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Crítica | Amar e Morrer (1958)

por Ritter Fan
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Apreciar Amar e Morrer pode ser fácil se esquecermos o uniforme do protagonista, um soldado alemão passando três semanas de licença depois de lutar por dois anos na Segunda Guerra Mundial. Vivido pelo então desconhecido ator americano John Gavin, o personagem é bonito, amável e cheio de dúvidas sobre o que é certo e o que é errado, algo que fica evidente logo no introito quando quase (e a palavra chave é “quase”) se recusa a fuzilar civis no front russo. Chegando em sua cidade natal em desesperada procura por seus pais, ele se apaixona por uma jovem e o filme foca nesse improvável relacionamento em um tempo de destruição máxima, com a Alemanha nazista na esquina de ser definitivamente derrotada.

No entanto, ao lembrarmos que Ernst Graeber (o personagem de Gavin) é alemão, que matou inocentes e que fica claro que ele sabe mais dos horrores da guerra que deixa entrever, o espectador é jogando na dúvida. Afinal, como simpatizar com ele? Ele é o inimigo! Pode não ser um membro da SS ou da Gestapo, mas, mesmo assim, Douglas Sirk nos pede que simpatizemos por ele, que vivamos essa sua vida e não a de outra pessoa do lado de lá do conflito.

E aí é que, de repente, percebemos o feito que o diretor alcançou em Amar e Morrer, seu penúltimo longa. Em poucas palavras, pode-se dizer que essa fita é uma das mais importantes obras de Sirk e um grande libelo anti-belicista de talvez o maior romancista alemão com essa pegada: Erich Maria Remarque, que faz ele próprio uma ponta no filme como o Professor Pohlmann, perseguido pelos nazistas por ajudar judeus.

Sirk, alemão radicado nos EUA, volta à sua terra natal – o filme foi fotografado em locação em estúdio na Alemanha Ocidental – e, sem qualquer traço de vergonha, manobra o espectador como ninguém, fazendo-nos simpatizar imediatamente com Graeber, mesmo antes de ele chegar em sua cidade natal. E essa identificação com o personagem aumenta graças à atuação estilo “homem comum” de Gavin, sob a certeira batuta de Sirk, que não permite muito facilmente que atitude galã do ator enevoe o objetivo de seu trabalho, que é primordialmente discutir sobre quem é o responsável por atos terríveis, o mandante ou o mandado, quem dá as ordens ou quem as recebe ou se é uma mistura dos dois.

Mais até do que nos fazer gostar de Graeber, Sirk, ao nos impedir uma perspectiva externa – nunca vemos os soldados Aliados – deixa evidente que o povo alemão, aqueles de pequenos vilarejos e cidades, sofreu tanto quanto qualquer outro povo passando por uma guerra, com bombardeios constantes, fome, doenças e a perspectiva de morte a qualquer momento. Tendemos a esquecer isso, não é mesmo? Esquecemos que a história é contada pelos vitoriosos e é fácil simpatizar com franceses, ingleses e americanos, mas não com a dureza da vida dos alemães comuns, aqueles que não fazem ideia do que se passa ao redor.

Para impulsionar essa trama sombria para frente, o roteiro de Orin Jannings, que sofreu intervenções do próprio Remarque carrega um pouco no melodrama, algo já esperado de uma obra de Sirk, na verdade, floreando talvez exageradamente o romance de Graeber com Elizabeth Kruse (Liselotte “Lilo” Pulver) e fazendo paralelos visuais com a primavera antecipada não naturalmente, mas pelo calor das bombas agindo na vegetação local. A metáfora funciona, mas o que realmente nos amarra na simples, mas grave história é a química entre Gavin e Pulver. É simplesmente impossível não ficar aflito com o amor quase inocente entre os dois, com o sorriso absolutamente inebriante de Pulver (é de se apaixonar à primeira vista, literalmente) e pelo tom fatídico da trilha sonora e, claro, pelo título da obra, que é um spoiler em si mesmo, mas um spoiler que já esperamos, que aprendemos que é inevitável, mas que desejamos, lá no fundo e com muita força que não se realize. É Sirk, mais uma vez, nos fazendo sair em defesa do soldado alemão, do inimigo, do mandatário de ordens moralmente inaceitáveis.

Agora imaginem vocês isso em 1958, meros 13 anos após o final da guerra. Imaginem um diretor pedindo – exigindo e conseguindo! – que você torça pelo “nazista”, pelo representante do Holocausto. Imaginem a coragem desse filme em sua época, coragem essa ainda perfeitamente palpável nos dias de hoje (o filme chegou a ser banido em Israel pela visão “simpática” dos alemães). O que Sirk conseguiu em Amar e Morrer, considerando quando e onde conseguiu, é quase inacreditável.

Ajuda muito o realismo da obra o fato de ela ter sido filmada grande parte em locação. O ar de urgência se mantém com uma fotografia severa e paleta de cores entristecidas, mas com momentos de cores alegres, mas não tanto, que lembram, mas não nos deixam ver tempos de paz, como a cor rosa do vestido de Kruse que ecoa o rosa da “flor da guerra” nascendo de uma árvore semi-destruída.

Apreciar Amar e Morrer é dolorosamente fácil. O tom finalista e moralista já imposto no título e a armadilha armada por Sirk nos arremessa para algo que não queremos gostar, mas que não podemos evitar. É a magia do Cinema nos pregando peças e nos fazendo pensar.

Amar e Morrer (A Time to Love and a Time to Die, EUA/Alemanha Ocidental – 1958)
Direção: Douglas Sirk
Roteiro: Orin Jannings (baseado em romance de Erich Maria Remarque)
Elenco: John Gavin, Liselotte Pulver, Jock Mahoney, Don DeFore, Keenan Wynn, Erich Maria Remarque, Dieter Borsche, Barbara Rütting, Thayer David, Charles Regnier, Dorothea Wieck
Duração: 132 min.

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