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Crítica | Assassin’s Creed: Renascença, de Oliver Bowden

por Luiz Santiago
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Fantasia histórica escrita por Oliver Bowden — pseudônimo de Anton Gill — um autor que (pasme!) realmente entende de tramas históricas, Assassin’s Creed: Renascença chegou às livrarias em novembro de 2009. O livro tem base no jogo Assassin’s Creed II, que lançado oficialmente três dias antes do livro. O volume não só inaugura a série de romances baseados na franquia, como também estabelece a premissa de “adaptação + complemento”, o que com certeza causará desconforto em leitores mais exigentes durante os capítulos 1 e 2, todavia, acabará por convencer, ao menos parcialmente, a maioria.

Aos leitores que não conhecem, não gostam ou não experimentaram o jogo, fiquem tranquilos. Aqui, eu analisarei a obra dentro dessa nova mídia, não dando a ela pontos ou elementos vindos de sua fonte primária. As comparações e informações dos jogos que constarão brevemente no texto estarão apenas como complemento do cânone, não como julgamento de qualidade do livro, que, obviamente, deve funcionar por si só, seguindo as regras dessa nova plataforma, independente se é uma adaptação, prólogo, complemento ou sequência de outro Universo.

Diferente do que vemos em AC II, a trama de Renascença se passa exclusivamente no século XV e o protagonista da história é um rapaz de 17 anos chamado Ezio Auditore da Firenze, filho de um banqueiro importante de Florença. Como qualquer jovem membro de família rica em um burgo medieval, na transição para a Idade Moderna (o período é esse mesmo: o Renascimento), Ezio não se preocupa com muitas coisas. Sua vida se baseia em brigas, mulheres e uma ou outra responsabilidade atribuída (o treino para ajudar a gerir os negócios do pai no futuro, por exemplo). Até que uma tragédia acontece e Ezio foge, sem saber que sua vida, sua família e praticamente todas as pessoas relevantes à sua volta, da Santa Sé até os grandes artistas de Florença, Gênova e cidades vizinhas, fazem parte de uma luta “muda” que polariza a Ordem dos Cavaleiros Templários (aqui, uma corruptela anacrônica da versão original desses personagens históricos), como “bandidos” e a Irmandade/Ordem dos Assassinos, como os “mocinhos”.

A parte onde o leitor que conhece o game começa a se incomodar é quando percebe que o plot do livro é exatamente o mesmo que temos no jogo. Em dado momento, até os diálogos são perceptivelmente iguais aos de AC II. Como há uma excitação constante, extrema movimentação e insana apresentação de novo personagens, o leitor raramente fica entendiado ao longo da obra, o que já é um ponto positivo. As descrições e a abordagem de contextos seguem o mesmo padrão, levando a aventura para um mar de intensa fluidez mas pouca base, tornando, a longo prazo, a escrita de Oliver Bowden pobre e… bem, de qualidade questionável.

No começo do texto eu ressaltei que o autor SABE do que está falando aqui. E eu não fui irônico. A composição histórica de certos pontos (cenários do meio do livro, personagens e algumas bases teóricas para estrutura hierárquica nas cidades-estados da Península Italiana – lembrando que a Itália, o país, ainda nem sonhava em existir) são claramente bem colocados. Não há mímica do autor nesse ponto, e isso atrai o leitor. Mas costure essa camada do livro a linhas descritivas que representam coisas de outra plataforma (como Ezio dizer que “se sente mais preparado” após fazer um esforço físico em uma brincadeira, por exemplo) e você terá momentos risíveis ou muito ruins que não combinam com o “ganho de habilidades” de um personagem em um livro. Querem um exemplo? Mesmo em tramas infanto-juvenis, como as da série Rangers – Ordem dos Arqueiros, o protagonista ganha habilidade de forma orgânica e com necessária relação textual dentro da história, não com transposição do nível “é assim e pronto” de um level up do jogo para a literatura.

Irregularidades como anacronismos no pensamento de Ezio (por que um garoto do século XV pensaria que o pai lhe deu alguma espécie de “poder” para “achar alguma coisa”?), as falas de seu irmão Federico e alguns princípios de briga entre personagens simplesmente não funcionam, ou por sua irregularidade ou por sua pobreza textual. Em contrapartida, diferenças como o destino da mãe e irmã de Ezio, as inserções dramáticas sobre a personagem Cristina (essa parte deve dividir alguns leitores), o adquirir de alguns equipamentos e a trilha de assassinatos são plenamente divertidas e até bastante convincentes, garantindo bons momentos de tensão e mesmo suspense na história.

Em termos de composição, reações, diálogos e contexto, o melhor personagem escrito por Bowden no livro é Leonardo Da Vinci. Não Ezio. Não Maquiavel. Não Rodrigo Bórgia (o infame Papa Alexandre VI). Não Mario Auditore. Leonardo Da Vinci. Há muita sutileza na forma como o autor representa o gênio renascentista, sua relação com Ezio, sua personalidade e fidelidade. Há também inserções narrativas sobre a [homo]sexualidade do personagem, algo que voltaria a aparecer no futuro da saga. Os momentos em que as descrições do livro de fato funcionam estão ligadas a este bloco, o que aponta para uma preferência do autor pela representação de Da Vinci nesse universo e o maior cuidado ao escrever sobre ele.

O quão interessante são, de fato, os eventos deste livro em termos de complemento ou adição para o game vai depender de cada leitor, o que também vale para o julgamento final da obra. No todo, o livro é divertido e tem momentos muito bons, além de um personagem praticamente livre de maneirismos risíveis, o que já é um alívio. Exceto as óbvias alternâncias (umas muito ruins) na criação de passagem temporal, todo o restante acabará dependendo da relação passional entre o leitor e a história, o que não impede, claro, que falhas narrativas, furos no enredo, anacronismos e más descrições sejam apontadas, compreendidas e problematizadas. A abertura da jornada ao final do livro combina com a dinâmica do jogo, e mesmo que seja um tanto destoante da forma como o autor vinha levando a última parte, dá uma sensação de cumplicidade para quem sabe do que se trata todo o Universo e o que vem a seguir.

Assassin’s Creed: Renaissance (Reino Unido, 20 de Novembro de 2009)
Autor: Oliver Bowden
Tradução: Ana Carolina Mesquita (Galera Record, 2011)
378 páginas

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