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Crítica | Beasts of Burden: Rituais Animais

por Daniel Tristao
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Olhando a capa de Beasts of Burden (BoB) muitos podem pensar que se trata de uma história fofa protagonizada por animais de estimação. A linda arte de Jill Thompson até reforça esta impressão, mas, quando lemos, logo percebemos que está bem longe disso. Além dos elementos e referências de terror, a trama conta também com boas doses de humor e drama, capazes de fazer o leitor sair de uma boa risada para um nó de apreensão na garganta em poucos quadros. Prefiro na verdade não classificar dentro de um gênero, pois é algo que não ajuda em nada na percepção de uma obra. BoB é bem mais do que uma obra de um gênero específico, pois tem a habilidade de transitar entre eles usando elementos de vários, compondo então sua totalidade. E isso é um enorme mérito, pois faz com que cada leitor tenha uma experiência diferente com a obra; de acordo com suas vivências, alguns destes elementos serão mais ou menos marcantes, mexendo de formas diferentes com cada um. E pode ter certeza que, de alguma forma, vai mexer com você também.

Escrito por Evan Dorkin e desenhado por Jill Thompson, BoB começou despretensiosa, com um primeiro conto publicado em 2003 e sem intenção inicial de continuação. Porém, o sucesso foi grande e os artistas foram dando continuidade, até se tornar uma série regular. Com uma premissa criativa, excelente roteiro e desenhos deslumbrantes, BoB faz por merecer os oito prêmios Eisner que conquistou até aqui.

A história narra as aventuras paranormais de um grupo de cães e um gato que vivem na pacata (e fictícia) cidade de Burden Hill, e tem a responsabilidade de garantir a segurança de todos os moradores da cidadezinha, já que os humanos parecem alheios a tudo de estranho que acontece por lá. E é esse grupo inusitado um dos grandes atrativos da obra, fazendo com que BoB seja tão cativante. Dorkin consegue, através de um texto ágil e objetivo, apresentar cada personagem de uma forma extremamente simples e assertiva. Na verdade, é uma pequena aula sobre como apresentar e desenvolver personagens de forma orgânica e eficiente.

Logo nas primeiras páginas já conseguimos eleger nossos personagens favoritos e distinguir um do outro sem dificuldades. Os protagonistas são: Pugs, um Pug cético, nervosinho e pragmático; Campeão, um destemido Husky que se destaca pela nobreza e lealdade; Branquelo, um Fox Terrier, o mais entusiasmado e ingênuo do grupo; Rex, um Dobermann meio medroso, falastrão às vezes, mas honrado; Jack, um Beagle determinado e corajoso; e Órfão, um gato curioso, tirador de sarro e de bom coração.

O mais interessante desta equipe é a dinâmica entre seus membros. Há uma química muito interessante, que nos faz rir e chorar junto deles, que cria empatia e um senso de importância para com todos ali presentes, gerando uma identificação imediata com o leitor. Alternando momentos engraçados, angustiantes, tristes e alguma ação, tal dinâmica lembra muito, mas muito mesmo, filmes como IT: A Coisa, Os Goonies, ET – O Extraterrestre e Conta Comigo. Enquanto resolvem as situações ou conversam a cada quadro, os personagens vão se revelando naturalmente e nós leitores vamos entendendo os laços de amizade, lealdade e companheirismo que os unem.

Até mesmo os coadjuvantes da série são incríveis; você torce para que muitos deles estejam sempre aparecendo de novo, apesar de um natural menor desenvolvimento do que os protagonistas. São destaques Miranda, Cão Sábio, Kid Fujão e Dimpna. Mesmo aparecendo menos, o leitor fica muito curioso para saber mais sobre eles por causa do texto muito bem escrito, que proporciona ótimos diálogos.

Um fator interessante e funcional do roteiro, muito bem explorado por Dorkin, é a violência, que surge sem exageros, mas atribuindo peso e importância para a trama. Mesmo com passagens hilárias, a violência que cito dá um tom sério à história em alguns momentos e isso faz com que tanto os personagens quanto o leitor percebam a real dimensão e gravidade das ameaças enfrentadas. Não falo aqui de uma violência física explícita, com cenas fortes, como vemos, por exemplo, em 30 Dias de Noite; é uma violência mais conceitual, que deixa claro o que acontece sem um impacto visual, algo muito bem interpretado no traço de Jill Thompson. Isso fica evidente nos capítulos Não se Deve Profanar o Sono dos Cães, Um Cachorro e seu Menino e em Perdido (principalmente neste último).

Ainda sobre o roteiro, a dupla criativa lança mão de diversas referências visuais e narrativas a elementos clássicos de terror, principalmente da literatura e do cinema. Temos ali Cujo, Um Lobisomem Americano em Londres, o universo de zumbis criado por George A. Romero, as pragas bíblicas do Egito e Cemitério Maldito. Essas são as que eu peguei sem nenhuma pesquisa adicional; uma segunda leitura certamente vai revelar algumas outras menos evidentes.

Neste ponto, devo dizer que a arte pintada de Jill Thompson, além de visualmente belíssima, contribui demais com a narrativa. Preste atenção aos detalhes, principalmente nos quadros onde há vários personagens juntos; ela dá vida também aos personagens em segundo plano, fazendo as expressões de cada um deles de acordo com a situação e criando pequenas cenas de fundo, nem sempre ligadas à trama principal, mas muito divertidas. Além disso, seu time para transição de páginas é incrível, sabendo criar suspense e impacto nos momentos exatos.

O final do último capítulo deixa claro que há uma trama maior por vir e um ótimo gancho para a continuidade da série. Narrativa e graficamente excepcional, Beasts of Burden é, definitivamente, uma pérola dos quadrinhos modernos que merece atenção do público.

Beasts of Burden: Animal Rites – EUA, 2010 (encadernado que reúne os quatro contos iniciais e as edições 1 a 4 de Beasts of Burden)
No Brasil: Beasts of Burden: Rituais Animais
Roteiro: Evan Dorkin
Desenhos: Jill Thompson
Capas: Jill Thompson
Editora: Pipoca e Nanquim
188 páginas (edição nacional)

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