Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Agente Secreto

Crítica | Agente Secreto

por Luiz Santiago
732 views

Em um resumo de leitura simples: Agente Secreto (1936) é um filme vago de motivação dramática e absurdamente insistente em situações que não ajudam a desenvolver a história, apenas desviam o espectador para coisas que o vão chateando cada vez mais, resultando em um produto final que tem momentos isolados de brilhantismo técnico de Alfred Hitchcock na direção e muita coisa que deveria ter sido cortada durante a edição.

A história que vemos na tela é adaptada de duas fontes literárias; a primeira, dos romances muito populares escritos por W. Somerset Maugham, tendo o personagem Ashenden como protagonista. A segunda, da peça escrita por Campbell Dixon, de onde saiu o ponto romântico da película. A junção entre literatura, teatro e cinema não poderia passar incólume a estranhezas narrativas, e este é o ponto que temos de sobra em Agente Secreto.

Um soldado tem a sua morte forjada e é enviado à Suíça pelo alto escalão do Exército para matar um espião alemão. Já em seu destino, ele se encontra com uma esposa arranjada — também espiã — e um parceiro, o curioso General Pompellio Montezuma De La Vilia De Conde De La Rue (que nome fantástico, não?), um alívio cômico interpretado maravilhosamente por Peter Lorre. A trama se passa durante a I Guerra Mundial e ressalta a forte inimizade entre britânicos e germânicos neste momento da História, uma situação que voltaria a se repetir em pouco mais de duas décadas, e de forma bem mais bruta.

Já no início do filme, ficamos às voltas com os motivos escolhidos pelos roteiristas para a criação do pseudo-suspense. Temos uma introdução que nos dá a atender uma rede notadamente intricada de espionagem militar, todavia, o restante da trama é conduzido como sendo o trabalho de um homem só — ou de um homem com dois parceiros — voltando à conexão com o QG apenas no desfecho da obra, cenário que reafirma a questionável ligação amorosa entre os “Ashenden”, piorando ainda mais o problema de foco e sentido do filme.

Depois, não entendemos muito bem o critério de escolha do Exército e que planos tão importantes eram esses. Uma pequena sequência de sobreposições geográficas e jornalísticas é usada por Hitchcock para contornar o problema e adicionar um pouco de contexto à Guerra e ao plano em si, mas isso se perde completamente se levarmos em consideração todo o restante da película. O mais curioso é que no caso da espiã Elsa Carrington (numa interpretação bipolar de Madeleine Carroll), temos uma pessoa completamente desequilibrada, que dá espetáculos sentimentais e surtos nervosos quando se vê próxima a uma situação que envolve assassinato. Que tipo de espiã é essa?

As coisas pioram, quando vemos que um personagem tão duro e apático como Richard Ashenden (um John Gielgud bastante sério e com cara de quem não se importa, mas mesmo assim, ótimo) se enamorar dessa espiã sem preparo psicológico e levar adiante o romance, pondo em riso o próprio objeto de sua missão. O próprio Ashenden tem dúvidas sobre seu papel em toda a história e não quer cometer o tal assassinato, mostrando ele mesmo um grande despreparo. O único relativamente convincente, em especial porque nunca se leva a sério, é o Genal Pompellio. Peter Lorre não deixa escapar o momento de seus olhares sérios, olhos esbugalhados ou revirados, mas também deixa espaço para falas e atitudes bastante irônicas e cínicas, o que gera uma ótima construção geral de sua persona no filme.

A linha de investigação, a rigor, nunca é deixada de lado, mas é interrompida ou pouco trabalhada em detrimento de pequenos caprichos inúteis para o enredo, como o já citado romance, as cenas do cachorro que sente a morte do dono, a festa folclórica suíça, a fábrica de chocolates e por aí vai. Fica claro para o espectador que Hitchcock quis trazer o máximo de elementos tipicamente suíços para o filme, mas acabou exagerando na dose e se perdendo nas entrelinhas que todos esses elementos criaram, numa sequência de ações contendo começo, meio e fim errôneos.

Em meio a tudo isso, salvam-se as pontuais e fantásticas experimentações imagéticas do diretor, com direito a efeitos Kuleshov, contrapontos sonoros e metáforas entre paisagens, objetos, animais e pessoas, uma admirável concepção dramática e estética para um filme com tantos problemas de concepção de enredo.

Agente Secreto não é uma obra memorável de Hitchcock, apesar de já trazer características muito próprias de sua fase maestra dos anos posteriores. Trata-se de uma obra menor, mediana, mas que num momento ou outro garante uma animada erguida de sobrancelha para closes e cenas realmente muito boas, os únicos momentos que irão garantir a validade da sessão.

  • Crítica originalmente publicada em 10 de fevereiro de 2014. Revisada para republicação em 29/12/19, como parte de uma versão definitiva do Especial Alfred Hitchcock aqui no Plano Crítico.

Agente Secreto (Secret Agent) – UK, 1936
Direção:
Alfred Hitchcock
Roteiro: Charles Bennett, Ian Hay, Alma Reville, Jesse Lasky Jr. (baseado na peça de Campbell Dixon e no romance de W. Somerset Maugham).
Elenco: John Gielgud, Peter Lorre, Madeleine Carroll, Robert Young, Percy Marmont, Florence Kahn, Charles Carson, Lilli Palmer
Duração: 86 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais