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Crítica | Batman: Terra Um

por Ritter Fan
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Cinco-estrelas

É difícil para um leitor de quadrinhos lembrar quantas vezes a história da origem de Batman foi escrita, desenhada e filmada, desde que ela foi contada pela primeira vez, em meras duas páginas, na revista Detective Comics # 33, de 1939. Óbvio que, com o tempo, a história do herói sofreu alterações, exclusões e adições, mas, em linhas gerais, o que víamos era sempre o mesmo: um menino que testemunha o assassinato de seus pais e resolve transformar-se em um combatente do crime em Gotham City utilizando-se de uma roupa de morcego.

A trágica origem, hoje, faz parte do imaginário popular e inspirou diversas outras origens de um sem número de heróis. No entanto, hoje em dia, quando alguém fala na “origem de Batman”, a associação que se faz é com Batman: Ano Um, a graphic novel seminal de Frank Miller de 1988 que conta, de maneira inteligente e definitiva, como Bruce Wayne se transforma em Batman e suas primeiras missões.

Assim, é difícil imaginar alguém dedicando uma graphic novel inteira para recontar o que Frank Miller fez tão bem. Seria quase uma heresia. No entanto, dentro do projeto DC: Terra Um, que re-imagina os heróis mais importantes da editora em publicações mais luxuosas, publicadas em capa dura e com mais de 140 páginas, contar a origem mais uma vez é exatamente o que era necessário (o mesmo já foi feito com Superman).

Para isso, Geoff Johns foi chamado. Seu currículo invejável, como o escritor responsável por trazer Hal Jordan e Barry Allen novamente à vida, pelas aclamadas Sinestro Corps WarCrise Infinita e Flashpoint, o evento que levou à reformulação do universo DC, com Os Novos 52, não necessariamente significava que ele seria a pessoa ideal para escrever algo menor, mais intimista, como normalmente é a origem de Batman. Afinal de contas, de todos os heróis da DC, Batman é o que menos depende de “pirotecnias” para existir, um dos fatores que provavelmente o tornou o que ele é.

No entanto, o que Johns acabou fazendo juntamente com Gary Frank em Batman: Terra Um é pura mágica que, arrisco dizer, não deixa nada a dever ao que Miller e Mazzucchelli fizeram em 1988.

Antes que alguém se levante com dedo em riste e me chame de maluco, primeiro notem que o projeto DC: Terra Um é uma espécie de Elseworlds, ou seja, não são histórias canônicas dos heróis (como, por exemplo, Batman: A Guerra de Secessão). Isso permite mais elasticidade aos autores, sem ferir as susceptibilidades de fãs fanáticos que não podem ver seus heróis modificados sequer um pouco.

Mesmo, porém, se Batman: Terra Um fosse considerado como dentro da continuidade, ele seria fantástico, concorrente ao primeiro posto de “melhor origem do morcegão”, junto com Ano Um.

Logo no início da história, vemos Batman perseguindo alguém não identificado pelos telhados de Gotham. O perseguido está desesperado e o perseguidor segue impassível, dono total da situação. Mas isso é só impressão, pois Johns insere reviravoltas muito bem feitas e críveis dentro da estrutura básica de uma perseguição heróica. Primeiro, Batman saca sua pistola-gancho e atira, com a clara intenção de acabar com a fuga. No entanto, o que vemos é a arma explodir na mão do Homem-Morcego. Depois, frustrado, Batman vê seu alvo fugir pulando de um prédio para o outro e corre para fazer o mesmo. Frank, trabalhando o roteiro de Johns, nos mostra uma tomada sob o ponto de vista do perseguido, com Batman ao seu encalço, voando entre os prédios.

Mas ele não alcança a beirada e cai pesadamente. Consegue diminuir a velocidade de sua queda em um ar-condicionado, mas, mesmo assim, arrebenta-se no chão. O herói se levanta, vê um oriental dono de uma loja sendo roubado, mas, resignado, decide nada fazer. Ao virar a esquina de um beco, nota uma mendiga amedrontada por sua presença que pede que ele não a machuque. Batman, então, faz a única coisa que pode fazer: retira dinheiro de seu cinto de utilidades, dá uma esmola à mulher e vai embora.

