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Crítica | Assassinato no Expresso Oriente (1974)

por Luiz Santiago
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Em novembro de 1974, Agatha Christie esteve na estreia desta que foi a única adaptação de uma de suas obras com a qual ficou plenamente satisfeita. Esta ocasião também foi a sua última aparição pública e oficial, aos 84 anos. Um ano e dois meses depois, a autora viria a falecer.

Devido a insatisfação de Christie com adaptações anteriores de seus livros para o cinema, esta versão de Assassinato no Expresso do Oriente quase não aconteceu. A autora estava resoluta em não mais vender os direitos de uso para algum estúdio e só abriu uma exceção porque teve alguém de seu círculo social, Lord Louis Mountbatten (também parte da família real britânica), intervindo em favor da produção.

Para a escalação do elenco, o diretor Sidney Lumet, que vinha do estrondoso Serpico, lançado no ano anterior, usou a máxima de que “estrela chama estrela” e conseguiu antes de tudo que seu amigo Sean Connery (com quem já havia trabalhado em A Colina dos Homens Perdidos; O Golpe de John Anderson e Até os Deuses Erram) assinasse o contrato para interpretar o Coronel Arbuthnot. Daí para frente a escalação se tornou mais fácil. Ou quase. A maior preocupação em qualquer adaptação de um livro policial está em quem assumirá o papel do detetive e, neste caso, o famoso Hercule Poirot deveria ser, por escolha do diretor, interpretado por Alec Guinness ou, como segunda opção, por Paul Scofield. Ambos os atores estavam trabalhando em outros projetos na época e não puderam assumir o papel. Então Albert Finney foi escolhido. O problema de Lumet com o ator era apenas um: a idade. Na época das filmagens ele estava com 37 anos, o que era a “idade errada” para se interpretar Poirot, que, nesta adaptação, estava na casa dos 50. O diretor só ficou tranquilo quando viu Finney pela primeira vez com a maquiagem completa e irreconhecível.

Ali estava o Poirot ideal, algo que a própria Agatha Christie chegou a comentar, embora tenha reclamado do formato do bigode utilizado pelo ator. O elenco se completava de maneira impressionante com Lauren Bacall e sua impressionante Senhora Hubbard, mulher cheia de personalidade e que dominava o ambiente; Ingrid Bergman e a religiosa Greta, personagem que a própria atriz escolheu, embora Lumet a tivesse escalado inicialmente para interpretar a Princesa Dragomiroff; Jacqueline Bisset e sua sutil e envergonhada Condessa Andrenyi; Martin Balsam e seu alegre, barulhento e interessante Sr. Bianchi, o diretor da linha; Jean-Pierre Cassel e sua impressionante fluidez como Pierre, que adota diversas nuances, uma para lidar com cada passageiro do trem; John Gielgud e o formalíssimo Beddoes; Wendy Hiller e a afetada, mas muito interessante Princesa Dragomiroff; Anthony Perkins e seu gago, indeciso e infantil McQueen; Vanessa Redgrave e sua decidida e forte Mary Debenham e Richard Widmark, que tornou Ratchett ainda mais odioso, se é que isto é possível.

Com atores e atrizes de carreiras e padrões de atuação bastante diferentes, o diretor estava em uma espécie de Paraíso. Ele sempre se considerou um “diretor de atores” e ter um grupo tão variado, com pessoas cujo destaque vinha dos palcos e do cinema (boa parte do elenco estava em temporada de peça na época!), era meio caminho andado para realizar as gravações. Como ninguém do elenco tinha crise de estrelismo, as filmagens transcorreram sem problemas nesta seara. Todos eram muito respeitosos com os colegas e estavam encantados em trabalhar com tantos talentos da dramaturgia, cada um com um destaque oportuno na tela, ou durante o interrogatório ou na resolução final da trama, com o famoso discurso de 8 páginas em que apenas Albert Finney fala e que precisou ser filmado várias vezes, de diversos ângulos, porque Lumet não queria fazer a estrutura das cenas em estúdio, então fez questão de colocar todos em um compartimento pequeno e explorar ao máximo a sensação de claustrofobia, tomando de diferentes pontos o desenvolvimento do discurso de Poirot, o ponto máximo do filme em uma soberba interpretação de Finney.

A película encanta desde o início. Da introdução de Poirot até a partida do Expresso Oriente temos uma orgânica e muito bem construída introdução de personagens pelo roteirista Paul Dehn, que usa todas as deixas do livro para gerar o suspense e nos fazer conhecer a personalidade de casa um. Na plataforma de embarque, outra grande surpresa. Com uma montagem que dá o tempo necessário para cada bloco se resolver bem, observamos vendedores turcos, muita comida e muitos passageiros saírem e chegarem para embarcar. Cada entrada é feita de maneira triunfal, seguindo o mesmo modelo das apresentações, ou seja, marcando a personalidade de cada passageiro. Quem conhece a trama perceberá que o diretor movimenta a câmera sutilmente para mostrar os olhares entre cada um, especialmente de Michel, que checa os passaportes e dá as boas-vindas a todos. Igualmente como representação estão os figurinos. Cores, modelos e valor das peças indicam a classe social e um pouco da emoção de cada um: de conjuntos quase completamente brancos a uniformes e roupas sociais, o notório “clube da vingança” embarca no trem.

Muito se falou, à época, sobre a música de Richard Rodney Bennett. Alguns espectadores acharam um absurdo que a faixa de partida do trem fosse uma exuberante valsa e que boa parte dos temas do filme trouxessem alegria e um estranho ar de aventura. Ocorre que, para todos os efeitos, este não é o “trem da morte” quando parte da estação! Ali estão algumas pessoas muito importantes em um dos mais luxuosos trens da História (a direção de arte foi muito cuidadosa e exata na elaboração dos interiores dos carros e das cabines); ali estão os anos 1930 e a reconstrução da Europa no entre-guerras; e, acima de tudo, há no filme uma lufada nostálgica que a valsa assume em dois pontos, tanto diegeticamente, quanto para o próprio espectador, que diante daquele tema, é transportado no tempo, convidado para aquela aventura que, apesar de todo o luxo e beleza, se tornará palco de um assassinato muito bem arquitetado.

É apenas a partir dos interrogatórios que o filme vai desacelerando o passo e isto não é totalmente culpa do roteiro de Paul Dehn. Todo o miolo do livro é bastante arrastado e certamente veio do original esse lado menos interessante da obra. Por mais incríveis que sejam as interpretações, o espectador espera a mesma fluidez e linha de acontecimentos do início, mas isso não acontece. Também depõe contra a obra a diminuição de alguns pontos importantes do livro, como a revelação do botão ou da arma do crime, que aparecem na história de maneira quase sem importância, entregues com um olhar bastante irônico pela Sra. Hubbard.

Momentos antes da revelação de Poirot, que pede que todos os passageiros sejam reunidos, a trama volta aos eixos (bom, pelo menos a maior parte do tempo: a rememoração das pistas ao longo da resolução, com os flashbacks e cortes abruptos entre passado e presente são as únicas coisas verdadeiramente ruins do filme) e então temos o espetáculo de Albert Finney e a despedida. Em entrevistas, Lumet disse que não queria terminar o longa apenas com a retirada do detetive do caso. Ele via que a relação entre os personagens era muito forte e que a última sequência havia tocado a todos, portanto era preciso algo a mais para terminar. Pensando nisso foi que ele se aproveitou da atmosfera teatral que todo o desenvolvimento da história sugere e propôs um brinde, dando a oportunidade para que  público veja as faces de todos os personagens pela última vez, como uma despedida e agradecimento final, antes de as cortinas descerem. Ou os créditos rolarem.

Bastante fiel ao livro, até em sua parte menos interessante, Assassinato no Expresso Oriente criou um precedente que nenhum produtor ou diretor irá querer quebrar em adaptações futuras da obra para o cinema, que é a característica estelar para composição do elenco. A obra é divertida e captura com bastante eficiência o tom do romance de Agatha Christie, uma das poucas adaptações para as telonas da obra da autora a conseguir isso. Um clássico por excelência.

Assassinato no Expresso Oriente (Murder on the Orient Express) — Reino Unido, 1974
Direção: Sidney Lumet
Roteiro: Paul Dehn (baseado na obra de Agatha Christie)
Elenco: Albert Finney, Lauren Bacall, Martin Balsam, Ingrid Bergman, Jacqueline Bisset, Jean-Pierre Cassel, Sean Connery, John Gielgud, Wendy Hiller, Anthony Perkins, Vanessa Redgrave, Rachel Roberts, Richard Widmark, Michael York, Colin Blakely, George Coulouris, Denis Quilley, Vernon Dobtcheff
Duração: 128 min.

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