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Crítica | Tintim: As Joias da Castafiore

por Luiz Santiago
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Na crítica de Tintim no Tibete eu já havia chamado a atenção do leitor para o fato de que Hergé, ao longo dos anos, foi retirando o protagonismo de Tintim das aventuras e passou a realizar uma ampla contextualização de outros personagens que criou nos álbuns do repórter ao longo do tempo. Paralelamente, ele passou a trazer referências visuais e narrativas que lembravam fatos ocorridos nas aventuras anteriores. Em As Joias da Castafiore, temos um bom exemplo de como esses ingredientes se encontram e de como o autor passou a adotar modelos específicos de histórias para cada saga que escreveu a partir do clássico O Segredo do Licorne. A caminhada no estilo de “jornalismo investigativo” foi posta de lado e entraram em cena as maduras concepções de roteiro, com histórias mais intricadas e concepções de aparência cinematográfica.

A trama dessa aventura foi concebida por Hergé como um exercício narrativo, o que demonstra uma tremenda inteligência e coragem do autor em brincar conscientemente com tudo o que já conhecíamos do jovem repórter e seu mundo. O autor se propôs o seguinte desafio: manter o suspense para o leitor durante 60 páginas e, no decorrer dos quadros, mostrar más interpretações de caráter e de fatos internos à história, falsas pistas, pseudo-desaparecimentos e personagens ricos de significado, com funções essenciais no roteiro, não aparecendo apenas como composição geral da trama, como ele fizera até então, à exceção do uso feito de Tintim e Haddock.

O mais interessante é que a história começa com um simples motivo que evolui para algo completamente diferente, mas de maneira muito curiosa, não sai do lugar! Todos os acontecimentos se passam no Castelo de Moulinsart, que acaba recebendo a chegada do rouxinol milanês, Bianca Castafiore com dois assistentes; dos Dupondt, num certo momento da história; de Serafim Lampião; de uma emissora de TV e de um grupo e ciganos que são convidados pelo Capitão para acamparem numa parte da propriedade.

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O que Hergé coloca nessa situação é a defesa de Tintim e Haddock aos ciganos, algo que difere muito das incursões étnicas do autor no início da carreira. Uma situação parecida foi vista em Perdidos no Mar e Tintim no Tibete, ambos os casos com etnias diferentes e também de defesa do autor e seus personagens. Essa mudança de postura, porém, não é gratuita ou posta como algo simplório nas referidas histórias, mas como parte essencial do que está sendo narrado. No caso dos ciganos, a própria suspeita e o caráter particular desse povo é capturado pelo autor, contextualizando muito bem o que é uma posição maldosa de alguém ou de um povo e o que é parte de uma cultura em particular — como no caso do cigano que “espanta” Tintim, quando este se aproxima com Milu do acampamento em Moulinsart.

Tenho apenas uma ressalva quanto ao final da história, mas sei que isso também fazia parte do exercício narrativo de Hergé, que, junto com todos os ingredientes que citei no parágrafo de abertura, propôs trazer um final simplório, até medíocre para a história, isso porque ele sabia que o leitor iria cobrar algo mais rebuscado, numa espécie de compensação ou seguimento dos não-mistérios apresentados no decorrer do álbum. Mesmo que eu não tenha gostado dessa escolha, devo dizer que foi uma opção interessante e que não pareceu totalmente desencontrada da proposta geral da trama. As Joias da Castafiore é um álbum especial de Tintim, um daqueles sob medida para quem gosta de aventuras de suspense, só que dessa vez, Hergé está disposto a trollar todo mundo.

Les Bijoux de la Castafiore – Bélgica, 1961 a 1962
Publicação original: Tintim Magazine, 4 de julho de 1961 a 4 de novembro de 1962.
Publicação encadernada original: Casterman, 1963
No Brasil: Companhia das Letras, outubro de 2008
Roteiro: Hergé
Arte: Hergé
62 páginas

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