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Crítica | Assassinato no Campo de Golfe (Adaptação em Quadrinhos)

por Luiz Santiago
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SPOILERS!

Adaptar para uma mídia como os quadrinhos um livro complicado como Assassinato no Campo de Golfe não é uma tarefa fácil. E ela se torna insana quando é uma adaptação em 48 páginas que pretende dar conta de um enredo com dois cadáveres, identidades falsas, diversos crimes, envolvimentos amorosos, discussões sobre hereditariedade psicológica e a relação entre o detetive Hercule Poirot e seu amigo Capitão Arthur Hastings, que assume o papel de “Watson” nesta aventura, tendo, inclusive, espaço para analisar, julgar e apresentar hipóteses sobre quem eram os assassinos e em que condições e com qual intenção cometeram seus crimes. Pois é. Coisa demais para poucas páginas em uma mídia com uso reduzido de palavras. O resultado, claro, não poderia ser positivo.

No livro de Agatha Christie, escrito em 1923, temos inicialmente um simples caso do assassinato de um milionário em uma mansão francesa. Poirot e Hastings são chamados, mas chegam tarde. O homem já estava morto e a investigação já havia começado. A jornada, porém, é cheia de reviravoltas e preenchida com muitos elementos de desenvolvimento de personagens, alguns bons, outros nem tanto, mas mesmo assim, coisas que nos ajudam a ver o drama de um modo mais profundo, até chegar ao seu final e as principais consequências terem real impacto no leitor. Nesta adaptação de François Rivière (roteiro) e Marc Piskic (arte e cores) para a série Agatha Christie Graphic Novels Series, nada disso acontece.

Todas as boas questões do livro são retiradas ou encurtadas nos quadrinhos, dando uma sensação de trama totalmente dependente da obra original, o que não é, sob nenhum aspecto, a intenção de uma adaptação, que deve sim viver de forma independente. A discussão sobre fidelidade, qualidade e necessidade das mudanças viriam depois, mas aqui tudo se torna mais difícil porque os eventos centrais da investigação aparecem sem nenhum elemento interessante que os contextualizem, tendo as marcas de um roteiro abarrotado de elipses e organização da história feita sem nenhuma fluidez.

Agatha Christie's The Murder on the Links plano critico hastings e cinderela assassinato no campo de golfe

Hastings encontra Cinderela próximo à cena do crime.

O leitor é surpreendido a cada grupo de páginas pela rapidez com que alguns pontos são mostrados, caindo em acavalamentos narrativos, já que nem os diálogos ganham a fluidez necessária para nos indicar que estamos vendo a continuação da conversa do quadro ou página anterior. Talvez a adaptação funcionasse melhor se fosse uma coletânea de painéis ou tiras, porque aí saberíamos que os blocos necessariamente possuem um elemento de passagem que permite o trânsito de personagens de um lugar para outro sem maiores indicações. Não é sempre um bom formato (vide as primeiras histórias do Mandrake ou Fantasma, por exemplo) mas é uma possibilidade; uma que pelo menos resolveria o problema de andamento da história que aqui parece não ter absolutamente nenhum critério.

A única estrela dessa história vai para a arte de Marc Piskic, que até poderia garantir um resultado um pouco melhor, mas não chega a decepcionar tanto quanto o texto. A forma como o artista representou os espaços é a melhor possível, mantendo indicações da vida ao redor das casas dos envolvidos na investigação e em torno de Poirot e Hastings, que exploram bem mais a cidade do que Christie indica no livro. O maior erro de Piskic, no entanto, se dá quando ele mostra Marthe Daubreuil sem a beleza angelical que o livro nos indica; e Madame Daubreuil sem o glamour que emana de sua personalidade, na obra original. Não há qualquer justificativa para a retirada dessas características. Uma pena. Elas são a essência da dupla e inclusive marca uma quebra interessante da autora, que colocou o crime cometido por uma jovem muito bonita, o que não é comum. Então vem um artista do século XXI e cai na cartilha da “assassina esquisita”. Simplesmente inaceitável.

Cheia de mudanças desnecessárias e injustificáveis, esta graphic novel complica ainda mais a já complexa história de Assassinato no Campo de Golfe, tropeçando no ritmo, na representação dos personagens e esgotando até a última gota da paciência do leitor. Tirando a arte — que também tem problemas, mas no todo, é aceitável — nada de bom sobra para o público nesta decepcionante adaptação.

Assassinato no Expresso do Oriente (Le Crime du golf) — França, 2003
Agatha Christie Graphic Novels Series
Editoras:
 Emmanuel Proust éditions (2003)
Roteiro: François Rivière (baseado na obra de Agatha Christie)
Arte: Marc Piskic
Cores: Marc Piskic
48 páginas

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