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Crítica | “America” – Thirty Seconds to Mars

por Velho Chato
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Falar de Thirty Seconds to Mars é falar, obviamente, da banda de Jared Leto. Leto que, por si só, dispensa grandes apresentações, é um verdadeiro superstar : artista multitarefas, é ator, produtor, cantor, multi-instrumentista, etc., etc., etc… Figura cultuada e já consagrada entre os maiores nomes da atualidade em Hollywood, é também sensação no streaming, nas redes sociais (com seus mais de 10 milhões de seguidores só no Instagram), na vida… enfim, o cara é uma unanimidade social. Bonito. Rico. Famoso. Bon vivant. Jared Leto é, realmente, um homem no topo.

  • Jared

E é óbvio que ele não chegou até ali de paraquedas. Jared sempre foi bastante reconhecido pelas variadas formas (e deformas) já assumidas para interpretar seus excêntricos (e espetaculares) papéis no cinema, ao longo dos anos. Sempre foi um ator — um artista — de mão cheia, do tipo que corre de repetir o mesmo personagem e está sempre buscando novos desafios. Espécime rara em sua geração, já ganhou Oscar, já namorou incontáveis atrizes e cantoras do mainstream mundial, já ganhou o mundo…

E o astro, não satisfeito em brilhar apenas no âmbito da sétima arte, decidiu formar, há 20 anos atrás, sua primeira banda de rock — o Thirty Seconds to Mars, com o irmão mais velho, o baterista Shannon Leto.

  • A Banda

Sim, é isso mesmo: já são 20 anos de história da banda, formada em 1998. Contando hoje com um catálogo de respeito e base de fãs bastante robusta, já rodaram o globo em turnês de divulgação de seus discos — especialmente após o estrondoso sucesso do segundo álbum, com o pop-rock futurista de A Beautiful Lie.

Com direito a clipes de orçamentos milionários e toda a pompa oferecida pelas gravadoras de peso, esse disco foi o grande divisor de águas na carreira banda. A partir dali, foram catapultados a todo um novo patamar na cena. Receberam certificados e premiações em diversos países mundo afora, fizeram turnês com lotações esgotadas, figuraram como headliner dos principais festivais de rock da atualidade…ou seja: Jared Leto conseguiu a façanha de “zerar a vida” não apenas no cinema, mas na música também! E é aí que veio o problema.

  • O Problema

Mas como diabos poderia haver qualquer coisa de errado com um verdadeiro conto de fadas como esse? Simples. No epicentro de toda a questão ali: na música, na arte. Até A Beautiful Lie, a banda vinha apresentando um rock moderno até interessante, consistente. Nada que houvesse trazido algo de realmente novo ao gênero, mas ao menos eram bons álbuns, com boas músicas — escute as ótimas Battle of One e The Fantasy, por exemplo!

A partir do terceiro disco, porém, as coisas foram tomando rumos drasticamente diferentes. É como se Jared tivesse tomado gosto de vez pelos aplausos e o calor dos shows – que, agora, só aumentavam – e tivesse decidido a seguir expandindo seu império, flertando agora com a ideia de uma sonoridade cada vez mais… popular, para as massas.

Na própria gravação de This Is War, o disco seguinte, ele chega, inclusive, a convocar um seleto grupo de fãs histéricas para cantar, junto com ele, os vocais de músicas como King and Queens, Night of The Hunter, This is War, etc. — como que preparando o terreno ideal para receber o ensurdecedor barulho das massas, nos estádios. Está tudo ali. É só ouvir. Não foi uma transição de maneira alguma sutil ou subliminar.

Em Love, Lust, Faith, Dreams, de 2013, eles seguiram empenhados em dar contornos cada vez mais “certinhos” e elegantes ao seu som para, em America, lançado em abril de 2018, o esforço se consolidar de vez. A missão, agora, é traçar uma visão geral sobre a obra, ao mesmo tempo em que tentamos entender o que motivou os artistas a levarem sua música por caminhos tão infantilóides.

