Home FilmesCríticas Crítica | Alfa (2018)

Crítica | Alfa (2018)

por Gabriel Carvalho
670 views

  • A crítica a seguir é da versão dublada em português-brasileiro do filme.

A amizade entre cachorros e seres humanos já rendeu diversas abordagens cinematográficas. Alfa, em toda a sua simplicidade narrativa, trabalha com aquele que, possivelmente, é o primeiro caso de amor entre essas espécies, muito tempo antes dos cachorros domésticos tornarem-se, pelo menos aqueles de raça, em algum paralelo esquisitíssimo com superioridade ariana, objetos de luxo, custando o preço de um rim, mas, felizmente, dando margem a uma movimentação na adoção daqueles menos “puros”. O comércio de animal doméstico sempre vai ser algo esquisito para mim. A digressão, justamente isso que eu acabei de fazer no texto, é uma característica que não atende esse produção com cara de filme de gigantesco orçamento, mas coração – e orçamento – de obra menor, mas, potencialmente, tão poderosa quanto. A realidade desse ambiente pré-histórico, contudo, é um contraste que ousa funcionar em pormenores, mas não tem poder o suficiente para conseguir alçar voo, indo além das montanhas de uma narrativa há tempo esgotada, pedindo por uma renovação justamente nesse olhar para o seu passado, onde novas histórias e propostas poderiam ser encontradas.

Alfa é uma produção que trabalha com vários “ataques” a animais, pois, diante do período escolhido para compor a escala, contexto e cenário da história, os seres humanos retratados alimentam-se de outros seres vivos para sobreviver, obviamente. A quebra dessa caçada aos animais, nos quais os homens estão, ao mesmo tempo, a parte e dentro dessa condição animalesca, é justamente com a fomentação da amizade entre Alfa e Keda (Kodi Smit-McPhee), jovem garoto que deve retornar a sua família após ser dado como morto. Ao chegar em certo ponto da história, devido ao modo com que a narrativa trabalha a necessidade por comida, uma constante em todo o longa-metragem, pensa-se, nas tentativas de sermos mais inteligente do que a obra, que o lobo seria sacrificado como alimento durante a conclusão da história, dando um peso extremamente destoante para a resolução. O instinto de sobrevivência é uma característica bem desenvolvida e trabalhada no filme, impulsionado pela amizade entre o animal e o garoto, que, sozinho, não convenceria nesse desenvolvimento. De certa forma, algumas atitudes do protagonista – e do roteiro – o condenam nessa evolução de um menino para um homem.

A amizade entre o homem e o animal, portanto, dá origem a um encontro entre as duas espécies, com ambas tornando-se parte de uma tribo só. A intenção da produção é interessante, ainda mais trabalhando tudo isso de uma maneira mais simplificada, entretanto, antes das coisas engrenarem de vez, o enredo possui uns vinte minutos engessados sobre uma história entre pai (Jóhannes Haukur Jóhannesson, um ator que, fisicamente, convenceria como descendente de Orson Welles) e filho que não convence e, no final das contas, acaba por ser sobre isso, e não a amizade entre Keda e o animal propriamente dita. O grande sustentáculo da produção, beirando o campo do cinema “artístico” – uma bobeira, mas de fácil entendimento -, acaba por ser a sua cinematografia. Com inúmeros planos contemplativos da natureza, o escopo visual de Alfa, facilmente categorizando a obra como uma grande coleção de papéis de parede belíssimos, é o ponto mais impressionante para o público, que, provavelmente, não problematizará as ocasionais, mas inócuas, quebras da realidade com a computação gráfica. O orçamento do filme de Albert Hughes, proporcionalmente, não é um dos maiores possíveis para o diretor, mas a grandiloquência é sentida, irrompendo as barreiras orçamentárias.

A ambição de Hughes também é na questão da língua ficcional inventada para o filme. A versão brasileira da obra, porém, ferindo bastante o produto original, impede sua própria identidade, sempre distinta da primária, de ficar fora das considerações sobre o filme. As cópias distribuídas no Brasil são todas dubladas. A obra, no original, não é falada em inglês, mas em uma língua própria daquele período pré-histórico. A versão brasileira, portanto, fica extremamente verborrágica, tirando uma característica linguística que enriqueceu o produto histórico e que, traduzindo, mesmo fielmente ao que os personagens falam, não encontra um correspondente tão fiel quanto. O diretor, nos momentos que carrega a amizade entre o garoto e o lobo, sendo o ápice o momento em que os amigos tomam banho juntos, encontra um propósito para a abordagem dessa relação. Todavia, nessa quebra extrema entre proposta, o seu longa-metragem, às vezes, parece ser um grande episódio do National Geographic ou alguma obra sobre natureza da Disney, ou, em outras situações, uma jornada de provação do frio para o seu pai. Quando a jornada, enfim, termina, apressada e sem fôlego, o sentimento é muito mais de vácuo do que de preenchimento dessa lacuna no espaço-tempo. Os cachorros e os homens, ao menos, continuarão sendo amigos.

Alfa (Alpha) – EUA, 2018
Direção: Albert Hughes
Roteiro: Albert Hughes, Dan Wiedenhaupt
Elenco: Kodi Smit-McPhee, Priya Rajaratnam, Leonor Varela, Jens Hultén, Natassia Malthe, Jóhannes Haukur Jóhannesson, Mercedes de la Zerda, Patrick Flanagan, Spencer Bogaert, Michael Kruse-Dahl, Marcin Kowalczyk, Louis Lay, Blake Point, Kyle Glenn Thomas, Taran Kootenhayoo, Nestor de la Zerda, Nashon Douglas, Morgan Freeman
Duração: 96 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais