população de seu antigo país, como o desemprego e falta de assistência social.

Para reconstruir esse período, a obra conta com uma direção de arte bem-feita, evocando aquela época através dos veículos, como o Lada que era muito usado na região, e dos móveis presentes nos cenários, como as televisões de tubo que ocupavam lugar de destaque nas residências. O design de produção ainda contrasta a divisão do país, quando no início a Alemanha Oriental é mostrada com bandeiras espalhadas pelos espaços públicos e uma paleta de cores mais escura, enquanto o lado Ocidental mostra-se mais colorido, devido as diversas propagandas espalhadas naquele lado da cidade de Berlim.

Além disso, o filme não se resume a mostrar apenas a realidade alemã daquela época, mas também cria uma história familiar envolvente e muito bem construída, tendo como destaque a história de Alexander, que viveu grande parte da adolescência sem o pai, sendo criado apenas pela mãe, junto de sua irmã. A obra ainda representa bem alguns dos ciclos da vida, como o filho sendo cuidado pela mãe, para depois a mãe ser cuidada pelo filho. Mesmo que o roteiro não dê tanta atenção para o relacionamento entre Alexander e Lara, desenvolvendo de forma apressada, a história familiar é tocante e mostra que o amor aparece através de gestos, assim como o de Alexander que mudou toda a rotina de seu apartamento para proteger a mãe, fingindo que a Alemanha Oriental não acabou.

Vale destacar que a química entre mãe e filho funciona também graças as interpretações de Daniel Brühl, criando um Alexander ingênuo no início que amadurece com o decorrer do tempo e passa a se decepcionar com o capitalismo, que antes apoiava; e Katrin Sass, que transmite o idealismo de Christiane com o socialismo e toda a limitação que a amnésia trouxe para ela. A fotografia também contribui para estabelecer a relação dos personagens, utilizando constantemente close-ups médios, planos de grupo e de dois, aproximando os personagens do público e reforçando a união e amor que sentem uns pelos outros. Por fim, a trilha sonora dá um tom de leveza paro filme que impede que a história caia no drama exagerado e pesado.

Dito isso, Adeus, Lênin! é brilhante em usar como plano de fundo o contexto político de um país para desenvolver a relação familiar de seus personagens. E mesmo que de forma leve, a obra ainda adota um discurso otimista sobre o socialismo, com um final onde Alexander apresenta para a mãe uma versão da unificação alemã onde o capitalismo fracassou, deixando claro que os pontos negativos ocorridos na Alemanha Oriental, como a censura, não correspondem com o legado de Lênin, pelo contrário, o sistema fracassou devido à ganância dos políticos, que não pensaram mais de forma coletiva, esquecendo da classe trabalhadora. O socialismo real está exemplificado na fala de um dos personagens, que diz “O socialismo não significa viver atrás de um muro. O socialismo significa chegar aos outros e viver com os outros”.

Adeus, Lênin! (Good Bye Lenin!) – Alemanha, 2003.
Direção: Wolfgang Becker
Roteiro: Wolfgang Becker, Bernd Lichtenberg
Elenco: Daniel Brühl, Katrin Sass, Chulpan Khamatova, Maria Simon, Florian Lukas, Alexander Beyer, Burghart Klaußner, Michael Gwisdek, Christine Schorn, Ernst-Georg Schwill
Duração: 121 min.

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