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Crítica | Black Sails – 3ª Temporada

por Ritter Fan
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estrelas 4,5

Obs: Leia, aqui, as críticas das demais temporadas. Só há spoilers das temporadas anteriores.

Talvez seja pedir demais que aqueles que nunca assistiram Black Sails comecem a assistir a série pela promessa de um episódio de encerramento de sua 3ª temporada absolutamente incrível, daqueles que dá vontade de aplaudir quando a última palavra é mencionada. Construído de maneira surpreendente, com duas narrativas complementares em momentos temporais diferentes que se encontram ao final e com mais uma narrativa paralela que preenche as lacunas vagarosamente, o encerramento da penúltima temporada da série é de um primor técnico de se tirar o chapéu e conta uma história que envolve completamente o espectador, a cada minuto aumentando a tensão ao ponto deles passarem como segundos.

Mas, melhor que isso é que Black Sails, na verdade, não depende deste episódio para mostrar a que veio. A série, desde sua  surpreendente primeira temporada, que nos apresentou ao traiçoeiro Capitão Flint, o pirata mais temido dos Sete Mares, ao violento capitão rival Charles Vane e sua equipe imediata formada por Jack Rackham e Anne Bonny, à Eleanor Guthrie, mulher com pulso de ferro que comanda Nassau e o comércio pirata, à ambiciosa prostituta Max, amante de Eleanor, e, claro, ao inteligente John Silver, que aos poucos vai galgando seu posto diante da tripulação de Flint, se desenvolveu a passos largos em apenas 18 episódios, alterando profundamente a natureza dos personagens, expandindo seu universo, abordando o passado de Flint e sua misteriosa relação com a aristocrata Miranda e culminando com a destruição de Charles Town, nos EUA, e a morte de Miranda, que deixa Flint completamente fora de si, depois que ele tenta, por mais uma vez, colocar em prática seu plano original de conseguir trazer os piratas de volta ao Império Britânico por meio de perdões da Coroa.

A 3ª temporada começa algumas semanas depois da literal declaração de guerra de Flint e Vane contra a Inglaterra, com Flint em uma campanha terrorista de assassinato de todos os magistrados que ousassem condenar à morte qualquer pirata. Vê-se muito claramente a fúria descontrolada do temido capitão e a necessidade que ele passa a ter de alguém para controlar seus impulsos, como uma consciência estilo “Grilo Falante”. Esse alguém, como já havia ficado evidente antes, passa a ser exatamente John Silver, ele próprio lutando contra seu lado sombrio, mas agora respeitado diante da tripulação após o sacrifício que o fez perder a perna e começar a ganhar a aparência que tem em A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson e, aos poucos, um plano mais amplo e mais ousado começa a formar-se na cabeça do capitão. Esse plano, aliás, é precipitado pela chegada do governador Woodes Rogers, que existiu de verdade e é retratado de forma bastante intensa por Luke Roberts, depois que ele convence Eleanor Guthrie, presa após traição do Capitão Hornigold, a tornar-se seu braço direito na empreitada de domar Nassau usando exatamente o mesmo plano que Flint tentara por duas vezes implantar: perdões em troca de fidelidade à Coroa Britânica.

Mas, com Nassau domada, Flint sabe exatamente o que fazer, agora que perdeu as duas pessoas que mais amava graças ao Império que outrora obedecia. Ele quer Nassau – seu verdadeiro lar – de volta e precisa juntar forças para retomá-la das garras do Rei George.

Com isso, grande parte da temporada é dedicada às engrenagens do plano de Flint. Os primeiros três episódios armam o novo status quo e o quebram, tirando o capitão da jogada principal por um tempo, claramente uma conveniência do roteiro, mas que é necessária para permitir o encaminhamento adequado da tomada da ilha dos piratas por Rogers, personagem que é muito bem trabalhado, assim como todos os demais. Nada de um homem perfeito. Rogers tem seus fantasmas e é, no fundo, um estrategista que deseja a paz assim como Flint e seu amante um dia desejaram e ele faz de tudo para alcançá-la, mesmo que isso signifique dar poderes para Eleanor e para Max, para desgosto de seu grupo de conselheiros.

O que a temporada faz particularmente muito bem é mexer profundamente no tabuleiro de Black Sails. Alianças são desconstruídas e construídas e movimentos são feitos – tanto esperados quanto inesperados – que vão aos poucos levando à culminação da estratégia de Flint no já mencionado último episódio. Essa troca de lados e até de papeis, porém, tem o mérito de não fugir da caracterização de cada personagem. Muito ao contrário, ela funciona de maneira lógica e fluida dentro do panorama geral da história sendo contada e o espectador é muito facilmente convencido de que algo assim realmente poderia acontecer nestas circunstâncias. Com isso, o núcleo principal formado por Flint, Vane, Silver, Eleanor, Max, Rogers e até mesmo Billy ganham histórias próprias e bem destacadas, com tempo de construção exato como os showrunners já provaram que sabem fazer com maestria, mas com um elemento a mais: o gradativo, mas certeiro mergulho de cada um deles – em graus diferentes – na escuridão. Essa escuridão, representada mais claramente pela forma como Flint é abordado e que conta até com visões da Morte por ele, é onipresente em cada sequência da temporada, prenunciando um fim trágico e impedindo que o espectador tenha algum tipo de conforto.

