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Crítica | Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurus

por Gabriel Carvalho
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Algumas obras no cinema são mais aclamadas pelo que elas representam do que pelo que elas são verdadeiramente. Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurus, sequência do clássico de 1977, que também é, consequentemente, a primeira continuação feita pelos estúdios Walt Disney, representa um passo enorme do cenário da produção de animação na indústria cinematográfica em direção ao mundo da computação gráfica. Situada durante uma época de inovação tecnológica e renovação criativa, a obra tem um brilho próprio, sem precedentes dentro da empresa, criando tendências no ambiente da animação, visto que o longa-metragem carrega consigo o uso de ferramentas inéditas nesse cenário, como o Computer Animation Production System, possibilitando-o ser a primeira animação totalmente digital da Disney. Além do acabamento espetacular das texturas, o grande destaque do filme em termos visuais fica definitivamente para as viajantes cenas de ação, principalmente as de voo, que enaltecem uma belíssima fotografia, cores estonteantes e uma possibilidade magnífica de imersão no vasto cenário do deserto australiano, belissimamente apresentado já na ousada abertura do filme, em que um campo de flores criadas digitalmente é introduzido.

Dentro desse escopo, Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurus supera em muito o filme original, adequando-se à roupagem moderna que a Disney passou a adotar depois do começo de sua nova fase, o Renascimento Disney, que começou com o lançamento de A Pequena Sereia. Mas, para um dos filmes mais importantes desse ciclo, infelizmente, a relevância perece nesse âmbito tecnológico, não sendo também redirecionada para a criatividade na narrativa e na criação de mundo, senão a visual. Bernardo (B0b Newhart) e Bianca (Eva Garbor) retornam para mais uma aventura, nos moldes da anterior – uma criança é sequestrada e precisa ser resgatada. O casal agora é efetivado, porém, ao mesmo tempo, ele não é, com Bernardo próximo de pedir sua amada em casamento, em uma conjuntura um pouco confusa de status quo. Enquanto Bernardo passa por um arco de desenvolvimento no filme, Bianca é inerte em evolução. Apesar disso, o entrelaçamento amoroso entre os dois permanece fofo, ainda mais cômico que o do filme anterior. Entretanto, a chegada de um novo coadjuvante, Jake (Tristan Rogers), terceira figura de um triângulo amoroso surpresa, faz com que a química existente na dupla protagonista desapareça, com a presença desse personagem não se justificando durante toda a projeção.

Aliás, Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurus possui o mesmo erro de muitas animações voltadas a um público infantil, enchendo a tela de personagens engraçadinhos, mas irrelevantes. Aqui, o exagero nesse quesito é o que mais cansa. Por exemplo, o péssimo Frank (Wayne Robson) ganha uma sequência grande de ação, realizando atrapalhadas contínuas sem o menor senso lógico, desnorteado porque sim. A sequência inteira, co-protagonizada pela presença mais interessante de Joana, salamandra de estimação do vilão do filme, é redundante, sem resultar em alguma coisa que a tornasse necessária sob uma ótica narrativa. A simples história, dessa forma, torna-se ainda mais frustante, quando, ao final do longa-metragem, é perceptível a inutilidade do lagarto para a conclusão dos acontecimentos, sendo o personagem até mesmo esquecido pelo roteiro, juntamente a todos os companheiros da prisão compartilhada por ele com outras espécies. Em relação a uma figura mais notável, nem mesmo John Candy consegue salvar o personagem que lhe foi atribuído pelos realizadores: Wilbur, irmão do albatroz do primeiro filme. Todavia, o que não se pode dizer sobre o longa-metragem é que ele é enfadonho, sendo a narrativa consideravelmente fluida, além de divertida, mas nunca realmente empolgante ou envolvente.

Embora tantos fatores prejudiquem um olhar geral sobre a obra, Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurus possui seus pontos notáveis de admiração, como a relação de Cody (Adam Rven), a criança da vez, com Marahuté, uma águia gigante e formidável. As capacidades absurdas da animação realçam o vínculo criado entre os personagens, com o contraste de tamanho, além da iluminação, enaltecendo o encantamento do menino perante o majestoso animal. O curioso de ser notado, porém, é a incoerência desse universo de Bernardo e Bianca, visto que a águia, apesar de estar existindo em um universo em que animais são antropomorfizados pelos realizadores, comporta-se como uma águia do mundo real, assim como acontece com outras exceções à regra. Por fim, diante de uma história feijão com arroz, o vilão, um caçador de animais interpretado por George C. Scott, também é um produto genérico de um filme que poderia ser tão único quanto as qualidades que possui. Apesar disso, em comparação com a vilã do original, McLeach é um grande avanço, sendo mais crível, mas, da mesma forma que a terrível Madame Medusa, incoerente em algumas atitudes. Eis um filme que poderia ser mais do que qualquer coisa, mas não resiste em ser qualquer coisa, ainda que apreciável.

Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurus (The Rescuers Down Under) – EUA, 1990
Direção: Hendel Butoy, Mike Gabriel
Roteiro: Jim Cox, Karey Kirkpatrick, Byron Simpson, Joe Ranft
Elenco: Bob Newhart, Eva Gabor, John Candy, Adam Ryen, George C. Scott, Tristan Rogers, Peter Firth, Wayne Robson, Douglas Seale, Carla Meyer, Frank Welker
Duração: 77 min.

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