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Crítica | Asterix nos Jogos Olímpicos

por Ritter Fan
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Escrito para coincidir com os Jogos Olímpicos do México de 1968, Asterix nos Jogos Olímpicos é um ataque frontal ao doping nos esportes, uma estocada tão violenta de René Goscinny que quase, por muito pouco, não ficamos com raiva de seus sensacionais gauleses. É uma história tão – ou mais! – atual hoje quanto era na década de 60 e realmente merece ser lida por todos, não só em razão do alerta que faz, mas também por todas as demais características que fazem de um álbum das aventuras de Asterix o que ele é: aula de história combinada com diversão e uma arte linda, dessa vez aplicada para retratar a cultura grega.

Claudius Cornedurus é o orgulho do acampamento fortificado de Aquarium. Afinal, ele foi o legionário do destacamento escolhido para, junto com seus pares de outros locais, representar Roma nos jogos gregos. Confiante e extremamente arrogante, Cornedurus é admirado pelos demais legionários e paparicado pelo centurião Tullius Mordicus, que oferece tudo do bom e do melhor para ele, inclusive caviar trazido da Pérsia. No entanto, essa confiança de Cornedurus é abalada quando, em treinamento de corrida pela floresta nas imediações de Aquarius, ele se depara com, você adivinhou, Asterix e Obelix em uma de suas caçadas de javalis. Não demora e a super-força dos dois gauleses mostra para Cornedurus que ele não é tão especial assim quanto achava e isso o faz retornar ao acampamento como um fracassado, para desespero do centurião, que parte para suplicar a Abracurcix que não mais atrapalhe o treinamento de Cornedurus.

Mas é óbvio que o tiro sai pela culatra. Abracurcix, confiante que Asterix e Obelix poderão ganhar os jogos em razão da poção mágica de Panoramix, decide participar em peso dos jogos, com todos os homens da aldeia partindo para Atenas e, depois, para Olímpia, onde os jogos clássicos aconteciam. A confusão que se estabelece é imediata e hilária. Desde o aluguel de um navio por Abracurcix até a destruição do moral dos esportistas romanos, tudo é usado por Goscinny para criar piadas memoráveis, como o êxodo de turistas durante grandes eventos como esse, aumentando o preço de tudo, até comentários sobre os mais variados aspectos da cultura grega. Vemos o autor brincar com o “perfil” grego, com a filosofia grega, com a perfeição dos corpos gregos (masculinos e femininos, com Veteranix completamente tarado pelas moças que passam pela frente dele) e com a emancipação feminina, já que as mulheres não podiam participar dos jogos. Há de tudo um pouco e muita razão para risadas.

No entanto, claro, o foco é mesmo o doping. A poção mágica, obviamente, faz as vezes dos medicamentos para aumento de performance e os gauleses fazem uso descarado dela, sem sequer parar para pensar que isso seria ilegal. É nesse ponto que sentimos um pouquinho de raiva de Asterix, tão esperto e tão correto em suas aventuras, que acaba cometendo tamanha gafe. Acontece que Goscinny queria mostrar algo e essa era a única maneira orgânica de se tratar da questão do doping. Por isso, temos que perdoar esse lapso no caráter de Asterix, até porque o autor é esperto o suficiente para impedir estragos. A revelação da existência da poção mágica dá-se ainda antes dos jogos efetivamente começarem, para indignação da junta de magistrados gregos. E, o que se desenrola a partir daí, é Asterix invertendo o jogo completamente.

Albert Uderzo parece estar que nem o proverbial “pinto no lixo” em Asterix nos Jogos Olímpicos. Ao desenhar Atenas, Olímpia e os gregos em geral, o artista usa fantásticas referências históricas não só para reconstruir o Partenon, hoje não muito mais do que ruínas, como para trazer à vida toda uma cultura do seu jeito especial, fundindo elementos atuais e brincando com todo o material. Vale especial destaque para o uso dos famosos vasos gregos, das colunas dóricas e jônicas, do vestuário dos personagens e do gigantesco estádio onde as corridas acontecem.

Asterix nos Jogos Olímpicos é, talvez, a reunião quase perfeita de lição de história, diversão e lição de moral. Imperdível como a maioria dos álbuns das aventuras de Asterix.