  • O Disco

Em Walk on Water, primeira música do álbum e também o primeiro single a ser divulgado, ouvimos um 30STM cravado no pop e esbanjando efeitos sonoros e sintetizadores, dentro da manjada “fórmula ideal para as rádios”. As batidas, agora completamente eletrônicas, nos fazem perguntar por onde andou Shannon Leto na hora da gravação ou mesmo concepção desse disco — visto que Shannon vinha apresentando atuações exímias como baterista nos discos anteriores.

O clima pop-eletrônico chato impera em Dangerous Night e Rescue Me (esta, divulgada como o segundo single). A intenção é logo desmascarada e percebemos a obsessão da banda em se “encaixar no padrão”, usando e abusando de “oh-oh-oh’s” de fundo e as batidinhas/ barulhinhos irritantes para “dar o tom pop” do disco. A decepção chega absoluta é em One Track Mind, em que Jared entra atolado até os joelhos no autotune e nos minimalismos. A música apresenta uns efeitos/ intervenções techno à la Justin Bieber que chegam a ser constrangedores.

Rola ainda uma “participação especial” (estilo feat) de algum rapper bombado qualquer da nova geração, apenas para que a faixa não deixe de ostentar o selo de qualidade “música para millenials”. Mas calma, não acabou. Em Love is Madness e Hail To The Victor, a paranoia continua e temos mais “oh-oh-oh’s” e barulhinhos. Se na primeira temos um dueto até interessante entre Jared e a cantora americana Halsey, em Hail To The Victor os efeitos à la Bieber aparecem novamente e os coros de millenials seguem ao fundo. Pra não ter como errar no show.

Importante, aqui, frisar que não temos absolutamente nada contra sintetizadores ou baterias eletrônicas ou qualquer coisa do gênero. Pelo contrário: o que podemos observar, ao longo da história do rock, é que a tecnologia sempre ajudou a dar mais brilho o poderio criativo dos grandes compositores. Se tem uma qualidade que difere o rock dos outros gêneros, essa é a possibilidade de estar apontando sempre novos recursos, novos caminhos. Mas dessa vez, não teve jeito: a galera errou a mão mesmo e, infelizmente, tudo soa robótico, artificial demais — mesmo com o bom gosto de Leto para compor com as letras e melodias.

Em Dawn Will Rise, ele “mete o loco” de vez e resolve fazer o Kanye West, sem nenhum constrangimento: o excesso de autotune nos vocais tornam a sua voz e a de um robô praticamente indistinguíveis. Ouvindo com calma a canção, dá pra perceber que havia um belo trabalho de violão ali, porém, se tem alguém que também não respondeu à chamada nesse disco, esse foi o guitarrista Tomo Miličević — guitarrista este que acabou abandonando a banda logo no início da turnê de America, por motivos (ainda) não revelados.

  • As Que Salvam

Após essa enfadonha e decepcionante jornada pela “viagem eletrônica” de Leto, alguns pequenos bons momentos que surgem no “lado B” do disco, por fim, se destacam — para salvá-lo do fiasco completo e absoluto. Em Great Wide Open, a power ballad por excelência, Jared brilha nos vocais e nos brinda com uma espécie de balada gospel espacial, efeito tradicional do 30STM. Com direito a poderosos falsetes no refrão jamais observados antes, a música se sobressai, lembrando bem os materiais dos primórdios do U2.

Em Remedy, vem a grande surpresa: já nos primeiros versos é possível notar que não é Jared Leto quem executa os vocais ali, mas sim alguma figura de voz bem mais grave e distinta. Essa figura, acreditem, é Shannon Leto (obrigado, Google!) E daí vem o grande clique que acaba por resolver o quebra-cabeças: cansado de esperar pelo irmão acertar os vocais na sala de gravação ao lado, Jared perde a paciência e parte para as baterias ele mesmo, reservando ao o irmão apenas o brilho da única faixa acústica. Brincadeiras à parte, de fato, é realmente notável o esforço do vocalista em querer construir as texturas e composições de America completamente sozinho.

