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Crítica | Assalto (1928)

Crime e política na República de Weimar.

por Luiz Santiago
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Em 1919, um ano após o término da Primeira Guerra Mundial, foi promulgada uma nova Constituição na Alemanha. Ela estabeleceu uma democracia liberal parlamentar e deu início à República de Weimar (1919 – 1933), em cujo início de existência o Partido Comunista Alemão (KPD) tentou tomar o poder diversas vezes. Em 1923, foi a vez dos nazistas buscarem o seu quinhão, numa tentativa fracassada de golpe, em Munique. A economia alemã estava muitos graus abaixo do normal, e só conseguiu uma pequena melhora no período entre 1924 a 1929 (antes da Crise, em Nova York), quando os Estados Unidos fizeram empréstimos e investimentos para a reestruturação germânica, o Plano Dawes.

O governo reprimia fortemente e censurava qualquer tipo de manifestação que se aproximasse do socialismo. Apesar dos investimentos dos EUA, as classes menos favorecidas continuaram lidando com a colossal inflação e a louca instabilidade da moeda nacional. É nesse conturbado contexto histórico que o cineasta húngaro (também diretor de arte, tendo trabalhado em filmes de G.W. Pabst) Ernö Metzner, filma o curta-metragem Assalto, em 1928. Ao assistir ao filme, não é de se espantar que a censura do Estado o tenha considerado “brutal e desmoralizante”, e que o tenha banido.

O título completo do curta é Relatório Policial – Assalto a um curta-metragem. Entendemos que o filme é a versão da vítima contada à polícia, que então expõe ao espectador o que aconteceu. Metzner narra a história de maneira linear. A montagem, no entanto, é o grande experimento do curta. O diretor dá o ritmo e a forma da obra fazendo uso de uma criadora adequação dos planos (forma externa) e da duração e captação desses planos (forma interna). Três sequências merecem maior atenção pela originalidade e experimentalismo de sua composição:

1 – O jogo de dados, onde takes muito curtos e rápidos das mãos dos jogadores se interpõem a tomadas um pouco mais lentas de seus rostos. Sem fazer uso de intertítulos ou mostrar algum relógio, temos uma precisa noção da passagem do tempo e da momentânea sorte do protagonista, pelo dinheiro que se acumula à sua frente.

2 – A fuga, quando o protagonista sai do bar e se percebe perseguido. As tomadas aumentam de velocidade conforme os dois personagens avançam na corrida, ao passo que os ângulos se alteram.

3 – A sequência na qual o protagonista, para fugir de seu perseguidor, entra na casa de uma prostituta. Toda a cena é uma brilhante criação e revelação de suspense. Elementos como a carta A Morte, do tarô, a vela recém-apagada, as facas que desaparecem de uma pequena mesa próxima à cortina, o reflexo da prostituta no bule de chá, como se estivesse falando com alguém fora de cena, fazem parte dessa sequência. Através da montagem, onde podemos ver cada um desses elementos separadamente, é criada a situação psicológica e espacial da tensão.

Ernö Metzner filma o crime, o medo, a paranoia de um cidadão que representa o povo alemão. O mais interessante é a busca pela verdade por parte da polícia (a instituição repressora do Estado, acossando o próprio Estado), ao final do curta, quando o protagonista, num leito de hospital e todo enfaixado, ouve o policial perguntar-lhe se ele é capaz de reconhecer o agressor, um suspeito que foi capturado. O protagonista limita-se a olhar vago para o policial, cerra os olhos, e seu rosto se funde a uma moeda de um marco, que gira na tela. O dinheiro é o motor da história do filme: já na primeira cena, a câmera foca uma moeda perdida em uma rua de paralelepípedo. Em seguida, um pedestre se abaixa para pegá-la e é atropelado. A moeda escapa de sua mão, sendo encontrada pela personagem central do filme, que vai comprar cigarros com ela, mas o dono da tabacaria reconhece a moeda falsa. É com essa moeda que o protagonista faz suas apostas num bar, ganhando muito dinheiro, e é por esse motivo que é seguido.

Com base nos motivos econômicos e repressores de sua época, Metzner erige seu monumento crítico e incomoda as autoridades. No plano técnico, diversas manipulações de imagens, filmagens sobre espelhos e espirituosas sobreposições e fusões fecham em alucinação o mundo do personagem agredido. Assalto é um incrível suspense, que não perde o seu caráter de entretenimento em detrimento dos conceitos históricos que lhe dão vida, muito pelo contrário, segue como um curta-metragem completo, inteligente e bem dirigido, uma pequena obra-prima de um momento terrível de gestação do ovo da serpente no coração da Europa.

Assalto (Polizeibericht Überfall) – Alemanha, 1928
Direção: Ernö Metzner
Roteiro: Grace Chiang e Ernö Metzner
Elenco: Heinrich Gotho, Eva Schmid-Kayser, Sybille Schmitz, Alfred Loretto, Han Ruys, Rudolf Hilberg, Heinrich Falconi
Duração: 21min.

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