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Crítica | Autorretrato de Uma Filha Obediente

por Luiz Santiago
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estrelas 3,5

As relações entre pais e filhos são sempre marcadas por demonstrações de amor e insatisfações ao longo da vida, especialmente quando o filho ou filha em questão deseja obter ou ser algo que seus pais não aprovam. Esta é basicamente a teia que circula o roteiro de Autorretrato de Uma Filha Obediente (2015), segundo longa da diretora Ana Lungu e seu primeiro filme de receptividade expressiva no cenário cinematográfico romeno e europeu.

A obra acompanha Cristiana, uma mulher de 30 anos que está fazendo doutorado em engenharia de edificações (curiosamente, com foco na relação entre “edificações e terremotos”, que é justamente o símbolo que abraça sua família nessa fase da vida) e tem muitas dúvidas sobre como viver e se comportar nessa nova idade. Questões sobre amor, sexo, beleza, casamento e filhos são trazidas à tona e ela não tem resposta para nenhuma das perguntas envolvendo esses temas. Nem ela, nem os amigos que encontra para conversar a respeito, cada um com idade diferente e problemas, dúvidas e comportamentos bem curiosos em relação a essas coisas.

O filme centra-se, basicamente, no amadurecimento da personagem principal, mas o verdadeiro elemento aqui é o processo de amadurecimento e não o seu fim, de modo que atentamos mais para como ele acontece e que cosias o acompanha nesse processo. Em determinado ponto da narrativa eu não pude deixar de rir com a comparação desse momento a uma “adolescência adulta”, um período onde tudo tende a mudar, mas dessa vez, a mudança vem em uma idade onde as responsabilidades e consequências das ações de quem muda são muito maiores.

O roteiro não cai na armadilha e fazer a protagonista evoluir com demasiada rapidez apenas colocando diante dela alguns conflitos de vida e idade. Aliás, o fato de estarmos diante de um fotograma da vida de Cristiana faz com que vejamos o ritmo da fita como um pequeno pedaço da sua existência (que acabamos comparando um pouco à nossa também), regado a encontros, risos, sexo, birras e desentendimentos pontuais com os pais. O título, a partir desse ponto de vista, é uma ironia dolorosa, especialmente porque vemos uma doutoranda cujo faturamento mensal é o dinheiro da bolsa de estudos e a ajuda financeira do pai a coloca em uma espécie de obrigação que não combina com a idade e nem com o sonho rebelde que ela cultiva desde criança: ter um cachorro.

Com um aparato técnico bastante simples e que faz questão de nos lembrar a caraterística urbana, cotidiana, “comum” pretendida pela diretora, Autorretrato de Uma Filha Obediente funciona como um diário cinematográfico. Há ali críticas à estrutura urbana e Bucareste, capital da Romênia; à era dos governos socialistas no país; a questões de estética e padrões de beleza, especialmente relacionados ao corpo feminino; à pseudo-emancipação de alguns filhos, que mesmo já adultos, permanecem dependentes de seus pais e querendo fazer valer todos os seus desejos, como se tivessem controle de todos os aspectos de suas vidas.

É claro que esse instantâneo do cotidiano possui as falhas típicas esperadas dessa narrativa: divisão pouco orgânica dos atos, demasiada quantidade de reticências nas ações dos personagens e demasiada urgência no desenvolvimento psicológico dos protagonistas, isso, quando tal desenvolvimento acontece. Pesa ainda para o lado negativo o fato de o filme ter um final aberto pouco louvável, o que causa uma certa estranheza no público que, mesmo entendendo a ideia geral da obra, pergunta-se se aquela era a melhor forma de finalizar o filme. A angústia e luta da protagonista, portanto, tem bem mais peso que os erros da obra e o autorretrato é enfim revelado vitoriosamente para o público, a quem é entregue o momento depois da verdade e do desafio. O destino das personagens termina e nossas mãos.

Autorretrato de Uma Filha Obediente (Autoportretul unei fete cuminti) — Romênia, 2015
Direção: Ana Lungu
Roteiro: Ana Lungu
Elenco: Elena Popa, Emilian Oprea, Andrei Enache, Iris Spiridon, Alexandru Lustig, Radu Iacoban, Dan Lungu, Magdalena Lungu, Veronica Grünau, Fatma Mohamed, István Teglas
Duração: 81 min.

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