Além disso, duas novas e importantes peças são introduzidas neste grande tabuleiro pirata. A primeira delas é o imponente Capitão Edward Teach, mais conhecido como Barba Negra, outro personagem real usado na série. Vivido muito bem por Ray Stevenson, ele tem relativamente pouco tempo de tela, mas sua presença nos permite mergulhar no passado de Vane (outro capitão que existiu de verdade) e também na lenda que circunda esse famoso pirata e suas várias esposas. Mas Stevenson empresta uma camada de amargura ao personagem que, junto com sua enorme barba negra (ele nunca é chamado pelo apelido, vale dizer) e um figurino fantástico e inesquecível, compõem um Teach memorável daquele tipo que ansiamos ver em uma série própria.

A outra nova peça do tabuleiro tem uma entrada pouquíssimo orgânica na série, diferentemente de Teach. Trata-se de uma enorme colônia de escravos refugiados que vivem em segredo em uma ilha no Atlântico. Não vou aqui entrar em detalhes sobre o que acontece para a colônia ser descoberta e nem exatamente como ela se conecta com Nassau já que não quero soltar spoilers da temporada, mas a forma como ela aparece é muito mais relacionada com uma sucessão de (in)felizes coincidências que, confesso, me incomodaram bastante, do que com algo que fosse possível de alguma prever com base em acontecimentos nas temporadas anteriores. Mas esse incômodo, devo dizer, começa a desaparecer na medida em que aprendemos mais sobre o lugar e na medida em que somos apresentados a Madi, filha da líder do local, vivida com um misto de gravidade e inocência raro de se ver por aí por Zethu Dlomo.

Há outros momentos que, assim como a colônia de ex-escravos, me pareceram mais como atalhos narrativos do que qualquer outra coisa. Um deles se relaciona com Jack Rackham e sua captura e outros estão conectados mais com a velocidade com que certas rotas marítimas são navegadas, sendo encurtadas mais do que bruscamente para que seja possível encaixá-las adequadamente na história.

Mas, no frigir dos ovos, esses são problemas menores diante da grandiosidade do que se desejou contar nesta temporada e pela forma como os personagens – novos e velhos – são explorados e desenvolvidos. Essa grandiosidade, aliás, deve-se muito a valores de produção estupendos para uma série com tão pouca audiência. O design de produção, cobrindo cenários, figurinos, maquiagem e cabelos imerge o espectador neste incrivelmente complexo e sombrio mundo da pirataria, com personagens que, mesmo que fique difícil verdadeiramente torcer por eles (com a honrosa exceção de Madi, devo salientar), pelo menos ficamos mais do que curiosos para saber o que vai acontecer com cada um (ainda que alguma coisa seja possível entrever em relação a alguns se o espectador já tiver lido A Ilha do Tesouro que, aliás, é leitura obrigatória independente de qualquer coisa!).

Black Sails navega discretamente demais pela televisão e deveria ter muito mais destaque do que tem. É uma série de piratas que os retrata como eles realmente devem ter sido e que apresenta roteiros e atuações de fazer o queixo cair desde o primeiro segundo de projeção e que, a cada episódio, a cada temporada, só melhora. Talvez seja mesmo pedir demais que alguém mergulhe tanto em uma série pela promessa de que seu 28º episódio seja imbatível, mas quem disse que não há outros espalhados pelas 1ª e 2ª temporadas que não são pelo menos do mesmo naipe?

Black Sails – 3ª Temporada (EUA, 23 de janeiro a 26 de março de 2016)
Criação e showrunners: Jonathan E. Steinberg, Robert Levine
Direção: Alik Sakharov, Lukas Ettlin, Stefan Schwartz, Steve Boyum, Rob Bailey
Roteiro: Jonathan E. Steinberg, Robert Levine, Brad Caleb Kane, Dan Shotz, Lisa Schultz Boyd, Mark Berzenski, Josh Rothenberger, Evan Bleiweiss, Tyler Van Patten
Elenco: Toby Stephens, Hannah New, Luke Arnold, Jessica Parker Kennedy, Tom Hopper, Zach McGowan, Toby Schmitz, Clara Paget, Hakeem Kae-Kazim, Sean Cameron Michael, Louise Barnes, Rupert Penry-Jones, Meganne Young, Nick Boraine, Tadhg Murphy, Angelique Pretorius, Anna-Louise Plowman, Andrian Mazive, Moshidi Motshegwa, Jason Cope, Jenna Saras, Ray Stevenson, Luke Roberts, Zethu Dlomo
Duração: 500 min. aproximadamente (10 episódios no total)

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