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Crítica | Amantes Eternos

por Guilherme Coral
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estrelas 5,0

Presentes na história do cinema desde sua origem, a figura do vampiro já passou por inúmeras visões que alteram não só sua forma como o próprio tom de cada obra. Do terror, com Nosferatu, passando por uma abordagem mais intimista como em Quando Chega a Escuridão, até produções mais teen como Academia de Vampiros, os sugadores de sangue parecem ter oferecido tudo o que podiam, gerando uma temática que soa exaurida. Felizmente, vez ou outra, nos pegamos diante de uma obra que nos prova o contrário, exibindo a velha figura vampiresca, mas ainda assim cativando. Este é o caso de Amantes Eternos.

Um plano zenital, com movimentos espiralados, nos joga na história íntima de Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton), mimetizando o movimento de um vinil sendo reproduzido. Essa narrativa de dois amantes, criaturas da noite, já soa caótico desde os segundos iniciais, mas há uma estranha calma dentro de todo esse caos que nos força a uma contemplação imediata. Não há um grande enredo que nos mantenha atento e sim uma atmosfera singular criada pelo trabalho da direção de Jim Jarmusch aliado ao seu elenco cuidadosamente escolhido. Tom encarna a perfeita figura depressiva, um homem fora de seu tempo que não só vê, como se refere à humanidade como “zumbis”, refletindo sua completa separação deste grupo. Do outro lado, temos Tilda na pele de Eve, que visivelmente se vê desconcertada pela falta de motivação de seu companheiro, por mais que, de fato, jamais coloque isso em palavras. Ao longo da obra, porém, se torna praticamente impossível separar ambas as partes, ao passo que constituem uma única peça fundamental dentro da narrativa.

Com diálogos bem escritos, o roteiro, também de Jarmusch, brinca com a figura do vampiro, ao mesmo tempo que constrói as personalidades de seus dois protagonistas. Para tal, utiliza figuras históricas, como Byron e Shelley para definir tão bem o personagem que é Adam, que parece ter sido tirado diretamente das páginas de um ultrarromântico. É o mal-do-século se fazendo novamente presente. Tal depressão, contudo, funciona somente para aproximar os dois amantes seculares, revelando até mesmo um caráter cíclico em suas vidas, um padrão que culmina neste ponto exato onde somos inseridos. Mais uma vez os trabalhos de Hiddleston e Swinton se destacam, nos trazendo uma relação íntima que sustenta o longa-metragem por inteiro. Tanto nos momentos de silêncio, pontuados pela trilha de Jozef van Wissen, quanto nos diálogos, conseguimos nos identificar com ambas as criaturas, passando a partilhar suas angústias tão bem ilustradas na tela.

Com isso em mente, fica impossível não nos remetermos, automaticamente, à obra de Anne Rice, a quem o filme muito deve. Por mais que estejamos diante de vampiros, esta é uma narrativa humana, que foca neste mal-estar constante, chegando a tendências suicidas. A tristeza representada por Adam facilmente nos lembra a de Louis em Entrevista com o Vampiro, cujo constante dilema é tão bem trabalhado durante o livro. As semelhanças, porém, vão além do personagem, se estendendo para o forte tom de solidão presente em ambas as obras. Para solidificar tal característica, a fotografia de Yorick Le Saux oscila entre planos gerais e closes quando nas ruas, tornando clara a separação entre esses seres da noite e os dois protagonistas. Quando estão juntos, contudo, vemos enquadramentos que captam os dois, fazendo uso de sutis movimentos para não separá-los com os cortes dos comuns planos e contra-planos, que se fazem presentes em pouca quantidade.

Mais uma vez a música ocupa um papel central, nos mergulhando no tão visível afastamento do restante da sociedade. O que mais chama a atenção, porém, é sua aparente diegese, fazendo parecer como se os próprios personagens também escutassem aquelas notas emitidas de um instrumento solitário, em geral do alaúde. Aqui se torna importante ressaltar o paralelo criado – Adam não só exibe uma forte paixão pela música, como é também um músico, tocando em diversas sequências o violão, guitarra e, é claro, o alaúde. A cuidadosa atmosfera, portanto, ganha ainda mais força e, na metade da projeção, já nos submergiu por completo, nos mantendo presos até os segundos finais.

Quando os créditos, enfim, começam a rolar, nos vemos presos em um distinto transe que nos impede de realizar qualquer movimento. Paramos e escutamos aquelas notas da tão pungente trilha, nos recusando a deixar de lado Adam e Eve, duas figuras tão distintas, mas que se tornam um só quando estão próximos. Amantes Eternos é um filme para se sentir, para respirar e ouvir, preferencialmente no escuro. A experiência de assisti-lo sozinho é válida e recomendada, ao passo que permite a ainda maior imersão que a obra provoca, provando, mais uma vez, que os vampiros continuam tão fascinantes quanto nas origens do cinema.

Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive – Reino Unido/ Alemanha/ Grécia, 2013)
Direção:
Jim Jarmusch
Roteiro:
Jim Jarmusch
Elenco:
Tilda Swinton, Tom Hiddleston, Mia Wasikowska, John Hurt, Anton Yelchin, Jeffrey Wright
Duração:
123 min.

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