Rider: na última canção, por fim, coisas estranhas acontecem e terminamos a audição de America com a pulga atrás da orelha. A baladinha Rider começa e, se a princípio no mesmo clima eletro e enjoativo de sempre, por fim ela cede e nos presenteia com passagens instrumentais épicas e simplesmente espetaculares. Com um trabalho impecável nos teclados Hammond e orquestrações de fundo, a música nos transporta para um mundo espacial denso e enigmático, numa vibe bem Star Wars de arrepiar até os mais desatentos. É uma heresia fazer tal comparação, mas trata-se de um som realmente diferenciado, que lembram muito os arranjos psicodélicos dos primeiros materiais do Pink Floyd.

Eis que, então, fazendo valer a máxima de que “tudo que é bom dura pouco”, Jared corta a faixa, implacável. Ele termina a música e o disco de forma totalmente abrupta, como que dizendo “OK, crianças! Fim da festa! Era só mais um sampler! Todos embora!”. Estranho notar que essa mudança de clima já havia sido prometida em Monolyth — faixa instrumental fortíssima, totalmente largada ali no meio do disco, com seus pouco mais de um minuto e meio de duração e nenhuma “explicação”. É como se Leto quisesse dizer, com suas músicas, que pode ir mais longe, bem mais longe. Ou que ele pode e consegue amadurecer musicalmente, mas, de fato, não quer. No caso, se isso representa um aceno ou qualquer sugestão para a sonoridade do próximo disco, não sabemos…

E se esses acenos e cortes podem ter qualquer coisa a ver com simbologias, representações e contradições, para representar essa America que os americanos, vêem — isso também não importa, afinal, a piada acaba saindo bastante sem graça. Teoria da conspiração ou não, vale notar que, à época da concepção do disco, Jared Leto estava também empenhado na interpretação do clássico personagem Coringa, vilão do filme Esquadrão Suicida.

  • Mudar ou Morrer

Ao mesmo tempo em que America fará com que o Thirty Seconds to Mars perca boa parte da sua base de fãs “das antigas” (que já se dissipava desde This is War), certamente trará toda uma nova geração de admiradores. As novas canções chegam feitas sob medida, perfeitas para figurar nas mais badaladas rádios e playlists do mundo. As arenas certamente estarão lotadas, aguardando ansiosas pelas apresentações energéticas da banda. Jared Leto acabou se tornando uma espécie de Peter Pan moderno. Do alto dos seus 46 anos de idade, o talentoso artista simplesmente não quer – se recusa – a envelhecer.

Em Dawn will Rise ele crava, num mantra:

“Fortunes fade in time
I must change or die
Change or die
Change or die”

(“Fortunas se esvaem, com o tempo
Eu devo mudar ou morrer
Mudar ou morrer
Mudar ou morrer”)

Vemos aqui que a preocupação do artista, claramente, não é (mais) dinheiro. Jared Leto quer se manter jovem, quer a glória dos holofotes e parece disposto a lutar por isso, cada vez mais. Ele merece, claro, toda a glória. O triste, porém, é observar como um artista tão inventivo pôde se render assim, tão facilmente, à chamada “zona de conforto”, artisticamente falando. O Thirty Seconds To Mars já está jogando, há muito tempo, no time da galera do “rock corporativo”, como os coleguinhas do Coldplay, Paramore, Silversun Pickups, etc. – e não dão qualquer sinal de que pretendem sair dali tão cedo. Fazer o quê. O indie é pop. O pop não poupa ninguém.

Aumenta!: Rider
Diminui!: Walk on Water

America
Artista: Thirty Seconds To Mars
Lançamento: 6 de abril de 2018
País: Estados Unidos
Gravadora: Interscope
Estilo: Rock

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