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Crítica | Better Call Saul – 1X10: Marco

por Ritter Fan
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estrelas 4,5

Obs: Há spoilers da série. Leia as críticas dos episódios anteriores, aqui.

E chegamos ao final da primeira temporada da ”origem” de Saul Goodman. Descobrimos que, no final das contas, se descontarmos tudo, Jimmy McGill escolheu o caminho que o leva a Saul, elegeu ele mesmo a picaretagem no lugar de uma chance verdadeira de brilhar. Jimmy sempre foi Saul, isso fica claro.

Tudo pode mudar, é verdade, já que Vince Gilligan é um mestre em nos enganar ou subverter nossas expectativas, mas, para todos os efeitos, o final de Marco é muito claro: Jimmy McGill passa pela cancela controlada por Mike e quem emerge do outro lado, com anel dourado no dedo, é Saul Goodman. É, talvez, um final mastigado demais para a temporada, mas ele fecha o círculo com perfeição. Vimos Jimmy tentar, tentar e tentar novamente trilhar o caminho certo. Quando seu chão é retirado por seu traiçoeiro irmão Chuck, ele não tem mais para onde correr e se entrega ao seu passado novamente.

Mas ele permanece sendo o Jimmy esperançoso mesmo quando finge ser Kevin Costner por uma noite ou quando faz o golpe da moeda de 50 centavos com JFK olhando para oeste, junto com seu amigo Marco (Mel Rodriguez) em Chicago, em um revival de seus dez anos de “sobriedade”. A semana que ele passa sendo ele mesmo com Marco mostra exatamente isso para nós: no fundo, ele nunca deixou de ser Jimmy Sabonete. A sequência inicial, com os dois ainda crianças já enganando as pessoas, também reitera esse fato.

Só que ele volta. Jimmy McGill tenta evitar que ele seja controlado tomado por Jimmy Sabonete assim como tentou durante toda a temporada. Sim, ele deu uns golpes aqui e ali, mas muito mais motivado por vingança ou por um senso de moralidade no fio da navalha, mas sempre voltou aos trilhos de sua vida como advogado de porta de cadeia e enfermeiro do amado irmão mais velho. Ele fizera uma promessa. E tentou cumpri-la. De verdade. Do fundo do coração.

Mas o mundo conspirou contra Jimmy Mc Gill. Não, o mundo não: Chuck. Chuck era seu norte, seu orgulho, sua dívida. Quando o irmão revela quem ele verdadeiramente é, Jimmy regride para quem ele verdadeiramente sempre foi, entregando-se ao seu vício com Marco em Chicago. A longa montagem dos golpes atrás de golpes é impressionante e ganha um visual lisérgico de entrega total do personagem à sua verdadeira persona.

Seu senso de obrigação, porém, senso esse construído a duras penas ao longo de anos, acaba falando mais alto. Jimmy McGill precisa voltar para Albuquerque e para a vida que se acostumou a tolerar. Mas Jimmy Sabonete é convencido a dar uma nova escapulida e a tragédia se abate. Marco morre na “melhor semana da vida dele”. Seu grande amigo, provavelmente a única pessoa que gosta de Jimmy como ele verdadeiramente é, se foi. Ele não tem mais ninguém, a não ser o anel de Marco – presente da mãe do falecido – para lembrar-lhe de sua natureza.

Mesmo com uma proposta irrecusável a poucos metros de distância, já de volta em Albuquerque, o anel o faz lembrar de Marco e de Jimmy Sabonete e o movimento circular do roteiro se completa, com Jimmy despindo sua fantasia e voltando a ser quem sempre foi. Nada de fingir mais. Se havia alguma dúvida, ela se dissipa com a breve conversa com Mike, quando Jimmy verbaliza sua quase vergonha de ter devolvido os 1,6 milhões de dólares dos Kettleman. Fica evidente, também, a diferença moral entre os dois futuros parceiros. Mike tem uma forte moral, ainda que por vias tortas. Ele ganha dinheiro com seu trabalho, nada mais, nada menos. Jimmy (ou já seria Saul?) não tem essa limitação: “Eu sei porque eu não peguei [o dinheiro]… e nunca repetirei isso.”

Novamente vemos um impressionante casamento de fotografia e roteiro em um balé audiovisual digno do legado de Vince Gilligan. Grandes espaços com planos gerais mostram o isolamento de Jimmy e planos americanos e close-ups mostram seu conforto com os golpes. E, na dramaticamente imbatível sequência do bingo, vemos a realização de todo o potencial de Bob Odenkirk com seu personagem. Sua espiral de raiva, desapontamento, desespero, solidão, com direito a detalhes gráficos da razão de sua prisão e do que sente por seu irmão é de cortar o coração, mas também de fazer o queixo cair. É, sem dúvida, um daqueles momentos que o espectador tem que ver e rever para acreditar no sensacional trabalho de um grande ator. B é de Bob, com certeza!

O único aspecto que me impede de afirmar que Marco é um episódio perfeito é confessadamente subjetivo e que já mencionei acima en passant: Gilligan talvez tenha deixado evidente demais que quem vemos dirigir cantarolando Smoke on the Water (a mesma música cantarolada no golpe do Rolex) é Saul Goodman. Era isso que eu queria ver? Provavelmente. Mas tenho dúvidas se queria ver tão rápido assim. Será que essa transformação já no final da 1ª temporada – se Gilligan não tiver um ás escondido na manga, lógico – é salutar para o desenvolvimento do personagem? O que será que a 2ª temporada poderá trazer de novo à (des)construção de seu caráter? Posso estar sendo injusto com esse meu comentário, mas achei que houve uma corrida no final para entregar o que era esperado e, talvez, com isso, o personagem sofra.

Como disse é algo subjetivo. Olhando apenas para  a temporada que acabou de acabar, não há como negar que ela é redonda, sem arestas a aparar. Aquilo que disse lá atrás na crítica de Uno e Mijo em forma de pergunta eu já posso colocar aqui como uma afirmação: Vince Gilligan conseguiu novamente.

Better Call Saul – 1X10: Marco (EUA, 2015)
Showrunner: Vince Gilligan
Direção: Peter Gould
Roteiro: Peter Gould
Elenco: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Patrick Fabian, Michael Mando, Michael McKean, Raymond Cruz, Julie Ann Emery, Jeremy Shamos, Steven Levine, Daniel Spenser Levine, Eileen Fogarty, Mel Rodriguez
Duração: 49 min.

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