Isso deve ter doído…

Essas são as dez primeiras páginas de Batman: Terra Um e, se você não tiver sido fisgado pela narrativa de Johns e o desenho de Frank ao final dessa seqüência, é melhor você medir sua pulsação, pois, provavelmente, você está morto.

Uma modificação pequena, mas extremamente eficaz na forma de desenhar Batman empresta uma humanidade ao herói que poucas vezes testemunhamos. Agora, podemos ver seus olhos e as reações tornam-se automaticamente mais genuínas e viscerais. Os olhos, dizem, são o proverbial “espelho da alma” e Frank consegue realmente fazer uso disso, ao transmitir uma alma perturbada, obsessiva e descuidada nesse Bruce Wayne travestido de morcego. Querendo ou não, ficamos mais próximos do herói, até, talvez, conseguindo nos identificar com ele mais ainda do que em suas versões com olhos brancos.

Por seu turno, a caracterização de Bruce Wayne primeiro como um garoto mimado e cheio de vontades de oito anos e, mais tarde, como um jovem que acha que é invencível só porque é milionário, sabe lutar e se veste de morcego, é uma refrescante visão do herói. Seus atos são egoístas, pois Bruce somente se preocupa em saber quem matou seus pais (ele está convencido que o prefeito corrupto é o mandante). Ele quer vingança e não muito mais do que isso.

No entanto, o que alça Batman: Terra Um ao Olimpo das melhores histórias de Batman é mesmo a caracterização humana e verdadeira dos coadjuvantes. E a mais brilhante das alterações e humanizações é a de Alfred Pennyworth. De mordomo sisudo, ele se transforma em um ex-combatente britânico cuja vida foi salva por Thomas Wayne. Alfred acaba se tornando o relutante guardião de Bruce quando seus pais morrem e o grande responsável por seu treinamento. Durão, Alfred sabe que Gotham precisa de algo mais do que um homem fantasiado de morcego para resolver seus problemas. Sabe que Bruce não está pronto para enfrentar as verdades de um mundo corrupto em frangalhos. No entanto, Alfred é, também, um combatente, alguém que ama o garoto mimado como se fosse seu próprio filho e fará tudo por ele, mesmo que isso signifique dizer todas as verdades para ele. O arco evolutivo de Alfred, que culmina na magistral briga entre ele e Bruce, é ao mesmo tempo tocante, crível e respeitosa de todas as versões do mordomo que vieram antes. E a arte de Frank, caracterizando Alfred como alguém esguio, muscular e que precisa de uma bengala para andar, é algo que nunca vimos antes, completamente original e realmente linda.

Se o coadjuvante principal em Batman: Terra Um é Alfred, será que há espaço para Jim Gordon, o policial que acredita e ajuda Batman nas histórias clássicas? Sim, ele está lá e, novamente, Johns merece ser aplaudido pelo que teve coragem de fazer. O mito de Gordon é trazido para a realidade imediatamente. Ele não quer saber de nada a não ser manter sua filha, Barbara, segura da bandidagem de Gotham. Para alcançar esse objetivo, ele faz o que for necessário, sem medir as conseqüências. Jim Gordon é um policial não muito diferente dos demais, de alma corrompida, que estão ao seu redor. No entanto, usando-se do recurso de um parceiro estrela para Gordon (um policial que tem um programa de televisão e quer “limpar” Gotham City), Geoff Johns contrasta Gordon com a sujeira ao seu redor e vemos o desenvolvimento de um dos mais brilhantes arcos de crescimento e mudança em um personagem da mitologia do Morcegão.

Eu poderia continuar escrevendo quase que infinitamente sobre essa graphic novel, mas eu me arriscaria a ser repetitivo e a começar a contar elementos narrativos que estragariam o prazer da leitura. Não quero fazer isso de maneira alguma. Só quero terminar com uma categórica sugestão, se é que ela já não ficou clara: para aqueles que gostam de Batman ou apenas aqueles que gostam de HQs em geral, Batman: Terra Um é um dos melhores exemplos de publicações mainstream que já vi em anos e a história simplesmente precisa ser lida e apreciada.

Batman: Terra Um (Batman: Earth One, EUA)
Roteiro: Geoff Johns
Arte: Gary Frank
Editora nos EUA: DC Comics
Editora no Brasil: Panini
Lançamento: julho de 2012 (nos EUA) e novembro de 2013 (no Brasil)
Páginas: 142

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