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Crítica | Aloys

por Luiz Santiago
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estrelas 3,5

Quando o primeiro take da câmera de Aloys (o excelente Georg Friedrich), protagonista que dá título ao filme, aparece na tela, o espectador entende que algo de muito especial e incomum está para acontecer. E de fato, acontece. O filme Aloys (2016), escrito e dirigido por Tobias Nölle, mostra a jornada de um detetive particular solitário, depressivo, que vive em um apartamento com sua gata e suas inúmeras fitas de vídeo; uma parte de casos que ele investiga; outra parte (a maioria, na verdade) de filmagens aleatórias dele para cenas do cotidiano da cidade onde vive: instantâneos não autorizados de pessoas comuns.

Uma das primeiras coisas que nos chamam a atenção é o cuidado que o diretor teve na apresentação dos espaços cênicos iniciais, utilizando de simetrias incomuns e planos que partem de um foco pequeno para uma grande angular, capturando de maneira poética espaços claustrofóbicos, como se já ressaltasse aí a beleza através do sufocamento, da inerente tristeza e ao mesmo tempo aconchego de uma fotografia escura, permeada de sombras, e uma direção de arte que cria ambientes que nos sugerem um mundo de fantasia. Mas esse Universo urbano de Aloys é muito real. Ou real é a primeira visão que temos do Universo dele. Aos poucos, essa percepção se desloca para um jogo. E a existência dele se transforma.

Como a vida de um detetive particular que acabou de perder o pai pode mudar radicalmente? O que fará este homem silencioso, mal encarado e mal visto pelos vizinhos, quebrar suas correntes e mergulhar em um mundo de sensações onde o drama em sua forma mais básica, o da conexão entre as pessoas, será sua vida ao mesmo tempo real e imaginária?

É verdade que o espectador estaciona nos exageros e repetições do diretor. Para um filme visualmente tão bem pensado, cheio de metáforas e simbolismos visuais, o retorno de algumas cenas, como em um ciclo comportamental, ao invés da criação de figuras de expressão novas, é, no mínimo, estranho.

De mãos dadas com estas repetições, a “vida de maravilhas” vai crescendo e tomando conta do protagonista, tornando o roteiro mais cifrado, a ponto de confundir o público com tantas idas e voltas realizadas entre os mais diversos personagens. É preciso muita atenção para acompanhar o trabalho da montagem e seguir a linha da realidade alterada de Aloys, que por sua manipulação de material de vídeo e som, nos traz lembranças de A Conversação (1974), apontando, inclusive, uma das grandes preocupações de nosso tempo, que é a vigilância por câmeras. Seja de forma oficial ou informal, estamos sendo filmados e nossas conversas sendo gravadas “para a nossa própria segurança”. É um depósito de informações pessoais que destaca um pedaço da nossa vida para servir de prova ou desculpa para alguma coisa. Em Aloys, este lado da existência é o mais importante. E o protagonista tem bons motivos para acreditar nisso.

O jogo que ele aceita participar, quando algo acontece com o seu material de trabalho, é praticamente o motivo que o Coelho Branco precisava para levá-lo (ele: a Alice melancólica) a um buraco onde cenas de sonho/alucinação talvez venham apostar corrida com Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004). Como apontei antes, elas se tornam um pequeno exagero na forma, mas não diminuem o interesse do espectador pela obra. Aliado ao cenário tecnológico, arquitetônico e figurinista das décadas de 60 e 70, temos um deslocamento interessantíssimo, pois, ao mesmo tempo que entendemos o longa como situado nos dias atuais (início dos anos 2010, pelo menos), há muita tecnologia e elementos cênicos do passado. O trabalho artístico é, com certeza, um dos grandes destaques do filme, tanto para fazer com que vejamos o outro lado da depressão ou fuga de Aloys, quanto pela forma como o conecta a Vera.

De repente, o filme se torna uma avenida de solidão visitada por imagens e resultados de um primeiro encontro. De repente a frieza do ambiente, os planos fechados no rosto do protagonista, a passagem de um indivíduo para o outro, todos os indícios de prisão se tornam maneiras de se encontrar, de se sentir útil e presente no mundo usando de suas próprias ferramentas. Talvez o diretor e roteirista tenha se deixado levar demais por estes sonhos, sem um critério mais pesado para fazê-lo terminar de forma que nós entendêssemos o processo. Mas o mistério aí também é bem vindo. E nos deixa com a beleza simples do companheirismo. O lugar onde antes era desapego, mas tornou-se, quem sabe, um lugar de aproximação.

Aloys (Suíça, França, 2016)
Direção: Tobias Nölle
Roteiro: Tobias Nölle
Elenco: Georg Friedrich, Tilde von Overbeck, Kamil Krejcí, Yufei Li, Koi Lee, Sebastian Krähenbühl, Karl Friedrich, Peter Zumstein, Agnes Lampkin, Rahel Hubacher, Haroldo Simao
Duração: 91 min.

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