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Crítica | Amor à Primeira Briga

por Karam
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Há uma interessante brincadeira aqui, um jogo com os estereótipos do masculino e do feminino – este é talvez o grande diferencial de Amor à Primeira Briga. No entanto, o filme segue à risca aquele clichê máximo do romance, em que os pares a princípio se desprezam… para depois se amarem intensamente. Ou seja: ainda que exista uma roupagem diferenciada no que se refere ao “modelo do casal”, a mesmice que assola a estrutura de roteiros de inúmeros filmes de romance pode ser facilmente identificada em vários momentos deste.

O caráter esquemático está ali, bem claro: os pares se estranham (eles não são nem um pouco compatíveis!); depois um deles é repelido pelo outro em todas as suas investidas (o outro é tão distante, frio, até mesmo rude!); depois surge a possibilidade do diálogo (em meio a incompatibilidades mil, há sempre uma brecha para o diálogo transformador)… até que eles começam a criar intimidade e o “inesperado” acontece: é o Amor, que mexe com a cabeça deles e os deixa assim.

No caso de Amor à Primeira Briga, um integrante do par, a Madeleine é uma pessoa extremamente desagradável e, digamos, masculina. Já Arnaud é um pobre inocente que sente a necessidade de se aproximar daquela figura sem ao menos ter ideia de como fazê-lo. Suas investidas iniciais são catastróficas, e a garota não contribui muito para que o constrangimento de cada investida fracassada seja minimizado – na verdade ela não faz a mínima questão de contribuir com absolutamente nada: ela é uma “combatente” (referência ao título original), com olhos apenas para a sua própria sobrevivência.

A fotografia em tons claros lembra um verão idílico e ajuda a criar a atmosfera de “filme francês indie” – o céu que vemos ao claro parece até céu de desenho animado. É um filme bonito de se ver, embora não apresente nada de novo no âmbito da estética; nem de novo, nem de instigante ou desafiador, há de se dizer. Mas tudo bem: é simpático, às vezes quase infantil.

Conforme o filme segue desbravando a mata junto de seus apaixonados combatentes, a fotografia assume tons mais sombrios, resultando em quadros tão bonitos quanto os apresentados anteriormente, mas agora dotados de um significado novo e vital para a narrativa. A selva vai colocar a relação daqueles dois à prova, e não só isso: em termos mais amplos, é a sobrevivência dos dois – considerando-se então a individualidade de cada um – que está em questão.

Ao mesmo tempo em que peca por se apegar a artifícios banais de roteiro, Amor à Primeira Briga merece créditos por escalar protagonistas que fogem ao estereótipo de Beleza normalmente exigido pela Mídia – e assimilado pelo Grande Público. O casal que nós é apresentado aqui poderia esbarrar com qualquer um de nós na rua. Eles são “palpáveis”, eles são reais.

É um filme que bate insistentemente nessa tecla de “bagunçar os estereótipos” e acaba ficando limitado a isso. Ou seja, não há muito para onde ir a não ser reafirmar sem pudor esta “novidade” que ele traz. É nisso que Amor à Primeira Briga se apoia, o que não seria um problema de verdade caso houvesse qualquer outro tipo de apoio que sustentasse as demais “pernas” do filme. Sendo assim, não é à toa que para muitos a experiência ao final da sessão pode revelar-se rasa. Para mim, foi algo próximo disso.

Mas existem também os momentos inspirados, de brilho: ver Arnaud, ao ser rejeitado por Madeleine, entrando na praia de noite depois de uma noite agitada numa boate é de partir o coração. E perceber como Madeleine faz com que Arnaud reconsidere sua vida e sua profissão é outra dor. Testemunhar Arnaud no exército maquiando Madeleine e ao mesmo tempo explicando para ela as técnicas que envolvem tal arte equivale às duas cenas anteriores em graus de impacto e importância. O filme cresce nesses momentos: ganha peso e dramaticidade. Fica mais interessante de ser acompanhado. Os papos nonsense entre rapazes limitados dão lugar a um conflito verdadeiro que só tende a crescer conforme Arnaud se envolve mais e mais não só com a figura de Madeleine, mas também com sua personalidade forte, que é afinal o que o faz reconsiderar coisas de sua própria vida. A garota é um elemento-chave que propulsiona uma vontade de mudança no garoto: a força de sua personagem reside aí.

Quanto ao romance em si, pode se dizer o seguinte: o primeiro beijo vem de uma investida dele em uma cena bonita, despida de romantismos melosos e artificiais. O segundo beijo é investida dela, depois de um diálogo sobre “sobrevivência” – Sobrevivência que, corrijam-me se eu estiver errado, é o tema do filme. O romance então seria uma espécie de tela de fundo colorida para uma ação cinza que se desenvolve bem diante de nós.

“Vida é o inverso do que você faz”, ele fala para ela em determinado momento. E então chegamos à última cena…

… que nos revela tudo o que precisávamos saber: trata-se, afinal, de um mero feel good movie – com aquele especial toque francês, é claro.

Amor à Primeira Briga (Les Combattants) – França, 2014
Direção: Thomas Cailley
Elenco: Adele Haenel, Kévin Azaïs, Antoine Laurent, Brigitte Roüan, William Lebghill, Thibaut Berducat, Nicolas Wanczycki, Frédéric Pellegeay, Steve Tientcheu, Maxime Mège, Clément Allemand, Barbara Ayse, Coumba Seck
Roteiro: Thomas Cailley
Duração: 98 min

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