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Crítica | Belas Maldições: As Justas e Precisas Profecias de Agnes Nutter, Bruxa, de Terry Pratchett e Neil Gaiman

por Luiz Santiago
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O medo do fim do mundo é um dos muitos medos que diversas pessoas compartilham, especialmente para os que têm conhecimento e acreditam nas profecias sobre o Armagedom, especialmente na narração de todo o roteiro de pragas e trombetas expostos no livro de Revelação ou Apocalipse, o último da Bíblia. Pensando nisso e colocando essa ideia como pano de fundo para a criação de uma “saga dos últimos dias”, foi que Terry Pratchett e Neil Gaiman (que se conheceram em 1985) se uniram para escrever Belas Maldições: As Justas e Precisas Profecias de Agnes Nutter, Bruxa, livro lançado no Reino Unido em 1º de Maio de 1990.

As duas primeiras partes do volume — No InícioDramatis Persoae — não são apenas aquilo que o livro tem de melhor como também uma das mais criativas e extremamente engraças formas de colocar o Bem e o Mal unindo forças para evitarem o Juízo Final. E por Bem e Mal entendam o “Bom” e o “Mau”, personificados pelo Anjo Aziraphale (vendedor e colecionador de livros antigos, ex-guardião do Portão Leste do Jardim do Éden) e pelo Demônio Crowley (antes chamado Crawly, previamente conhecido como A Serpente Que Tentou Eva). Ao longo de todo o livro, essa dupla manterá o interesse do público ativo e trará para si as melhores cenas, os melhores diálogos, as melhores sequências e as melhores implicações unindo ingredientes da mitologia cristã + diversos misticismos + bruxaria + bobagens seculares de quem acredita cegamente em alguma coisa, seja em vizinhança muito silenciosa, ciência ou venda de produtos religiosos pelo rádio ou TV.

Em pouco tempo o leitor percebe que a trama irá se passar dentro de um cenário muito além das aventuras e desventuras de um anjo e um demônio, o que acaba tendo dois destinos de qualidade para o livro. O primeiro é a apresentação de coisas que têm mais graça no CONCEITO do que na aplicação (vide os Quatro “Cavaleiros” do Apocalipse, por exemplo). E o segundo é a graça que alguns núcleos de personagens secundários trazem para o enredo, especialmente o núcleo de Adam, seus amigos (os Eles) e seu cachorro Cão, ou o núcleo de Anathema Device, Newton Pulsifer, Sargento Shadwell e Madame Tracy. No meio do caminho, porém, algo muda drasticamente de tom.

A partir do capítulo Onze Anos Antes, as coisas deixam paulatinamente de encantar o leitor pelo humor ácido e pelas maluquices escatológicas inteligentes, para chateá-lo com estranhas descrições de lugares, cenas confusas de batalhas e intenções escusas dos dois lados em peleja, além de muito, muito desvio narrativo para chegar ao ponto de onde o enredo jamais deveria ter saído: a relação entre Céu e Inferno (com consequências na Terra, o campo de batalha) via profecias da tal Bruxa chamada Agnes Nutter.

No decorrer do livro, os desvios e desenvolvimento de sequências “comuns, mas nem tanto” que se seguem no último dia do planeta Terra, prestes a ser consumido pela cólera de Deus e Satã — via ação do Anticristo, uma criança que os autores desenvolvem bem até certo ponto e depois simplesmente resolvem finalizar sua participação com amenidades mal e mal engraçadas — me lembraram todas as voltas intermináveis de Douglas Adams em A Vida, o Universo e Tudo Mais. Exatamente por elencar um cenário incomum e usar de um humor mais incomum ainda para narrar a história principal e todas as suas dezenas e dezenas de braços, a semelhança de tratamento entre as obras no desenvolver de uma saga me perseguiu até o fim, onde as coisas voltaram pouco a pouco para os eixos e uma estranha simpatia e até… “fofura” tomou conta dos autores, ao definirem parte dos destinos e abrirem espaço para uma mensagem de esperança.

O que deveria ser levado em consideração depois de uma longa tentativa para que o Apocalipse não se concluísse? Mesmo com muitos desvios e boa parte de seu desenvolvimento cansativo, Belas Maldições termina de maneira bastante positiva. Não dá para simplesmente ignorar a obra. Há aqui um bom trabalho iconoclasta, bom ajuntamento de absurdos do cotidiano com variações possíveis para um cenário com Anjos e Demônios e, principalmente, pela brilhante apresentação de toda a trama, nos dois primeiros capítulos, a melhor coisa de todo o volume. Com alguns personagens genuinamente engraçados e cenas pensadas de modo bastante cinematográfico (a capacidade de os autores evocarem boas imagens literárias é tremenda) a obra tem todos os ingredientes para ser adaptada para mídias audiovisuais e essa característica constituiu um dos atrativos mais interessantes da leitura dessas justas e precisas profecias, que mesmo arranhadas e carcomidas em algumas partes, acabam se revelando verdadeiras no quesito “diversão”.

Good Omens: The Nice and Accurate Prophecies of Agnes Nutter, Witch (Reino Unido, 1990)
Editora original: Gollancz
No Brasil: Bertrand, 2017
Autores: Terry Pratchett e Neil Gaiman
Tradução: Fábio Fernandes
350 páginas

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