Curiosidades:

– Reparem logo atrás dos gregos responsáveis pelo registro dos participantes nos jogos, dois alto relevos, um de Goscinny e outro de Uderzo, no estilo grego.

– Esse é um dos poucos álbuns em que Chatotorix participa do banquete final.

– Há menção ao “filé à gaulesa”, referência ao “filé à francesa”.

– Latim: Quid? – “Quê?”, em português.

– Latim: Comodo? – “Como?”, em português.

– Latim: Quo Vadis, Mordicus? – “Aonde vai, Mordicus?”, em português.

– Latim: Et nunc reges intelligite; erudimini qui judicatis terram. Frase dita pelo centurião Tullius Mordicus ao descobrir que os gauleses participarão dos jogos. A frase é retirada da Bíblia, Salmo II, versículo 10 e significa “E agora compreendei, ó reis; instruí-vos, vós que governais a Terra.” Trata-se de uma reclamação de Mordicus pelo “monstro” que Júlio César criou ao invadir a Gália que levou à situação complicada do centurião em que ele, agora, tem que lidar com a participação dos irredutíveis gaulesas nos jogos, roubando-o das glórias.

Locais:

Aldeia gaulesa.

– Acampamento fortificado de Aquarium.

Olímpia: cidade grega que sediou os jogos olímpicos até eles serem cancelados pelo imperador romano Teodósio I e também onde ficava a estátua de Zeus, uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Hoje, a cidade é um sítio arqueológico.

Atenas: capital grega.

Pireu: porto nos arredores de Atenas.

– Menções: Pérsia (hoje substancialmente o Irã), Burdigala (Bordeaux), Massília (Marselha), Aquitânia (região no sudoeste da França), Termópilas (os “portões quentes”, local da resistência dos famosos 300 de Esparta aos invasores persas, na região central da Grécia atual), Samotrácia (ilha grega no mar Egeu, conhecida pela escultura Vitória de Samotrácia, hoje no Museu do Louvre), Milo (ilha grega no arquipélago das Cíclades, no mar Egeu, famosa pela Vênus de Milo, também exposta no Museu do Louvre), Beócia (unidade regional na Grécia Central), Maratona (cidade grega próxima a Atenas, palco da famosa batalha dos gregos contra os persas e cujo sacrifício de um soldado para comunicar a chegada das tropas persas para Atenas, correndo uma enorme distância, resultou na prova atlética conhecida maratona), Corinto (cidade no Peloponeso), Esparta (cidade grega conhecida por seus guerreiros), Rodes (uma das ilhas do Dodecaneso, no mar Egeu, onde era situado o Colosso de Rodes, uma das Sete Maravilhas do Mundo).

Personagens (além de Asterix e Obelix):

– Abracurcix, chefe da aldeia gaulesa.

– Panoramix, druida gaulês.

– Veteranix, o mais velho habitante da aldeia gaulesa.

– Automatix, o ferreiro da aldeia gaulesa.

– Chatotorix, o bardo da aldeia gaulesa.

– Naftalina, esposa de Abracurcix.

– Claudius Cornedurus, legionário de Aquarium e atleta selecionado para ir aos jogos.

– Pecus, legionário romano.

– Tullius Mordicus, centurião romano e comandante de Aquarium.

– Xistossomós, guia dos gauleses em Atenas.

– Escólios (“doleiro”) e Scárfas (cocheiro), “primos” de Xistossomós.

– Plexiglás, dono de albergue em Atenas.

– Rebordós, dono de restaurante em Atenas.

– Credoencrus, legionário romano e atleta selecionado para ir aos jogos.

– Monteparnás, magistrado olímpico.

– Okeibós, atleta grego de Rodes apelidado de “O Colosso de Rodes”.

– Tiragóstenes, orador grego.

  • Crítica originalmente publicada em 14 de janeiro de 2015. Revisada e atualizada para republicação hoje, 10/06/2020, como parte da versão definitiva do Especial Asterix do Plano Crítico.

Asterix nos Jogos Olímpicos (Astérix aux Jeux Olympiques, França/Bélgica – 1968)
Roteiro: René Goscinny
Arte: Albert Uderzo
Editora original: Pilote (serializada em 1968 e lançada em formato encadernado em 1968)
Editoras no Brasil: Record (em formato encadernado)
Páginas: 50

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