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Crítica | Anon (2018)

por Luiz Santiago
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Nas discussões contantes sobre contenção da criminalidade e sistemas de vigilância de cidadãos para coibir todo tipo de má conduta, sempre surge a polêmica da legitimidade ética de tal processo por parte do Estado e de um conjunto de Corporações. Alguns defendem a máxima “quem não deve, não teme” e sustentam piamente que uma sociedade plenamente vigiada é a única saída, independente se isso vai tirar a liberdade e privacidade dos cidadãos. Outros atestam que absolutamente nenhum resultado vale a liberdade individual, o direito à privacidade e que independente do nível de vigilância, se criminosos encontrarem o “tipo de crime e a motivação corretas”, o crime irá acontecer. É mais ou menos em uma versão real dessa discussão que se passa Anon (2018), longa-metragem alemão produzido pela K5 e distribuído pela Netflix.

Escrito e dirigido por Andrew Niccol, o filme nos mostra um futuro onde a criminalidade não existe (ou está em níveis próximos de zero), já que um total sistema de vigilância dos atos dos cidadãos é realizado, podendo apenas ser manipulado através de engenhosas ações de hackers, o que não é fácil de fazer, mas, no ponto em que esta obra acontece, é um problema novo e em andamento. Um Detetive Primeira Classe chamado Sal (Clive Owen) é um dos responsáveis pelo caso, que se iniciou com estranhos crimes alterando o ponto de vista das vítimas, e se depara com a enigmática e “fantasma” Garota (Amanda Seyfried) que descobriu uma falha no regime de não-privacidade e está manipulando dados ao seu bel prazer, ameaçando aquilo que políticos e investidores conseguiram alcançar com essa sociedade.

Uma das coisas mais relevantes da obra é a forma como os dispositivos eletrônicos, as informações sobre pessoas e objetos, e as leituras técnicas de tudo o que o olho vê, são colocadas na tela, via ponto de vista dos personagens. Esse tipo de trabalho sempre causa divisão entre críticos e espectadores, e cada lado tem material o bastante para defender o que acredita ser bom ou ruim nessa situação. O que ambos os times haverão de concordar aqui é que o excesso nessa técnica atrapalha a obra. Claro que a gente pode analisar o longa a partir de uma visão simples de contexto visual + dramático. E nesse aspecto eu faço coro aos defensores do uso, pela simples coerência narrativa. Se a obra fala do anonimato de uma mulher em uma sociedade totalmente vigiada por Corporações e pelo Estado (supostamente “para a segurança de todos“), então não é espantoso que seja mostrado na tela a maneira como essa vigilância é feita. Como as pessoas veem umas às outras. Como este “mundo vigiado” funciona.

Mas vejam bem, tudo tem limites. A base da investigação, a ajuda para criar o suspense, o impacto que essa vigilância tem sobre as pessoas, tudo isso é rapidamente compreendido pelo espectador. Como o roteiro de Niccol não é profundo — o filme é essencialmente uma investigação futurista com poucos atores e crimes misteriosos demais para exigir largos pensamentos do público, que foca pontualmente na resolução –, toda a nossa atenção se dirige para quem são essas pessoas, que tipo de punições existem e que manipulações desse Éter eletrônico são possíveis. Algumas cenas logo no primeiro ato já mostram com clareza tudo isso para nós, conseguindo até dar informações sobre os personagens, cabendo bem pouco ao roteiro desenvolvê-los. Aí é que a coias fica complicada. Porque tendo todo esse facilitador na tela, o texto de Niccol se debate em desespero para nos fazer acreditar em “fantasmas e comportamentos ocultos” quando na verdade não existe nada que beneficie os personagens a partir daí. A única que ganha um pouco mais de atenção — algo que podemos chamar de desenvolvimento, mas isso ainda é demais aqui — é Amanda Seyfried, embora o texto perca uma quantidade inacreditável de oportunidades para tornar o filme de fato interessante, a partir da exploração dos mistérios em torno dessa personagem.

O exagero é tamanho, que quando as indicações eletrônicas desaparecem da tela, nós ficamos aliviados. E não, a justificativa de “isso é necessário para mostrar o impacto deste mundo vigiado” não se enquadra nesse contexto, porque a obra não mostra sequer um movimento anti-vigilância — A Garota não tem agenda política –, de modo que qualquer suposta crítica pela exploração exagerada, ou intenção de choque visual por esse elemento, desvanece. Basta olhar com atenção para o que o próprio filme nos entrega. Em compensação, as missões são acompanhadas por uma ótima trilha sonora (de Christophe Beck, o mesmo de Homem-FormigaTrolls) e uma sequência de ações finais muito interessantes. Tudo bem que a resolução do caso é um misto de anticlímax com desperdício de oportunidades, mas pela longa preparação até aquele momento, o fim tem sim o seu impacto sobre o público. É de se lamentar que não haja um trabalho mais cuidadoso com edição e mixagem de som e que o roteiro tenha ficado tão encantado com a ideia de “investigação manipulada e impossível” que tenha se esquecido que por mais exótico que seja esse lado da história; personagens blasé, contextos rasos e repetições cênicas não passariam batidas pelo público, e que teriam um grande peso para o filme. Assim aconteceu.

Anon (Alemanha, 2018)
Direção: Andrew Niccol
Roteiro: Andrew Niccol
Elenco: Clive Owen, Amanda Seyfried, Colm Feore, Sonya Walger, Mark O’Brien, Joe Pingue, Iddo Goldberg, Sebastian Pigott, Rachel Roberts, Ethan Tavares, Marco Grazzini, Conrad Coates, Mayko Nguyen, Sara Mitich, Damon Runyan
Duração: 100 min.

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