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Crítica | As Virgens Suicidas

por Ritter Fan
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O début diretorial de Sofia Coppola não poderia ser mais intrigante e ousado. Roteirizando o romance de estreia de Jeffrey Eugenides, originalmente publicado em 1993, a filha do grande Francis Ford Coppola mostra, logo na largada, que tem o DNA do pai em uma fita indie cheia de personalidade e crítica social, abordando as difíceis questões da depressão e suicídio adolescentes.

Apesar do tema sombrio e pesado, a diretora parece beber sem pudor do sensacionalmente lírico Picnic na Montanha Misteriosa, do australiano Peter Weir, para contar a história das cinco belas irmãs Lisbon, de 13 a 17 anos, em um subúrbio americano na década de 70 a partir da narração de alguns jovens 25 anos depois de eventos traumáticos catalisados (ou não) pela tentativa de suicídio de Cecilia (Hanna Hall), a mais nova. No filme lá da terra dos cangurus, Weir imprimiu uma atmosfera fabulesca, marcada por cores claras e uma visão enganosamente leve para questões complexas também envolvendo belas jovens.

E Coppola faz o mesmo. Usando predominantemente cores pasteis e uma fotografia quase saturada de Edward Lachman (Carol), ela é bem sucedida não apenas em emular muito bem a época em que o filme se passa (ele é todo, basicamente, um grande flashback), como também em empregar camadas de um verniz de normalidade feliz à vida em tese despreocupada das irmãs, que são cobiçadas por praticamente todos os garotos da escola, mas superprotegidas pela rigorosa e religiosa mãe (Kathleen Turner) e pelo distraído e distante pai (James Woods).

Além disso, o roteiro de Coppola procura focar em apenas uma irmã, Lux (Kirsten Dunst), que funciona como uma representante de toda a angústia e dúvida adolescente, mas sem que haja qualquer guinada sombria na abordagem cinematográfica. A aparência de normalidade, que vai sendo gradativamente quebrada ainda que, para o espectador, ela não exista de verdade desde o primeiro momento em que vemos Cecilia boiando na banheira onde cortou os pulsos, é mantida constantemente, até que uma noitada desregrada de Lux leva a mãe a colocar todas as filhas em algo próximo da prisão domiciliar, o que, obviamente, só aumenta a velocidade em que a bola de neve vai se avolumando.

Mas é importante deixar claro que, ainda que atitude excessivamente controladora da mãe e a postura quase negligente do pai ganhem os holofotes a partir do terço final da obra, o roteiro não tenta achar culpados, nem efetivamente explicar o que acontece com as irmãs. Seria muito simples jogar a culpa no colo dos pais, mas, quando o pior acontece, Coppola retrai sua câmera e desvela a reação – ou, pior, a inação! – da sociedade ao entorno da casa dos Lisbon que trata tudo com aquele momentâneo choque falso moralista, apontando dedos e levantando narizes, somente para, no dia seguinte, esquecerem tudo propositalmente, já que é um inconveniente lembrar de algo que “jamais” poderia acontecer com eles. Nesse aspecto, o roteiro escorrega ao fazer com que o narrador – representando um grupo de jovens vizinhos vidrados nas meninas – se pergunte diversas o que aconteceu, afirmando outras tantas vezes que eles nunca souberam explicar o ocorrido, apoiando-se em um didatismo deslocado que, de outra forma, é completamente ausente da obra.

Outro escorregão da narrativa é quando o foco muda para o “gostosão” da escola, Trip Fontaine (vivido de forma hilária por Josh Hartnett), quebrando o ritmo fluido que vinha sendo a marca da fita. Trip é importante e sua relação com Lux é um ponto de virada na história, mas a questão é que um espaço muito grande é dado para a construção do personagem, com direito até a ele aparecer em sua versão adulta (Michael Paré, o herói de Ruas de Fogo), o que altera o eixo narrativo por tempo demais, quase como se um interlúdio começasse no meio da história. Isso, aliás, acaba forçando a aceleração da narrativa no terço final, criando um leve desequilíbrio com a forma compassada como tudo vinha sendo construído.

No entanto, Sofia Coppola compensa parte dos problemas não só com uma direção segura e uma fotografia inesperada, como também com um belo trabalho de direção de atores, exigindo o máximo de Dunst e Hartnett que têm química imediata e crível, além da dupla de veteranos Kennedy e Woods, perfeitamente irritantes como os pais das jovens. Há, também, pontas de Danny DeVito como um psiquiatra cheio de explicações padrão para o que Cecilia em tese sente e Scott Glenn como um padre que tenta dar alívio espiritual à família, mas que também está tão “no automático” quanto o psiquiatra, refletindo em outros níveis a sociedade desinteressada na tragédia e, em última análise, nós mesmos.

As Virgens Suicidas, apesar de seus problemas de passo e foco, é uma corajosa forma de abordar questões tão sensíveis e tão atuais, reunindo lirismo, inteligência e até um leve tom cômico que leva a um difuso sentimento sombrio que vai acometendo o espectador vagarosamente. Sofia Coppola mostra a que veio já no começo de sua carreira na cadeira de diretora de longas em um trabalho maduro e comovente que deveria servir de sinal de alerta para muita gente.

As Virgens Suicidas (The Virgin Suicides, EUA – 1999)
Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola (baseado em romance de Jeffrey Eugenides)
Elenco: James Woods, Kathleen Turner, Kirsten Dunst, Josh Hartnett, Michael Paré, Scott Glenn, Danny DeVito, A.J. Cook, Hanna Hall, Leslie Hayman, Chelse Swain, Anthony DeSimone, Lee Kagan
Duração: 97 min.

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