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Crítica | Amnésia (2000)

por Iann Jeliel
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Amnésia

O primeiro filme de Christopher Nolan, Following, trazia uma narrativa inicialmente linear e que conforme o avançar da história bagunçava sua cronologia para criar um efeito de potência a bola de neve moral do protagonista. Era o início do marcante estilo ilusionista do diretor, que talvez não tenha enganado ninguém direito por escolher uma história que não pertencia ou combinava tanto com seu estilo tão específico. Assim, junto ao irmão, Jonathan Nolan, o cineasta em Amnésia, seu segundo longa-metragem, elabora uma história perfeitamente encaixada com o melhor que sua identidade pode oferecer, em mais uma investida semi-noir moderna, simples, mas potencializada pela complexação da forma de contá-la.

No caso, temos um filme contado de trás para a frente sobre duas linhas temporais diferentes. Parece complexo, mas o Nolan é um ótimo comunicador e ele consegue estabelecer sua lógica sem precisar de aviso prévio e didatizando as regras da própria forma à medida que progride a história sobre regressões. Diferente de Following, essa estilística “diferentona”, cronologicamente bagunçada, conversa com a premissa, que brinca com nossa perspectiva de armazenamento de memória curta, tal como a condição de seu protagonista, Leonard, que não consegue lembrar do que acabou de acontecer a minutos atrás. O intuito de Nolan é dificultar nossa compreensão da história da mesma forma que o protagonista sente dificuldade em desvendá-la por sua condição, o que causa um efeito curioso ao telespectador, que se ver diante de um quebra cabeça montado por respostas que inevitavelmente já possuímos.

A linha do tempo principal vai se formando a medida de flashs resetados de sua memória, onde o final se comunica com o início do final da próxima. A partir daí a estrutura se ver autenticada por descobertas constantes, onde as informações da trama são sincronizadas a compreensão gradual da linha temporal, que vai fornecendo cada vez mais nuances psicológicas ao personagem. Esse é o ponto que Nolan quer chegar, porque a história, se fosse contada de modo cru, não só, não teria graça, como não possuiria as ferramentas dramáticas necessárias para tornar o drama do protagonista verossimilhante. A melancolia do personagem está diretamente ligada a esse desajuste e impotência da investigação, que vai se tornando propositadamente mais cíclica e à mercê de manipulações que nos deixam desesperados por já sabermos diante mão onde irá influenciar no personagem.

O chato é que o diretor em seu complexo de racionalismo, vez ou outra utiliza de forma preguiçosa uma das cronologias para fornecer explicações a condição do personagem cientificamente, somente a troco de um desvio para promover uma enganação anticlimática. O Nolan gosta desse tipo de surpresinha no final, o chamado plot twist, e o desse filme em si, é bastante funcional, pois ressignifica a dramática do personagem a esse fator cíclico tão marcante na estrutura, fechando as pontas direitinho, nesse sentido mais psicológico. O problema é que ele deixa aquelas explicações em especial, inúteis de serem feitas ao personagem, só sendo feitas em conveniência ao efeito da mágica que o diretor deseja impor no público, aquele “ponto”, que o cineasta sempre precisa provar em seus filmes e que aqui é provado, mas criando uma incoerência no seu sistema racional vendido como impenetrável.

É difícil especificar essa incoerência sem spoilers, mas já tentando, se aquele personagem sabia que Leonard não iria lembrar de nada, por que ele tentaria explicar novamente ao telefone se o intuito dele era manipulá-lo? Além desse micro incomodo, creio também numa diluição do efeito da montagem, da metade para o fim. Como o Nolan dificilmente se reinventa em forma, ele fica a mercê do texto do irmão que possui uma certa fragilidade quando ameaça um senso maior de grandiosidade. A intenção é fornecer mais material para a frustração do anticlímax implantado, mas não deixa de soar bastante gratuito numa história que escolhe ser contada de trás para frente para fortalecer seu caráter íntimo. Efeito de um texto que foi pensado para se encaixar numa forma do que uma forma que buscou potencializar seu texto. De todo modo, a combinação funciona e funciona muito bem, sendo em sua maioria um thriller inteligente e bastante criativo.

Amnésia (Memento | EUA, 2000)
Direção:
 Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan, Jonathan Nolan (baseado no conto de Jonathan Nolan)
Elenco: Guy Pearce, Carrie-Anne Moss, Joe Pantoliano, Mark Boone Junior, Jorja Fox, Stephen Tobolowsky, Harriet Sansom Harris, Callum Keith Rennie.
Duração: 113 min.

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